WASHINGTON QUEIROZ
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Nasceu em Feira de Santana, Bahia, em 1954 e vive em Salvador. Poeta, antropólogo, com trabalhos realizados em etnologia indígena e tradição oral sertaneja – vaqueiros, fontes de estudos e de motivação poética constante.
Recebemos muitos livros pelo correio, outros pela internet, compramos outros tantos em livrarias e em sebos, mas também ganhamos muito s de presente. O livro do Washington foi uma doação de nossa amiga Elmira Simeão que o adquiriu na Feira do Livro de Salvador, Bahia, em nossa passagem pela cidade em 22.4.2007. No avião, de regresso a Brasília, lemos a obra com interesse, depois de concordar com a apresentação escrita pelo (também) poeta Ruy Espinheira Junior, sobre “A Dança dos véus: fantasia e fuga- poesia 1982-1986)”
“Estamos, aqui, diante de um trabalho amadurecido lentamente; suma de muitos anos de reflexão poética. E de vida, pois a poesia de Washington Queiroz é — como queriam mestres da importância de Mário de Andrade e Manuel Bandeira — vida, não mero exercício de habilidades no trato com a palavra. Nela, nessa poesia, encontramos o drama individual e coletivo, os transes do poeta e do maravilhoso e implacável mundo.”
QUEIROZ, Washington. A Dança dos véus: fantasia e fuga (poesia 1982-1986). Salvador, BA:
Secretaraia da Cultura e Turismo, FUNCEB, 2004. 96 p. (Coleção Selo Editorial Letras
da Bahia, 101) 15x21 cm. Capa: Ilustrtação: Guache Marques, Foto: Maurício Requião.
MEU VERSO
Meu verso não tem malabarismos.
É seco: grito de arara ecoando
na pedra
do teu coração que bate,
que bate.
Não tem pétalas, segredos, ecos:
é um estilhaço fervendo, voando louco,
sem paragens ou abrigo.
O verso é nada e não está comigo
— está no doido da esquina
na continência do bêbado, está em mim.
Meu verso não presenteia amores. Antes,
está nas torturas, nas duras dores.
E além, meu verso não é poesia
e não agrada: é brasa que fere o olho
e a paisagem sagrada.
O verso enfim não está em mim;
gira no planeta, acomete doenças,
não quer ser lírico ou laço.
E foge do fogo dos que criaram
as alegrias todas, tidas e vindas.
Das danças e manifestações do prazer
se esconde. Inconformado, meu verso
não quer ter.
Assim, aos domingos meu verso não vai às igrejas.
Brinca com prostitutas, puxa punhal, navalha,
dorme na sarjeta.
POEMA
lndevassável
é a palavra guardada
no lençol branco: dicionário.
eu m dia era de Maria,
doía;
era de Sofia,
ardia;
outro, era minha,
luzia).
Carrego meus versos
nos ombros, olhos,
assobiando pelos becos.
Sempre minto no verso
para não parecer que acerto sempre.
Mas não dou a ninguém
essas mentiras. Carrego-as nos bolsos
para agradar às crianças.
DE QUE SE COMPÕE O ROSTO
Das vestes
que guardam punhais.
Breves,
e sempre este tom rouxinol,
que vai sulcando o rosto
em cada rastro, cada canto;
vai sugando o pulso.
Das vestes
com suas ínguas, ranhuras:
sua dose de arsênio.
(Aqui a vida também se faz
do veneno, do sangue venoso
ou do fracasso ineludível.
Por isso se desenha assim
este rosto amargo-doce ou
simplesmente mórbido que
agora dizes enternecer-te).
DAS ÉPOCAS
para Bel Borba
Há uma sutil conspiração numa sala
onde um baú velho
dialoga com o século vinte.
O PARANATI
Deixado o rio à margem,
salta o fio, a seda,
senda e mistérios.
A sinuosidade da vida:
paciência das águas
no transverso olhar
que o rio atravessa,
seixo por seixo e coração.
Seta no olhar do pássaro, deságua
o tríptico, a sensualidade,
a descontração
de quem sabendo que passando
jamais passará: - o rio.
