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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

MARIA LÚCIA MARTINS

 

Baiana da região de Jequié. Licenciada em Filosofia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERj em 1976, especialista em Educação Matemática e Psicopedagogia  Clínica e Institucional,  é também autora de muitos livros de poesia: Espaço perplexo (RJ, 1985), Entre medos, brinquedos (RJ, 1993), Tempo indômito (RJ, 1990).

 

O melhor da poesia de Maria Lúcia Martins é o sopro de emoções generosas que, quando consegue formular com economia e intensidade, nos envolve e nos encanta. Nessas ocasiões revela-se a poeta que ela é.    Ferreira Gullar

 

Maria Lúcia Martins é uma dádiva. Ela pratica um lirismo que parece fácil, desgastado em outros, mas nela é autêntico, vívido, convincente, emocionante. Leve a partir da matéria densa e grave, sutil sobre elementos tão deterministas da condição humana, e da mulher. Solidão e compartilhamento, discreto e pungente.

Antonio Miranda

 

 

A seguir, a 2ª. versão de um poema enviado pela autora para o nosso Portal: 

 

 

Quando a lua vaza

                            

                                               

                                                   Maria Lúcia Martins

 

Quando a lua vaza,

a noite – enciumada de tão leve clara-idade

 – se alarga, engrossa e toda se encrespa

por cegar a lua.

 

Quando a lua vaza,

a noite (efêmera rainha) morde a própria cauda

negra, temendo o brilho mesmo de estrelas

há milênios mortas.

 

Quando a lua vaza,

entanto, o coração dos homens limpos chora.

Chora de ternura pelo vazio nada. Nada, 

único bem eterno.

 

 

Nova Friburgo, Parque da Magnólias, 25 de junho de 2011

 

 


De

A CONDIÇÃO DE PÉGASO

Salvador, 2002

 

 

AUSÊNCIA

 

Este meu jeito estranho

de olhar dentro de mim

e não passar nenhum encanto ao Téo,

 

este meu jeito canhoto

de estranhar o mar, o ar, o quarto,

e o nó, à garganta, travado

ao elevador,

 

dá-me a esperança de que nem tudo

é meu desajeito: é tua ausência mesmo,

refletida na curva do caminho

onde costumavas me esperar.

 

***

 

PARA ALÉM DE NÓS

 

         a Ruy Duarte de Carvalho

 

Para além de nós... Uma janela aberta

para o mundo. Nele, tudo que está.

Minha conivência com a paisagem

         esvaída do não-descoberto.

 

“Para além...” certamente é muito longe

de olhos de ver, de ouvidos de escutar.

(Diga, apenas — depois — em sussurro).

 

Para além... certamente é distante,

e o viver tão incerto. (Diga, apenas

— talvez — em voz mansa, não afirme).

 

Para além de nós: não, não posso dizer

assim. Que um homem “é estar aqui e agora,

         cada qual no seu tempo”.

 

***

 

                     ESPAÇO PERPLEXO

                           

                            a Paulo Martins

 

                   Por ter vivido densa infância

                   (medo de almas, de lobisomens)

                   sob o horizonte de cores imprecisas,

                   fiquei cravado ao chão

                                               dourado

                   das folhas da amendoeira.

 

                   Por ter negado ao outro o domínio

                   aliciante, olhos escancarados,

                   necessitei não ver. Debati-me, às cegas,

                   com fantasmas vivos e me atropelei

                   nas quinas do mundo. Entre escombros

                   de castelos e ciúmes reinaram as

                                               sombras.

 

                   Por ter sentido muito mais que

                                               compreendido

                   e a angústia fosse a face gêmea

                   da minha alegria, a minha fala

                   e meu canto: a mesma voz do que

                                               sou silenciado.

 

                   Por ter continuado a caminhada

                   — quintal do pensamento —

                   faço a espiral que é meu caminho.

                   Contradição: jamais sabendo

                   para que lado gira — me orienta,

                   entre o que sou e o meu desejo.

                   Perplexo ante a condição

                   do humano — habitante e estrangeiro —

                   a cada vez que me assassino, retorno

                   à criança, condição de espanto.

 

***

 

 

NENHUM ESQUECIMENTO

 

As coisas, a casa (e sua trama

simples, bela), nada conta.

E mesmo a alegria da brisa

nada consegue animar.

 

         Entanto, no oco dessa ausência,

tudo confirma que estiveste aqui.

         Não por existir uma foto,

alguma prenda ou a tua

voz gravada.

 

Somente, quieto, o meu pensamento

acusa um certo bem, um certo encanto

de alma lavada e de nenhum esquecimento.

 

 

 

                     GOIABAS BRANCAS

 

                   Raízes se retorcem (imitam cobras)

                                                        cravadas no chão.

                   A copa faz a filigrana: os vazados verdes

                   das folhas, geometria dos galhos.

 

                   O sol, artesão diário, confere as goiabas

                   pelo cheiro (a polpa e o branco da casca).

 

                   Mil passarinhos bicam o verão

                                                        da goiabeira

                   e gritam, fartos, de mesmo alvoroço:

                   “Já é-vem, já é-vem, já é-vem...”

Querem apagar o sono da terra.

 

A noite se abre aos mistérios.

                   As ninfas (árvores de fartos cabelos

                   negros) se enfeitam de jóias de prata

                                                        — goiabas brancas —

                   enquanto se vestem de toda lua.

 

 

 

POESIA SEMPRE. Número 29.  Ano 15.  No. 29. 2008.  Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional,  2008.   ISSN 0104-0626 -   Editor: Marco Lucchesi. ISSN 0104-0626.  Ex. bibl. Antonio Miranda

 

 

                Intervalo

 

        Intervalo, desistência
         — diria ao meu homem —
         marcá-la entre o sexo e sonho,
         entre a mulher e a menina.

         Todo intervalo é infinito
         entre um traço e o que se finda.
         Incontáveis cicatrizes,
         tempo de gozo e destino.

         Qu´alma, sumo e sede de tua
         vida, me espelhe, à face clara
         de um lago, inda assim, sinto
         a desistência no tempo

         — tão desvelada — intervalo,
         por conquistas de silêncio
         e águas do mais profundo.

 

 

         Vestígios do tempo

 

        Pensar o tempo ou não pensa-lo,
         não passa de mesma emboscada.
         Viagem cega, espaços vagos,
         a condição de mente herdada.

         Tempo, traço branco no branco,
         sexo de deus, signo sem letra,
         sílaba esquecida do sonho
         — sempre do outro — sem quando,

         vagido amorfo dos homens.
         Tempo, vasto virtual vestígio
         de ego presunçoso, cravando
         rugas que sem cessar carpimos.

         Tempo, lapso entre vida e morte,
         sinal sem lume — arrancado
         à falta — forja o gozo do poeta.

 

 

         Parte maior que o todo

 

        Se escutares do poeta (o mestre)
        “A vida é menor que a soma de tuas solidões”,
        não apresses tua flébil matemática:
        — Insano! O todo é sempre maior que a parte.

        A lua me caminha plena.
        Ao vento no carvalho, aparecem,
        desaparecem (ao mesmo acaso que
        a temida hiena, há mil anos.

        me apodrece) formas e fendas
        do alfabeto luna. Em mim — velho pastor
        de cabras, pesado de pecados — rompe a pele
        e escreve a crença desventurada: vida é

        palavra vaga, puro cisma.
        Infindas vezes, hospeda (cruel
        ou bela), parte maior que o todo.
 
       

 

 

Página publicada em fevereiro de 2008; página ampliada e republicada em junho de 2011. Ampliada em setembro de 2018.

 



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