LEOPOLDO BRAGA
LEOPOLDO BRAGA nasceu na Bahia, a 1° de março de 1904. Bacharel em Direito advogado da Prefeitura do Distrito Federal. Prosador e poeta, jornalista.
Detentor do primeiro prêmio de um concurso de sonetos recentemente instituído pela "Ilustração Brasileira", e a que concorreram poetas de todos os Estados. Pertence à Academia de Letras da Bahia, de que é delegado junto à Federação das Academias de Letras do Brasil.
Bibliografia: — "A Justiça e à Opinião Pública" (estudo e discussão de um caso forense); "O Homem nas Relações Internacionais" (tese de concurso); "Crise Contemporânea dos Mandatos Coloniais"; "A Declaração de Guerra e o Conflito do Estremo Oriente"; "Desde a minha Classe..." (notas, excertos e documentos de um arquivo); "Ontem" (sonetos), 1940; e "Ressurreição" (versos), 1947.
REZENDE, Edgar. O Brasil que os poetas cantam. 2ª ed. revista e comentada. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1958. 460 p. 15 x 23 cm. Capa dura. Ex. bibl. Antonio Miranda
VIAJANDO
Madrugada de junho. O trem, correndo, em viagem,
Planícies, chapadões e caatingas devassa.
Contemplativo, a ver através da vidraça,
Cismo, perdido o olhar nos longes da paisagem.
Faz frio. A natureza, apática e selvagem,
Como que se espreguiça, estremunhada e baça.
A névoa, em flocos, no ar, é uma tênue fumaça
Que, aos poucos, se dilui sobre a crespa folhagem.
Altos cerros azuis recortam-se no fundo
Do horizonte, que a luz gloriosamente invade,
Preludiando o nascer do sol morno e fecundo.
Silva a locomotiva, estrídula, arquejante,
Multiplicando, além, mil notas de saudade,
— Ecos de um grande adeus, que vai morrer distante!
("Ontem")
BUCOLISMO
Quantas loiras manhãs, quantas auroras
Vi despontar do cimo das colinas,
Ou a galopar, no verde das campinas,
Indiferente ao mundo e alheio às horas!
Quando aos flancos chegava-lhe as esporas,
Meu soberbo alazão de flavas crinas
Dilatava, aos relinchos, as narinas,
Como em risadas francas e sonoras!
Vida simples, feliz!... Os céus escampos,
Inundados da luz do Meio-Dia.
À noite, o luar, estrelas, pirilampos...
Linfas cantantes, ventos benfazejos,
E esta saudade, e esta melancolia
Que inspira os trovadores sertanejos!
II
Tudo estuando de seiva e liberdade!
— Aves álacres, de plumagens raras,
No céu. Na terra, espelhos de águas claras,
A refletir o azul da imensidade.
Moendas cantando o florescer das searas
Que irão matar a fome da cidade.
Longe, no espaço, a rubra claridade
Do fogo crepitante das coivaras!
Tarde. Copas frondosas, sussurrantes..
Carros de boi gemendo pela serra...
Ecos perdidos de canções distantes...
Silêncio... E a noite, cálida, descerra
O seu manto de rútilos diamantes
Sobre a paisagem lírica da serra.
(“Ontem”)
A QUEDA DO JACARANDÁ
Ereto e secular, o tronco não lhe oscila
Às raivas do tufão. Gigante da floresta,
Em seus ramos, cantando, o passaredo, em festa,
Enche de alegres tons a mata erma e tranquila.
Se a inclemência do sol dos trópicos lhe cresta
Da fronde colossal a verde clorofila,
Uma folhagem nova e densa vem vesti-la
Da cor que aos vegetais a primavera empresta.
Ei-lo, — o Jacarandá! Um dia, longo, afiado,
Fere-lhe a espessa crosta,
entra-lhe a fundo o cerne,
Impiedoso e brutal, o gume de um machado.
Em vão, resiste o herói à mão que o fere, ingrata,
E, sem que a raiva expanda ou a rude dor externe,
Rijo, rangendo, rui, no remanso da mata!
("Ontem")
Página publicada em dezembro de 2019 |