POESIA BARROCA BRASILEIRA / PERÍODO COLONIAL
MANUEL BOTELHO DE OLIVEIRA
(1636-1711)
Manuel Botelho de Oliveira (Salvador BA, 1636 – 1711) cursou Direito na Universidade de Coimbra (Portugal). De volta ao Brasil, passou a exercer a advocacia; também foi vereador da Câmara de Salvador BA. Em 1694 tornou-se capitão-mor dos distritos de Papagaio, Rio do Peixe e Gameleira, cargo obtido em função de empréstimo de 22 mil cruzados para a criação da Casa da Moeda na Bahia. Em 1705 ocorreu em Lisboa (Portugal) a publicação de seu Música do Parnasso, o primeiro livro impresso de autor nascido no Brasil. Poeta barroco, Manuel Botelho de Oliveira conviveu com Gregório de Matos e versou sobre os temas correntes da poesia de seu tempo. No entanto, segundo o crítico Péricles Eugênio da Silva Ramos, “uma das composições da Música do Parnasso tem caráter diferente das demais: é a silva 'À Ilha da Maré', gabada por seu nativismo, ou seja, pela exaltação dos frutos e legumes, que são colocados pelo poeta muito acima dos de Portugal. É composição por vezes sem grande tacto, mas deu origem a uma fila de trabalhos me-ufanistas, de Santa Maria Itaparica a Santa Rita Durão.”.
Fonte: www.astormentas.com
OLIVEIRA, Manuel Botelho de. Música do Parnaso. Organização e estudo crítico Ivan Teixeira. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2005. ISBN 85-7480-312-X Edição fac-similar [1705-2005]. Capa dura. Prefácio: “A Poesia agua do engenheiro fidalgo”, por Manuel Botelho de Oliveira.
TEXTO EM PORTUGUÊS / TEXTO EN ESPAÑOL
A MORTE DO PADRE VIEIRA
Fostes, Vieira, engenho tão subido,
Tão singular, e tão avantajado,
Que nunca sereis mais de outro imitado
Bem que sejais de todos aplaudido.
Nas sacras Escrituras embebido,
Qual Agostinho, fostes celebrado;
Ele de África assombro venerado,
Vós da Europa portento esclarecido.
Morrestes; porém não; que ao mundo atroa
Vossa pena, que aplausos multiplica,
Com que de eterna vida vos coroa;
E quando imortalmente se publica,
Em cada rasgo seu a fama voa,
Em cada seu uma alma fica.
MÚSICA DO PARNASO (1705)
ANARDA INVOCADA
SONETO I
Invoco agora Anarda lastimado
Do venturoso, esquivo sentimento:
Que, quem motiva as ânsias do tormento,
É bem que explique as queixas do cuidado.
Melhor Musa será no verso amado,
Dando para favor do sábio intento
Por Hipocrene o lagrimoso alento,
E por louro o cabelo venerado.
Se a gentil formosura em seus primores
Toda ornada de flores se avalia,
Se tem como harmonia seus candores;
Bem se pode dar agora Anarda ímpia
A meu rude discurso cultas flores,
A meu plectro feliz doce harmonia.
(Música do Parnaso, I, p. 11-2)
[plectro= inspiração poética]
SONETO II
Anarda vê na estrela, que em piedoso
Vital influxo move amor querido,
Adverte no jasmim, que embranquecido
Cândida fé publica de amoroso.
Considera no sol, que luminoso
Ama o jardim de flores guarnecido;
Na rosa adverte, que em coral florido
De Vênus veste o nácar lastimoso.
Anarda pois, não queiras arrogante
Com desdém singular de rigorosa
As armas desprezar do deus triunfante:
Como de amor te livras poderosa,
Se em teu gesto florido e rutilante
És estrela, és jasmim, és sol, és rosa?
(Música do Parnaso, 1, p. 12)
PONDERAÇÃO DO ROSTO E OLHOS DE ANARDA
SONETO X
Quando vejo de Anarda o rosto amado,
Vejo ao céu e ao jardim ser parecido;
Porque no assombro do primor luzido
Tem o sol em seus olhos duplicado.
