VLADIMIR QUEIROZ
VLADIMIR QUEIROZ da Silva nasceu em Feira de Santana, Bahia, em dezembro de 1962. Estreou na literatura em 1996 com o livro “Seres & Dizeres (Pórtico)”. Prêmio Projeto Cultural Petrobras (BA) 1998 – categoria poesia.
QUEIROZ, Vladimir. Terracota. Salvador, BA: Secretaria de Cultura e Turismo, Fundação Cultural do Estado, Empresa Gráfica da Bahia, 2001. 90 p. 14,5x21,5 cm. ilus. (Coleção Selo Editorial Letras da Bahia, 70) ISBN 85-7505-025-7 “Vladimir Queiroz” Ex. bibl. Antonio Miranda.
MORRO
Morro condenado,
esburacado
esmiuçado
varrido:
morro ferido.
Avanço crítico,
crasso
devasso
céltico
enclítico:
morro dolomítico.
Último grito de fera,
unha-de-gato
garra de hera,
vicejada a v´sicera
postema de cratera:
morro de quimera.
Tronco de árvore
rolando na ribanceira,
lenha sortida
dada
oferecida
vendida na feira:
morro clareira.
Veio d´água nascendo,
grota
gotejando
escorrendo;
brejo
charqueiro
lameiro:
morro derradeiro.
CASTANHA
Castanha caída em safra
camuflada ao amontoado de folhas
secas,
recrudesce.
Pisa as galináceas e desvendam
o segredo torto
escondido na beleza flórea
da estação vindoura.
Morto o fruto se refaz a vida
lenta lida
da natureza santa.
Embala o canto
ao sereno remanso
ao sol perene...
ESTEIRA
Na esteira o chão:
pressentimento de rogos
choros e afagos.
Vai-se o clarão da rua
pela noite num trago.
Há querida lua na surdina
descortina-me
passa em horas recuadas
pássaros:
revoada.
Ressurgem instante de doçura
permeia em prata cintilante
perdura.
PAPEL CREPOM
Papel crepom na cara
rugas traçadas ao ardor
da caatinga.
Juriti de canto doce
reza uma prece
faz um adjutório para o mês da quermesse;
em meio ao foguetório
desfaça das mão os calo
a quebrar tanto talo seco
de seca.
Forte a cruz da macambira
umburana que a ti retira
errante.
O vento sopra a tua voz
o tempo cresce no teu dia-lilás.
Recria de boi mando,
sempre santo o sacrilégio
sempre benta a travessia:
régio ofício.
Raspa de tacho
por última serventia
encher bucho causticante
de retro-andante.
CONVERSA DE SÃO JOÃO
Estouram bombas na noite do meu São João;
ecos de conversas ao pé do braseiro.
Caras embaçadas na fumaça únic
do fogaréu do meu São João.
Enredam causos,
enovelam,
Enveredam
e adentram pela cinzas...
IARARANA - revista de arte, crítica e literatura. Salvador, Bahia. No. 10 - dezembro - 2004. Ex. bibl. Antonio Miranda
NOITE & CIA
Uma cachoeira ruiva transborda sobre o caminho lunar
transporta para além do mar a noite
e os respingos de luz brotam dos espigões...
Voltam ao esgoto os ratos fétidos e adormecem.
Voltam ao portão os gatos fartos pá¡lidos, descoram o pardo do breu.
Voltam do passeio os que foram e pela noite perderam-se.
Silenciam os dedos os dj, mudo fica o espaço onde braços e pernas viram-se.
Vagueiam cegos os motores e buzinas sobre talas largas e nem tanto. Estira-se pelas calçadas os papéis amassados da noite mal sonhada.
Por fim...
Ouvem-se vozes a propagar os findos fatos do fim do dia.
Repousam sobre o asfalto os dejetos dos "delivery & CIA" (parcos
e porcos se deliciam). Rodam as bolsas as moças, rodam rodas de liga leve. Ligam o som
e somem. Avistam-se tiros e gritos rompendo
o silêncio dos retiros.
Retiram a patrulha que vasculha
uma agulha no palheiro.
Um argueiro pula fora
à imagem estampada da caveira no veneno...
O sereno se desfaz lentamente e resta o orvalho
as peças do vestuário sob o estrado algumas cartas de baralho
e o vinho suave e
(ex) tinto.
JUÁ
À sombra do juá jazia o boi do pasto
imóvel, absorto.
O boi do mato que o vaqueiro incauto
ao seu encalço foi.
A sombra do juá com a boca fechada,
engolido o mugido
bravo
sem ruminar.
Só os cascos na terra
em poeira.
À sombra do juá ficou o boi perdido,
exalado no fogo das ferras,
na contagem dos umbigos curados.
À sombra do juá ficou o boi
quando o vaqueiro passou
e levou o trote
consigo.
CADERNO DIÁRIO
Do que não foi o passado
egresso venho
num tilintar de dedos
nas folhas amareladas
de um caderno diário.
Escondido ressurjo
na analise caligráfica.
A voz perdida sublima-se
e respiro em mim
o eu de mim
guardado.
Se ainda existisse naqueles idos o mata-burro
sugaria o excesso
absorveria as inutilidades
passaria despercebido
os deslizes de conduta
ao bico da pena.
.................................
Mas o inevitável registro
deixa prova irrefutável
e posso reviver
sem traumas
as tramas ocultas.
TROTE
Um cavalo trota
solitário
encoberto pelo pó.
Reluz ao vento
e se mostra dourado na réstia.
Pisa no solo rachado e seco da grota:
vai...
Um cavalo de passo manso
perde-se ao longe: quase morre.
Vem pelo ar o resto de trote
pousa na córnea os cascos,
no estribo, os sons.
Um cavalo em pelo
a findar com a luz no horizonte.
Página publicada em maio de 2016; ampliada em junho de 2019
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