SALETE AGUIAR

João Edison Salete Aguiar nasceu em Rosário do Sul – RS, em 1949, e reside na Bahia há mais de vinte anos. Publicou os livros Versos Versus Versos (em parceria, 1987) e Seis da Tarde (2005). Este mês, junho de 2006, está sendo lançada sua produção mais recente, o volume Na Cadeira de Meu Pai.

      Os poemas ao lado (formatação no site, postados abaixo) foram extraídos desse último livro e constituem exemplos da extrema concisão verbal de Salete Aguiar, que trabalha com a poesia num registro quase telegráfico. Também se pode estabelecer um paralelo entre seus versos e a técnica minimalista do haikai japonês. Aliás, métrica à parte, o poema "Entardecer" lembra bem o clima dos haikais.

      Homem de "cento e dezoito vidas", como afirma no poema "Cinqüentenário", Salete Aguiar sugere. Não diz. Acredita no silêncio e na inteligência do leitor.

HERA 1972-2005.  Antonio Brasileiro et al.. organizadores.  Salvador, BA: Fundação Pedro Calmón; Feira de Santana, UFES Editora, 2010.  712 p.  fac-símile. ilus. (Memória da Literatura Baiana).  ISBN 978-SS85-99799-14-7  Ex. bibl. Antonio Miranda

         DIÁLOGO

Já não sinto ódio
já não sinto
nada que possa fazer (ou parecer)
sentido.

Não mato mais o tempo
impunemente
nem cobiço as mulheres
intangíveis.

Desisti de adulterar imagens!

Pais ou países não me inculcam medos.

Entre charcos do falso testemunho itinerante
que me sorri das telas barulhentas,
oscilo acima dos deus
incontinenti
e descanso
neste sábado eterno

                                               sem vislumbres.

         MERCADO

No burburinho desta noite insana
os suicidas me tiraram o sono.
Retive na retina os cadafalsos,
pasmo.

Passos em falso tateiam no abismo
e todos os degraus são
descendentes.

 

 

         VERITAS

Vinho aveludado
e deus se transforma.
Sem leis, decálogos
ou pedras.

 

         VOLUTA V

Sob os invólucros 
de peles e arbítrios
sou sempre outro

                                      e outro.

         DIAMANTE DE DOIS GUMES

A dor que me lapida
é a dor que me embrutece

SALAMANDRA – REVISTA DE POESIA. Número 1.  Campinas, São Paulo, Outubro de 2001.  Editores: Pablo Simpson e Pedro Marques. Capa e diagramação: Pablo Simpson.  Apoio: Instituto de Estudos da Linguagem e do Centro Acadêmico de Letras e Linguística – UNICAMP.   Ex. bibl. Antonio Miranda.

                   ÁLBUNS

Conglomerados
de traumas.

                Avós no comando.

                POLIS

No beco ou na varanda
o medo é o mesmo.
Ruge a rude urbe,
em vaticino:
Não há assassinatos,
só ajustes.

                ZÊNITE

Na noite clara
estrelas mudas.

Meu corpo entardecia
entre alfarrábios.

                SABEDORIA

O cego
sobre seus ombros
bocejava.

              Todos podem ganhar no dominó.

                ARTE

Na grande mancha turva
do destino,
o claro.

Na curva
do caminho,
o vasto.

 

                REMANSO

Sermos sono
serenas sombras

 

sonora soma
de silêncios             

Página publicada em janeiro de 2019; ampliada em setembro de 2019