Nas faces considero equivocado
De açucenas e rosas o vestido;
Porque se vê nas faces reduzido
Todo o império de Flora venerado.
Nos olhos e nas faces mais galharda
Ao céu prefere quando inflama os raios,
E prefere ao jardim, se as flores guarda:
Enfim dando ao jardim e ao céu desmaios,
O céu ostenta um sol, dous sóis Anarda,
Um maio o jardim logra; ela dous maios.
(Música do Parnaso, 1, p. 18)
SONETO XII
Tejo formoso, teu rigor condeno,
Quando despojas altamente ímpio
Das lindas plantas o frondoso brio,
Dos férteis campos o tributo ameno.
Nas amorosas lágrimas, que ordeno,
Porque cresças em claro senhorio,
Corres ingrato ao lagrimoso rio,
Vás fugitivo com desdém sereno.
Oh como representa o desdenhoso
Da bela Anarda teu cristal ativo,
Neste e naquele efeito lastimoso!
Em ti vejo a Anarda, ó Tejo esquivo,
Se teu cristal se ostenta rigoroso,
Se teu cristal se mostra fugitivo.
(Música do Parnaso, 1, p. 19-20)
ANARDA ESCULPIDA NO CORAÇÃO LAGRIMOSO
SONETO XV
Quer esculpir artífice engenhoso
Uma estátua de bronze fabricada,
Da natureza forma equivocada,
Da natureza imitador famoso.
No rigor do elemento luminoso,
(Contra as idades sendo eternizada)
Para esculpir a estátua imaginada,
Logo derrete o bronze lagrimoso.
Assim também no doce ardor que avivo,
Sendo artífice o Amor, que me desvela,
Quando de Anarda faz retrato vivo;
Derrete o coração na imagem dela,
Derramando do peito o pranto esquivo,
Esculpindo de Anarda a estátua bela.
(Música do Parnaso, 1, p. 22)
ENCARECE A FINEZA DO SEU TORMENTO
SONETO XIX
Meu pensamento está favorecido,
Quando cuida de Anarda o logro amado;
Ele se vê nas glórias do cuidado,
Eu me vejo nas penas do sentido.
Ele alcança o fermoso, eu o sofrido,
Ele presente vi9ve, eu retirado;
Eu no potro de um mal atormentado,
Ele no bem, que logra, presumido.
Do pensamento está muito ofendida
Minha alma, do tormento desejosa,
Porque em glória se vêm, bem que fingida:
Tão fina pois, que está por amorosa,
De um leve pensamento arrependida,
De um vão contentamento escrupulosa.
(Música do Parnaso, 1, p. 25)
A VIDA SOLITÁRIA
SONETO IX
Que doce vida, que gentil ventura,
Que bem suave, que descanso eterno,
Da paz armado, livre do governo,
Se logra alegre, firme se assegura!
Mal não molesta, foge a desventura,
Na primavera alegre, ou duro inverno,
Muito perto do céu, longe do inferno,
O tempo passa, o passatempo atura.
A riqueza não quer, de honra não trata,
Quieta a vida, firme o pensamento,
Sem temer da fortuna a fúria ingrata:
Porém atento ao rio, ao bosque atento,
Tem por riqueza igual do rio a prata,
Por aura honrosa tem do bosque o vento.
(Música do Parnaso, 1, p. 71-72)
A UM ILUSTRE EDIFÍCIO DE COLUNAS E ARCOS
SONETO XVII
Essa de ilustre máquina beleza,
Que o tempo goza, e contra o tempo atura;
É soberbo primor de arquitetura,
É pródigo milagre da grandeza.
Fadiga de arte foi, que a Natureza
Inveja de seus brios mal segura;
E cada pedra, que nos arcos dura,
É língua muda da fatal empresa.
Não teme da fortuna os vários cortes,
Nem do tempo os discursos por errantes,
Arma-se firme contra as leis das sortes.
