MARIA DA CONCEIÇÃO PARANHOS
Baiana de Salvador, a poeta Maria da Conceição Paranhos publica desde o final dos anos 60, tanto em edições solo como participante de coletâneas. Em 1969, ela conquistou o prêmio Arthur Salles com seu livro de estréia em poesia, Chão Circular. Formada em letras, é doutora em teoria da literatura e também escreve ensaios e contos.
Em 1967, ao lado de nomes como Myriam Fraga, Ruy Espinheira Filho, Antonio Brasileiro e Florisvaldo Mattos, participou da antologia Moderna Poesia Bahiana (sic), publicada pelas Edições Tempo Brasileiro.
Maria da Conceição desenvolve um lirismo centrado na reflexão sobre a vida, o passar do tempo os acidentes do amor, a insônia, a convivência difícil. Em cada passo a poeta reencontra no ser a embargada "sede de voar", revelada pela poeta em "Ilha Iluminada". Carlos Machado
Veja outros poemas da autora em: http://www.algumapoesia.com.br/poesia2/poesianet111.htm
Quatro sonetos cardinais
1.
Rosa e ouro se mesclam no teu sexo,
tão gaia espera, confundindo a busca
da flor cilíndrica que tens no púbis.
Quanto me atinges, seta no meu peito?
Colho teu sumo em corpo tão trançado
ao teu enlevo, que me rouba o fôlego,
enquanto o brilho dos teus olhos sádicos
esmaga minha boca a insano sorvo.
Tento dizer-te do tremor da casa,
mas só entendes do ganir do lobo
em minha toca a estertorar de gozo,
a trucidar-me com tua adaga em chama,
menos espero, e já me emborcas, louco.
O meu deleite a ti te adentra. Amas?
2.
Mor ventura não há neste meu fado
do que mirar teu corpo e usufruí-lo,
pausadamente, a mão a desvesti-lo,
saboreando teu olhar de dardos,
enquanto sofres com meu gesto lento –
ânsia mortal qual susto em punho destro,
mas à sinistra teço-te uma festa,
deslizando sussurros no teu peito.
Levo tua mão a cada poro intacto:
recobras-me novel e me entrelaças
com vendaval de sons em presto tato.
Cobra no bote, tuas coxas presas,
enrodilhado em meus joelhos altos,
danças e lanças seta no meu alvo.
3.
Quero teu corpo quanto quero à chave
retorcer-se em estreita fechadura.
Quando tu tranças tua pele tersa,
exibes nervo e músculo, arma-dura.
Que me estarreces! Miro, deslumbrada,
a ruga tesa e tensa da procura
do rego rijo onde te largas, ávido,
galopando as campinas da luxúria.
Dorso e penugem vejo-te. E revejo
o teu espelho, que a memória é falha.
Teu desatino encontro, meu amigo,
gesto lúbrico, inchado de desejo,
e, sábia mão, tu me abres como a livro
inda não lido, prenhe de tuas marcas.
4.
Teu dormir só suscita meu desejo,
pois eu, então, vejo tua chama insone –
corcel insano em desandado trote,
que me galope enquanto ainda sonho
com toda a lava que nos cobre e me arde
em fronha de cetim que se entreabre
ao corpo túrgido, encerrado, dentro,
rasgando a pele – em gana transformado,
rugindo rouquidão. Mucosa ávida,
escancarando-se a teu beijo álacre,
cortante gládio a lacerar-me o gáudio.
Com lassa boca, plena de alvoradas,
eu te derroto quando, exausto, tombas,
e eu te profano com meu terno afago.
(Maria da Conceição Paranhos. De As Esporas do Tempo. Salvador: Fundação Casa de Jorge Amado / COPENE, 1996. Prêmio COPENE de Cultura e Arte)
ROSA VIOLADA
A minha dor não vive em minha casa,
mas num jardim de séculos correndo
em seu tropel mordaz. O tempo abrasa,
e o engenho desta hora vai sofrendo.
Das avenidas largas na cidade,
os carros atravessam linha torta —
cavaleiros em motos, sem idade
vieram me abordar em minha porta.
Um levou-me o relógio. Outro o anel.
O meu cordão de ouro se partiu.
E o quarto bandoleiro me sorriu
ao ter o meu olhar dentro do seu.
Sacou da cinta arma enrubescida.
Beijou-a. Deu-me a rosa e a minha vida.
Salvador, Bahia, 2004
BREVE ROMANCEIRO DO NATAL no ano de mil novecentos e setenta e dois do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo. Salvador: Editora Beneditina Ltda, 1972. ilus. s.p. 22,5x 30 cm. Ex. bibl. Antonio Miranda.
NATAL
I
Vieram magos reis
de reinos magos.
As vestes, votos
ao nascido.
Construíam de si
presépio.
"Ó de casa, nobre gente!...
Despertai e ouvireis
Que de parte do oriente
São chegados os três reis."
De que Oriente são chegados?
(De longe, a pastora olhava o paço).
O largo espera
o menino esperado.
Em cada porta
manjedoura se prepara,
cresce o presépio na sala.
II
De assombro vão vestidos,
lantejoula,
o ritmo leva os pés.
Pastoras prenhas
pastoreiam nascituros
germinados no asfalto.
correm caminhos
de pedras redondas,
ondas de corpos
na praça.
Cada braço agora
manjedoura nova
para ventre pressagos.
É vera chegança,
louvação do infante.
III
Sons andarilham alas,
o menino nato.
E o menino não tem
cachos azuis
e o menino não tem
a loura pele
(A pastora vigia da vidraça).
Os beiços rezam canto,
hora de guerra e dança.
Presépio composto
em salto.
IV
O presépio anda nas ruas,
o menino escolhe
manjedoura humana.
(A pastoura louca de amor na praça).
A raça dos pastores
acredita nos milagres,
empunha estandartes —
maga estrela bordada.
Oferenda de Reis
são demudadas:
vazio de mão,
ofertam existir
em ato.
As fantasias nunca usadas —
de inesgotáveis.
O menino desta vez,
afro,
afilhado do negro Baltasar.
Poesia mística - religiosa - cristã - Natal
P�gina ampliada e republicada em setembro de 2019
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