ESTUDO PRIMEIRO PARA MAR, GAIVOTAS
SINTETIZADOR, VIOLONCELO E VIOLINOS
para J ean Michel J arre
As gaivotas não voltam.
Os mares são sempre amanhã.
Cântico de pios/estrondo de águas:
melodia zoohídrica
sob o azul paciente dos violinos.
As gaivotas não voltam.
Os mares são sempre amanhã.
Nostalgia bramindo em sussurros,
em chiados, feito sintetizador;
em roncos, feito violoncelo.
As gaivotas são sempre amanhã, pois
os mares não voltam.
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QUEIROZ, Washington. Passeios. Ilustrações: Fernando Oberlaender. Salvador, BA: EPP Publicações e Publicidade, 2008. 96 p. 14x21 cm. ISBN 978-85-98866-16-1
POEMA DE AGOSTO IGNÓBIL
A vida é susto.
O resto? São apenas dias,
mais nada.
Independe da tua vigília
amiga,
e da minha.
POEMA
Rancor de saber-te alheia,
cor de sal, bela:
areia não pisável — véu,
infindável liberdade.
EXERCÍCIO III
Cirros no céu:
é hora de recolhermos
(cuidadosos)
nossos lençóis de vidro.
A POESIA E EU
A poesia me cumpre
Como a águia cumpre o risco
o bico
cumpre o traço
que verseja.
Seu risco marca o testemunho
rígido
objetivo
onde o alvo translúcido
não nascido é tudo!
A poesia me cumpre
e eu com ela me redimo
de solidões e amplos apelos.
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HERA – 1972-2005. Edição fac-similar. Antonio Brasileiro, Juraci Dórea, Roberval Pereyr, Rubens Alves Pereira, Trazíbulo Henrique Pardo Casas, organizadores. Salvador: Fundação Pedro Calmon; Feira de Santana: UEFS Editora, 2010, 712 p. . ilus. (Memória da Literatura Baiana).ISBN 978-85-99799-14-7 Ex. bibl. Antonio Miranda
AS IMAGENS
Sombra negra apoiando-se no chão,
(fêmur: estendendo cabeças)
na umbra, féretra escura estática no
erecto.
Imagens que se ignoram,
divisão de céu e terra: sombra.
Espelhos de eus — inacabada.
Sombra — ponte de todos os vãos.
Sombra —m prisão fadada de vitrinas.
Vital — nem magro, bem magro:
decifrado nas paredes,
divina luz.
Indistinguível se branco se fel,.
se preto se mel, apenas
sombra.
Onde todos cairão um dia.
UM BARCO NO OCEANO DOS TEUS OLHOS
Navegamos barco fundo,
vela imprecisa, navegamos
partindo a sensopercepção dos mares
antes.
Noite, cerra os últimos lampejos
do meu cigarro, fecha
escuridão!
Envelhece, último crepúsculo,
caído no barco desse grande lastro!
Fecham-se todas as cortinas,
e caem:
cobrindo a noite, o dia,
o barco —
cobrindo-se, cobrindo-me.
HERA – (REVISTA HERA ) Dezembro 1992. Diretor e Ilustração: Antonio Brasileiro. Feira de Santana, Bahia: Edições Cordel, 1992. 25 p. ISSN 00101-1065 Ex. bibl. Antonio Miranda
SEI QUE NÃO ME AMAS
No entanto continuo azul,
prússio: urso no horizonte
e violinos no coração.
O QUE TE OFERTO
Vou te ensinar a voar
te fazer ciranda
te pegar pelas mãos.
Te lambuzar o rosto
correr atrás de pirulitos
brincar de boca-de-forno.
Pintar o coração de azul
colecionar arco-íris
colher flores de anis.
Vou ser teu menino, teu anjo,
descobrir o sabor do vento
sentir o gosto do sol
ser colecionador de estrelas.
Depois, vou ser tudo isso
e mais
o que os homens me ensinaram.
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Página ampliada e republicada em novembro de 2022
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Página republicada em dezembro de 2016; ampliada e republicada em dez. 2108
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