ROBERVAL PEREYR
Natural de Antonio Cardoso, Bahia, Brasil, nascido em 1953, reside em Feira de Santana. Co-fundador da revista Hera (1972-95). Dez livros publicados, alguns inéditos. Doutor em Letras, leciona Teoria Literária na Universidade Estadual de Feira de Santana.
TEXTOS EM PORTUGUÊS - TEXTOS EN ESPAÑOL
TEXTS IN ENGLISH
MEDITAÇÃO COM RASURAS
Nenhuma luz retoca este semblante
que irrompe das valas.
Nenhuma voz fere o anjo
que mede os sonhos falidos.
Venho pelas encostas
com dez humanidades na capanga
e uma dor no dente cariado.
Me pedirão que recite
algum segredo? Algum aedo terrível
povoará minha sombra?
o meu avô materno foi um viúvo sem luto,
eu apenas beijo a estrada
que se acabou em teu sonho.
De bruços na história da gagueira,
estudo a língua das traças.
Não conheci o justo,
não recebi o anel,
não fui sequer o irmão do convidado.
Respiro contra o silêncio
que subjaz.
E meu sussurro faz estremecer
o fragilíssimo crepúsculo
dos nãos._
CONVITE
Se vieres ao templo
me verás despido
sem nenhum sentido,
sem altar, sentado
só, comodamente,
manso como as feras
saciadas.
SONETO
Não me diga nada
que já estou na estrada
que meu tempo é curto.
Pois se a vida é breve
que daqui me leve
na inversão de um susto.
Quando a vida excede
sobre o meu destino
eis que desafino
por - sabê-lo tanto.
Ai este silêncio
corrosivo, crasso,
seiva do fracasso
que transformo em canto.
SUBJACÊNCIAS
Não fui nascido,
não terei fim:
em mim só morre
o sim, o não.
As vidas vão-se;
a vida, não:
o que tem nome
será extinto.
Não fui criado,
não serei findo:
estou dormindo,
mas acordado.
Nunca me ausento,
mas não me mostro;
pois tudo habito
sem deixar rastros.
Os céus, a terra
e todo mundo
que me procura
o caminho erra.
Não fui criado,
não terei fim:
a própria morte
nasceu de mim.
ERRATA
Onde se lê saudade,
leia-se:
soda cáustica.
Onde se lê silêncio,
sentença; infância,
escárnio.
E onde se lê (o) poema,
leia-se:
o grande desastre.
Poemas extraídos da obra antológica AMÁLGAMA;NAS PRAIAS DO AVESSO E POESIA ANTERIOR. Salvador: Secretaria da Cultura e Turismo, Fundação Cultural de Estado de Bahia, 2004. 266 p. (Coleção Selo Editorial Letras da Bahia, 95) ISBN 85-7505-083-4
PEREYR, Roberval. Mirantes. Rio de Janeiro: 7Letras, 2013. 106 p. 13x21 cm. “Prêmio Brasken Academia de Letras da Bahia” ISBN 987-885-7587-794-22 Coleção Bibl. Salomão Sousa
PEREYR, Roberval. Saguão de mitos (Poesia). São Paulo Editorial Cone Sul, 1998. 74 p. 11x15,5 cm “II Festival Universitário de Literatura Xerox e Livro Aberto”. Coleção Bibl. Salomão Sousa
PEREYR, Roberval. O súbito cenário. Feira de Santana, BA: Edições Cordel, 1996. 32 p. (Série Iniciação, 15) 12X18 CM. Capa: Juraci Dórea. Coleção Bibl. Salomão Sousa
PEREYR, Roberval. Ocidentais. Feira de Santana, BA: Edições Cordel, 1987. (Série Iniciação, 12) 12x18 cm. Capa: Antonio Brasileiro. Coleção Bibl. Salomão Sousa
PEREYR, Roberval. Amálgama. Nas praias do avesso e poesia anterior. Salvador, BA: Secretaria da Cultura e Turismo, Fuyndação Cultural do Estado da Bahia, 2004. 206 p. 15x21,5 cm. “ Roberval Pereyr “ Ex. bibl. Antonio Miranda
CANTIGA DE MAL SABER
Entrei na vida de bruços
e ao avesso: de quem?