(Música do Parnaso, 1, p. 19-20)
OLIVEIRA, Manuel Botelho de. Poesia completa: Música do Parnaso. Lira sacra. Introdução, organização e fixação de texto Adma Muhana. São Paulo: Martins Fontes, 2005. 401 p. 12,5x18,5 cm. ISBN 85-336-2209-0 “Manuel Botelho de Oliveira” Ex. bibl. Antonio Miranda
QUE HÁ DE SER O AMOR UM SÓ
Redondilhas
Uma alma do abrasador
Frecheiro é gloriosa palma;
Quem pois sacrifica úa alma,
Deve adorar um Amor.
Rende Amor por majestade
Do entender a excelência,
Da memória a persistência,
A inclinação da vontade.
Prendem belas sujeições
O coração nos ardores;
Quem pois cria dois amores,
Há mister dois corações.
Inconstante há de lograr
Dois fogos, por mais que anele:
Pois quando cuida naquele.
Neste já deixa de amar.
Inteiro amante não é,
Que no florido primor,
Partida a flor, não é flor,
Partida a fé, não é fé.
Amor é Sol no sujeito
Que belos incêndios cria;
E se brilha um Sol no dia,
Um amor brilhe no peito.
Veneno amor é julgado;
Mate pois, quando o condeno,
Se um veneno, outro veneno,
Um cuidado, outro cuidado.
Há de ser no coração
Um, ou outro emprego belo,
Agrado sim, não desvelo,
Faísca sim, chama não.
Venero enfim, se avalio
Entre muitos um desejo,
Muitas damas no cortejo,
Úa Anarda no alvedrio.
[Música do Parnaso]
Imagem extraída de
DIAS-PINO, Wlademir. A lisa escolha do carinho (Rio de Janeiro: Edição Europa, s.d.
20,5x20,5 cm. 33 f. ilustradas (Coleção Enciclopédia Visual). Inclui versos de
poetas brasileiros
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TEXTO EN ESPAÑOL
MANUEL BOTELHO DE OLIVEIRA
(1636-1711)
PONDERACIÓN DEL ROSTRO Y OJOS DE ANARDA
Cuando veo de Anarda el rostro amado,
veo el cielo al jardín ser parecido
que en el asombro del primor lucido
el sol tiene en sus ojos duplicado.
En los rostros yo juzgo equivocado
de azucenas y rosas el vestido;
porque se ve en los rostros reducidos
todo el reino de Flora venerado.
En los ojos y rostros más gallarda
prefiere al cielo cuando enciende rayos
y prefiere al jardín si flores guarda:
Dando a cielo y jardín, en fin desmayos,
el cielo ostenta un sol, mas dos Anarda,
un mayo el jardín logra; ella dos mayos.
Extraído de CUATRO SIGLOS DE POESÍA BRASILEÑA. Introducción, Traducción y Notas de Jaime Tello. Caracas: Centro Abreu e Lima de Estudios Brasileños; Insituto de Altos Estudios de América Latina; Universidad Simón Bolívar, 1983
(Música do Parnaso)
LIVRO DOS POEMAS. LIVRO DOS SONETOS. LIVRO DO CORPO. LIVRO DOS DESAFOROS. LIVRO DAS CORTESÃES. LIVRO DOS BICHOS.. Org. Sergio Faraco. Porto Alegre: L.P. & M., 2009. 624 p ISBN 978-85-254-1839-5 Ex. bibl. Antonio Miranda
Poema extraído da seção "Livro dos desaforos":
AOS MAUS JUÍZES
Que julgas, ó Ministro da Justiça?
Por que fazes das leis arbítrio errado?
Cuidas que das sentenças sem pecado,
sendo que algum respeito mais te atiça,
por obrar os enganos da Justiça?
Bem que teu peito vive confiado,
o entendimento tens todo arrastado
por amor, ou por ódio, ou por cobiça.
Se tens amor, julgaste os que te manda;
se tens ódio, no inferno tens o pleito;
se tens cobiça, é bárbara e execranda.
Oh, miséria fatal de todo feito!
Que não basta o direito da demanda,
se o julgador te nega esse direito...
*
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http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/bahia/bahia.html
Página ampliada e republicada em agosto de 2022
Página publicada em abril de 2008, ampliada e republicada em junho de 2009 |