Fotografia de Angela Dortas
MARCO VALENÇA
Marco Antonio Valença Franco é natural de Niterói, Rio de Janeiro (1956), vivendo em Salvador, Bahia, desde 1984. Poeta, compositor-letrista e produtor artístico, reúne experiências nas áreas de jornalismo, publicidade, televisão, discos, espetáculos, criação, execução e análise de projetos culturais.
Publicou os livros (até 2003) Faca de Ponta (1976), Coração da Pedra (1979) e Rabo de Lagartixa (1982).
VALENÇA, Marco. por todos os poros. Salvador, BA: Secretaria de Cultura e Turismo, Fundação Cultural do Estado, 2003. 50 p. 14,5x21 cm. (Coleção Selo Editorial Letras da Bahia, 96) ISBN 85-7505-080-X Capa: Sérgio Tavares. Ilustração: Valdir Rente. Ex. bibl. Antonio Miranda
"Marco, obrigado pela revelação de um talento para mim insuspeitado. É poesia forte, sensível e sem dúvida que esse clima te augura uma bela carreira". MOACYR SCLIAR
"Sua poesia é feixe de ossos, uma coisa monolítica e toda ele e que me agrada terrivelmente. Não precisa de reparos ou recomendações, como nenhuma boa poesia vai precisar nunca." HERMÍNIO BELLO DE CARVALHO
PALAVRAS PALAVRAS
Pensar nas palavras:
o som de metal
exalado.
Batalha travada
o bom e o mau
emparelhados.
Pensar palavras:
um pulo de gato
no escuro.
Barulho de enxada
terra escalavrada
trem alucinado
percorrendo o mundo.
Pensar as palavras:
um susto calado.
Navalha.
SUSSURRANDO NA ORELHA
não é que eu queira
criar mais uma cratera na lua
nem fazer de uma favela
um lugar sem amargura,
não é que eu possa
mudar a rotação
e a gravidade da terra
ou transformar
girafa
em mosquito.
não é bem contar
o último segredo que resta
apesar da imprensa,
das inconfidências,
não é que eu vá
salvar coisa alguma
ou morrer amanhã de manhã
mas "eu te amo"
já é ótimo
para um fim de noite
e começo de conversa.
ACIDENTAL
quero a morte num tranquilo extremo
pois encarnei a vida da forma mais feroz
embora ninguém saiba.
afora isso, nunca entendi: natal
ficar tão triste sendo festa de aniversário;
a crueldade de desamar; filhos imperfeitos.
quero a companhia mais sincera
da mulher que amo e tudo
será tão fácil.
e nos últimos momentos
quero o amor puro e ignorante
que não mais tenta compreender
paixão, religiões, acidentes.
que não quer esclarecer
a própria morte e se entrega
à história da vida
com o desespero franco
e a lucidez
dos suicidas.
VERBO
às vezes
saudável e imprescindível
como tapa
no recém nascido.
às vezes
ato inútil
como barbear
um morto.
Página publicada em abril de 2017