POESIA BARROCA BRASILEIRA
SEBASTIÃO DA ROCHA PITA
Sebastião da Rocha Pita (Salvador, 3 de maio de 1660 — 2 de novembro de 1738) foi um advogado, historiador e poeta brasileiro.
Estudou no Colégio dos Jesuítas da cidade de Salvador, então capital do Estado do Brasil, obtendo o grau de Mestre em Artes. Aos 16 anos, partiu para Portugal e na Universidade de Coimbra obteve o grau de bacharel.
Soneto
Quando Fílis as lágrimas bebia,
em um fio de pérolas brilhante
da matutina luz, bela, e flamante
precursora do sol, e mãe do dia,
uns dentes se lhe partem à porfia
para a união das pérolas amante,
que sendo a qualidade semelhante
os quis conglutinar a simpatia.
Bem que ao beber as pérolas luzentes
se lhe quebrem os dentes, julga e toca
não serem as matérias diferentes,
pois sem se conhecer mudança, ou troca
enfiados por pérolas os dentes
têm por dentes as pérolas na boca.
Soneto
A ver do Sol o novo nascimento,
a nova Lua veio prontamente
um e outro Planeta no Ocidente
trazendo o seu efeito, e movimento,
o Sol em raios grande luzimento,
a Lua em águas copiosa enchente
assistindo a Academia mais ciente,
e concorrendo a dar-lhe o fundamento.
Para encher ao Congresso de favores
mais se expende um Planeta, outro mais arde,
o dia repartindo em seus primores.
Ambos fazem do seu obséquio Alarde
um em cristais, e outro em resplendores,
a Lua de manhã, e o Sol de tarde.
Soneto jocoso
Pondero a emudecida formosura
De Fília, sem temer que impertinente
Possa, no meu soneto, meter dente,
Pois carece de toda a dentadura.
Se, por cobrir a falta, esta escultura
Tão muda está que não parece gente,
Estátua de jardim será somente,
Se de pano de raz não for figura.
O Senhor Secretário quer que a creia
Bela sem dentes; eu lho não concedo:
Desdentada é pior do que ser feia,
E em silêncio só pode causar medo,
Ser relógio do sol para uma aldeia,
Para um povo estafermo do segredo.
Soneto
Mudou o Sol o Berço refulgente,
ou fez Berço do Túmulo arrogante
galhardo onde se punha agonizante
com luz no Ocaso, e sombras no Oriente.
Não morre agora o Sol, quer diferente
no Aspecto, se na vida semelhante
no Oriente nascer menos flamante,
e renascer mais belo no Ocidente.
Fênix de raios a uma, e outra parte
comunica os incêndios, e fulgores,
porém com diferença hoje os reparte.
Nasce lá no Oriente só em ardores,
no Ocidente a ilustrar Ciência, e Arte
renasce em luzes, vive em resplandores.
Soneto
Hoje faz anos, faustos, e constantes
O maior Rei, na Corte mais luzida,
Conta poucos na idade mais florida,
E muitos nas ações mais relevantes.
Se numera as virtudes por instantes,
Se em ânimo Real não tem medida
Não são, a encher o seu alento, e vida
Monarquias, nem séculos bastantes.
A carreira do tempo é curta empresa,
Os Reinos mais florentes infecundos,
O espaço de dous Orbes estreiteza,
E hão mister, atributos tão profundos,
Tal poder, tal valor, tanta grandeza,
Mais Anos, mais Impérios, novos Mundos.
Soneto
O desvelo maior tem aplicado
Fílis para esquecer um bem perdido,
Mas como pode o bem ser esquecido,
Quando o próprio desvelo o faz lembrado?
Como pode o discurso desvelado
Ver-se do que imagina dissuadido?
Lembrar-se de esquecer traz no sentido,
E vem o esquecimento a ser cuidado.
Se da perda o descuido não tomasse
Por empresa, essa mágoa que padece
Fora possível, que lhe não lembrasse.
Mas a memória em Fílis permanece,
Pois se o descuido de cuidado nasce,
Do que quer esquecer se não esquece.
Soneto
Fala o Mar no contínuo movimento,
O fogo em línguas as Esferas toca,
A terra em terremotos abre a boca,
Em sibilantes sopros silva o vento.
Logo como a dizer seu sentimento
Uma alma racional se não provoca,
Quando o silêncio pelas vozes troca
Sem uso de razão cada Elemento?
Como pode vencer quem pouco ativo?
Não manda à boca, quanto o peito encerra,
E estando mudo, não parece vivo.
Só triunfa em falar, em calar erra,
O racional vivente discursivo
Falando o Vento, o Fogo, o Mar, e a Terra.
Soneto
Deste Apotema vigilante, e cego
Uma parte confirmo, outra reprovo,
Que o Amor com Amor se paga provo,
Que o Amor com Amor se apaga nego.
Tendo os Amores um igual sossego,
Se estão pagando a fé sempre de novo
Mas a crer que se apagam me não movo,
Sendo fogo, e matéria Amor, e emprego.
Se de incêndios costuma Amor nutrir-se,
Uma chama com outra há de aumentar-se,
Que em si mesmas não devem consumir-se.
Com razão deve logo duvidar-se
Quando um Amor com outro sabe unir-se
Como um fogo com outro há de apagar-se?
Página publicada em agosto de 2010. Página ampliada em dezembro de 2018
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