Foto: www.editorapenalux.com.br
RANIERI RIBAS
Nasceu em 1977 em Barreiras, Bahia, vive no Piauí. Autor de O cactos de Lakatus (2003) e Modo obnóxio (2004).
Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Piauí (1998). Mestre em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (2002). Professor-adjunto da Universidade Federal do Piauí. É pesquisador na área de Antropologia Filosófica, Biofilosofia, Humanismo e Teoria Política do século XX.
Doutorando em Filosofia pela Universidade de São Paulo, mestre em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro. Publicou os livros de poemas Aos Renovos da Erva (Mondrongo, 2018) e Fenda é seu terceiro livro de poemas.
POESIA SEMPRE - Número 33 – Ano 17 / 2010. Hungria e Índice Geral. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2010. 320 p; 17,5 x 25,5 cm. Editor: Marco Lucchesi. ISSN 9770104062006 Ex. bibl. Antonio Miranda.
XVI
Do rubro chão fende a raiz e a pedra
Como se a terra parisse ervas danosas
Em cada cascalho o grão revive a rocha
De sombra e aguarrás revolta.
Não saber dela quando desgarra a
L ngula do arado que a arrenega
Fá-la estrume de cervos e éguas
Fa-los glabros para que morram ao mata-pasto
Toma — arma bifronte a ferradura
E fere a terra em quatricasco
Arranca até a raiz
Do oleiro em paz com seu nascente jarro
Toma o barro em feltro e lioz ruído
E derrua o canto em mudo ritmo
Toma que agora é outubro.
Em outubro os eucaliptos desnudos
Espraiam as folhas ao chão
E a brancura do dorso exposto
Aos sóis deste agreste verão
E como o tronco branco
Que à planície estiola
E despe os braços do
E todo se torcicola.
XVIII
aprendei da pedra
a prece perene, a espera
aprendei dela a contemplação
do Sol, o sílex, Pedras-de-fogo
aprendei a erosão do áspero
a irrupção da vida a fender
a flor saxífraga
contra a lascívia erosiva das vagas
aprendei da pedra
a rude ciência da rigidez
o resguardo de ventre terra adentro
o desponte pontiagudo ante o cume do relevo
aprendei da pedra
não o que o tempo lhe dera ou perdera
mas a ônoma e a cantera
rocha ardósia granito
petróleo, fóssil e carvão
aprendei o puir, o esmeril
a inscrição em epigrama
a oração e a perora e ora então aprendei
a lírica lavra de alcantil
aprendei com ela o calcário algarvio
o parir de negros poliedros
grafito, mica e cascalho
aprendei a litografia, o cálculo, a rima pétrea
das pedras aprendei o recalcitrar em rocha e calhau
e ter consigo o ofício de ruir-se com paciência
aprendei da pedra a lápide a ágata o adobo
nas catedrais que Simão viu profanadas
e de Simão fizeste a pedra das prostitutas apupadas
e com as pedras enterrastes a âncora e o arpor
xx
Urna deserta.
A rés do chão caminhas
Ouço-te o chamado.
E ele sibila.
Sílabas em V Sons sagrados
Mudo deserto sem hespéride
Somente o rumor das mortalhas que rasgam
Nuvens no azul
Urna deserta.
Os mortos como cactos
Medrados ante a fúria infusa da luz solar.
São todos cegos
Um rio ali é vereda de barro.
Um rio ali é destreza e precisão no nada
Que a ti se avantaja nas milhas de passos além.
Por que és ermo, oh deserto em urnas de areia e sazão?
Por que não doas à terra o mel do magma que ocultas no ventre?
Por quê?
Por que desventras em silêncio a morte e o cascalho?
Por que apenas as farpas de frutos rudes doas?
De ti nada sabemos
Senão o gesto rústico de opúncia e esgar
De ti tenho apenas o matiz das buganvílias.
Página publicada em julho de 2019
|