Meu anjo sou eu; meu urso,
meu urso sou eu também.
Ninguém conhece o percurso.
Ninguém.
VIAGEM
Mais amargo que ontem,
vim para sonhar.
Se meus versos mentem,
nada hei de encontrar.
Mas meus versos mentem
- com que vou sonhar?
Que meus sonhos viajem
para outro lugar.
Para outros sonhos
(e que eu possa ficar
domando meus demónios)
que me queiram salvar.
PEREYR, Roberval. Amálgama. Uma pequena antologia. Feira de Santana, BA: Edições MAC, 2000. 45 p. 11,5x18,3 cm “ Roberval Pereyr “ Ex. Biblioteca Nacional de Brasília, doação de Aricy Curvello.
APRENDIZ DE APRENDIZ
O mestre zen ouve o som
de uma só mão batendo palma.
Eu nada ouço.
Mas espero com calma.
A OUTRA VISÃO
O paraíso sempre foi perdido.
Minha paz é um pássaro sem sentido
voando sob a dúvida maior.
Apareço ante mim no dia turvo
com a foto de deus num álbum sujo
e eu de costas na foto vendo o sol.
Sem nenhum ritual exponho a foto.
Dentro dela me posto á no fundo,
e às costas de deus, espelho dúbio,
me desnudo e declamo: somos pó.
TAO
Na diferença que há
entre o que sou e o que quero,
ali, tomo assento, ali
me espero.
Na tensão que a vida gera
entre meu corpo e meu sonho,
ali, deus e fera, ali
me componho.
AUTORES BAIANOS: UM PANORAMA; BAHIANISCHE AUOTEREN: EIN PANORAMA; BAHIAN AUTHORS: A PANORAMA; AUTORES BAHIANOS: UN PANOROMA. Organização Fundação Cultural do Estado da Bahia (FUNCEB). Salvador, Bahia: P55 Edições, 2013. 471 p + 10 p. s/ com as biografias dos autores nas quatro línguas. p. 18x25 cm. Inclui textos dos poetas Antonio Risério, Daniela Galdino, Florisvaldo Mattos, Karina Rabinovitz, Kátia Borges, Luis Antonio Cajazeira Ramos, Myriam Fraga, Roberval Pereyr e Ruy Espinheira Filho e traduções ao alemão, inglês e espanhol. Col. A.M.
O ANDARILHO
("Nas praias do avesso", 2004)
Lá vai o andarilho.
Talvez seja um mendigo,
talvez um palhaço;
e entre um pai e um filho
mova-se preso num laço.
Lavai o andarilho.
Talvez seja um fantasma,
talvez um demente.
E meus olhos, que o plasmam,
não podem vê-lo de frente.
Lavai o andarilho.
Talvez não possa segui-lo
porque se move num sonho.
Ah, vou cercar-me de espelhos.
Assim, talvez possa vê-lo
vagando em meu lado estranho.
DESMENTIDO
("Ocidentais", 1987)
Alguém me reconhece num retrato de menino.
Não sou eu: é minha antiga paz.
A história de um homem é sua pista falsa:
estudam meus sonhos, meus passos, meus mapas
e dizem quem sou inutilmente.
Inutilmente.
Porque sou sempre o que vem pelo atalho.
UM VÃO DO DESTINO
("Mirantes", 2012)
A Washington Queiroz
Nas brenhas do ser me abismo,
confins do sonho, penhascos
velados por cães famintos.
Sou o parente mais drástico
do Grande-Enorme-Empecilho.
E me exibo em pedaços.
Quando abro, irado, a boca
ao sul dos Tristes Abrigos,
o espectador vê lá dentro
quatro infernos, dez ventos, uma rádio
pirata
e cento e cinco homicidas.
Quando abro a boca, ladram
o Quase, a Coisa, o Bandido.
BOAVENTURA, Idmar. Dissonâncias diante do espelho: o lugar do sujeito na poética de a alta modernidade. Feira de Santana, BA: UEFS Editora, 2011. 186 p. 15x21 cm. Texto centrado na obra do poeta Roberval Pereyr. ISBN 978-85-99799-18-5 “ Idmar Boaventura “ Ex. bibl. Antonio Miranda
FADO
Toda vida é mesmo uma tragédia:
ou estou morrendo alheio a mim
ou estou no rio e este me leva.
