RIO DO OURO
De um lado e de outro
serras, montanhas, despenhadeiros
alcantilados e majestosos;
bocainas, cortes e grupiaras;
rochas erguidas como castelos
de parapeitos intransponíveis,
pedras chanfradas,
pedras talhadas
nuas, gritantes
na rigidez das arestas,
na acuidade dos vértices
múltiplos, multimodos, fatais...
lembrando, aquelas, gumes de alfanges
e êsses lembrando, claros, faiscantes,
pontas agudas de punhais;
pedras vestidas de limo e líquen
e outras, de musgos, de formas, cores
variegadas e caprichosas;
flores singelas, multifárias, perfumosas
e um verde imenso, forte, vibrante,
palpita em tudo e ao sol cintila...
parece mesmo que o chão, que a terra,
também tem vida de clorofila.
E entre isso tudo corre, sonoro,
plácido, quérulo, transparente,
de águas douradas como um tesouro
sôbre pedrinhas e areias fulvas,
o rio do Ouro!
Rio do Ouro!
quanta história na tua história!
Quanta riqueza desconhecida!
Quanta beleza incompreendida
no teu correr, na tua vida!...
Quantas vezes, ó rio amigo,
não deste beijos longos, silentes,
nos seios virgens, rijos, ardentes,
das mais belas virgens paiaiases!
E quantas vezes as tuas águas,
sob os luares, marulhantes,
não escutaram a endecha, as mágoas,
as nostalgias dos bandeirantes!...
Tempos distantes, muito distantes...
quando o Brasil era pequeno,
se é que pequenos nascem os gigantes.
E quantas vezes não contemplaste
o garimpeiro cheio de sonhos,
dorso vergado, suando, luzindo,
sob a adustão do sol de estio...
braços hercúleos, pernas retesas
no jigajoga quotidiano
dos carumbés e das bateias...
o garimpeiro audaz, vindo de longe
para rasgar o coração da terra,
arrancando a ganga, do cascalho,
ouro a granel, ouro a mancheias!
Tempos distantes... tudo morreu!
Só tu ficaste, cantando sempre,
gemendo sempre,
como se fôsse a alma do passado
que arrastasse sobre areias.
Rio do Ouro!
Passas correndo,
corres rolando,
rolas levando
mais de trezentos anos de labor
e as bagas de suor de muitas gerações
vertidas no teu seio,
e os sorrisos e os sonhos e as riquezas.
e as lágrimas, quem sabe?
Choradas sobre ti, murmuro veio!
Tudo... tudo morreu!
E tu sempre a cantar!
E tu sempre a correr!
Calmo, doce, tranquilo, no verão;
borbulhante, a gemer, nas trovoadas;
no mato, entre pedreiras e montanhas,
na cidade, ao vozear dos aguaceiros,
das lavadeiras,
entre o cimento das balaustradas.
Rio do Ouro!
És humilde e pequenino...
Rio menino que brinca com os meninos...
mas tens toda a grandeza deste mundo!
E se não tens o relevo que mereces,
é somente porque
não tens perau, arrecife, nem esconso,
nem pororocas, nem vitórias-régias,
nem cachoeiras de Paulo Afonso!
Mas eu gosto de ti, porque, além de tudo mais,
tu me enches as horas de cismar,
e porque, sem seres poeta, rio do Ouro!
sabes gemer, sabes cantar.