Em momento algum me compreendo:
se estou alheio não me enxergo
se estou em mim não me transcendo.
Que seria mesmo transcender-me?
Uma outra forma de alhear-me
nas montanhas íngremes do medo?
Toda a vida, enfim, é uma tragédia:
ou estou morrendo alheio a mim
ou estou no rio e este me leva.
TEXTOS EN ESPAÑOL
EL VAGABUNDO
("Nas praias do avesso", 2004)
Allá va el vagabundo.
Quizá sea un pordiosero,
quizá un payaso;
y entre un padre y un hijo
se mueve atado a un lazo.
Allá va el vagabundo.
Quizá sea un fantasma,
quizá un demente.
Mi vista, que lo plasma,
no puede verlo de frente.
Allá va el vagabundo.
Quizá no pueda seguirlo
porque se mueve en un sueño.
Ah, voy a rodearme de espejos.
Así tal vez pueda verlo
vagando en mi lado extraño
DESMENTIDO
("Ocidentais", 1987)
Alguien me reconoce en un retrato infantil.
No soy yo: es mi antigua paz.
La historia de un hombre es su pista falsa:
estudian mis sueños, mis pasos, mis mapas
y dicen quién soy inútilmente.
Inútilmente.
Porque soy siempre el que viene por el atajo.
UN HUECO DEL DESTINO
("Mirantes", 2012)
A Washington Queiroz
Me hundo en las breñas del ser
lindes del sueño, peñascos
que ávidos perros vigilan.
Soy el pariente más drástico
del Enorme-Gran-Estorbo.
Y me exhibo hecho pedazos.
Cuando abro, airado, la boca
al sur de Tristes Abrigos,
el espectador ve allá adentro
cuatro infiernos, diez vientos, una radio
pirata
y ciento cinco homicidas.
Cuando abro la boca, ladran
la Cosa, el Casi, el Bandido.
TEXTS IN ENGLISH
THE WANDERER
("Nas praias do avesso", 2004)
There goes the wanderer.
Maybe a beggar,
maybe a clown;
and between a father and a son
he moves bound by a lasso.
There goes the wanderer.
Maybe it's a ghost,
maybe a madman.
And my eyes, which shape him,
cannot see him from the front.
There goes the wanderer.
Perhaps I cannot follow him
because he moves in a dream.
Oh, I will surround myself with mirrors.
So maybe I can see him
wandering in my strange side.
DENIAL
("Ocidentais", 1987)
Someone recognizes me in the portrait of a boy.
It is not me: it is my former peace.
The story of a man is his red herring:
they study my dreams, my steps, my maps
and say who I am, in vain.
In vain.
Because I am always coming down the path.
A SPAN OF DESTINY
("Mirantes", 2012)
For Washington Queiroz
In the thickets of being I am in awe,
the ends of dreams, cliffs
guarded by famished dogs.
I am the most drastic relation
of the Big-Huge-Hindrance.
I display myself in pieces.
When I open, angry, my mouth
south of those Sad Shelters,
the viewer sees inside
four infernos, ten winds, a radio station —
pirate —
and one hundred and five murderers.
When I open my mouth, there they are barking
the Quasi, the Thing, the Bandit.
Imagem enviada por José Inácio Vieira de Melo, dezembro 2013
NEW BRAZILIAN POEMS. A bilingual anthology after Elizabeth Bishop.
Translated & edited by Abhay K.. Preface by J. Sadlíer. Rio de Janeiro:
Ibis Libris, 2019. 128 p. 16 x 23 cm. ISBN 978-85-7823-326-6
Includes 60 poets in Portuguese and English Ex. bibl. Antonio Miranda
CONVITE
Se vieres ao templo
me verás despido
sem nenhum sentido,
sem altar, sentado
só, comodamente,
manso como as feras
saciadas.
INVITATION
If you come to the temple
you will see me Naked
without any sense
without altar, sitting
just, confortably,
meek as th beasts
satiated.
*
Página ampliada e republicada em abril de 2022
Página publicada em junho 2007. Ampliada e republicado em 2014.
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