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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

JURACI DÓREA

 

Poeta e artista plástico.  Mora em Feira de Santana.

 

 

 

De
Juraci Dórea
NUANÇAS
Feira de Santana, BA:  Edições Cordel, 2004. 53 p ilud

Edição comemorativa dos 60 anos do poeta.

 

 

 

 

ENTRE AMIGOS

 

rifa-se duas máos de vidro

 

entre amigos

rifa-se a ilha e a névoa

 

entre amigos

rifa-se a estrela de babel

 

entre amigos

rifa-se a maca e o deserto

 

entre amigos

rifa-se o ângulo das horas.

 

 

 

ENREDO

 

Inútil é tentar conhecer o homem

sempre haverá um rosto (oculto)

a decompor o homem em trevas.

 

Pouco importa o jogo

a fantasia, a valsa:

 

o homem é o mesmo

 

e seu corpo dança

 

entre tormentas e máscaras.

 

E inútil tentar conhecer o homem

haverá sempre um lobo (oculto)

a devorar, do homem, o sopro,

a alma, os dentes.

 

 

 


HERA 1972-2005. Antonio Brasileiro et al.. organizadores. Salvador, BA: Fundação Pedro Calmón; Feira de Santana, UFES Editora, 2010. 712 p. fac-símile. ilus. (Memória da Literatura Baiana). ISBN 978-SS85-99799-14-7 Ex. bibl. Antonio Miranda

 

 

 

era tarde...

 

já não havia

( na Terra )

quem amor lhe desse

 

mas,

amor-amor,

subitamente sem asas,

para que não houvesse

regresso.

 

 

 

DIVAGAÇÕES 2

 

Nosso tempo é assim:

seco e compulsório.”

Antonio Brasileiro

 

 

 

O tempo perdeu-se de nós

por isso divagamos

ante-espaço.

 

Hoje

respiramos pelos calcanhares.

Nossos pulmões perdidos, olfato

perdemos

os nossos ideais.

Pequena plenitude saturada

a natureza

hoje de todos saturada.

 

E os radares prometem vingança.

 

 

 

CALAR

 

O cheiro do mar

pelos olhos do vento

me vence. Calado

e completo

na água.

 

E os meus pés são de seda

na areia impassível.

 

 

 

DOR

        a testemunha ampara-se no gradil
         e com um soluço simulado
         abre o caderno de filosofia

         nada entretanto apagará a mágoa
         que as açucenas trazem no pátio.

 

         O RETRATO E O INÚTIL         

        nos desvão de mim
         abre-se um pedregal.

         e por que não se abriria
        se as manhãs crescem em hordas?
         se nos muros da aldeia
         os carrosséis jazem inúteis?
         se no álbum de fotografias
         não há senão o esconso retrato?
         se a alquimia é vã?
         se o debuxo é simulado?
         se o poeta é inculto
         e amargo?

         nos desvãos de mim
         abre-se vasto e impenetrável pedregal.

 

        ENIGMA   

        se meus olhos sorvem
         todo o amargo já vivido
         me pergunto: que segredo?
         que segredo aqui guardado
         me desdobra a vida em quatro?

 

 

         JOGO DA VERDADE

  1. não me conte que o milagre é fútil
                         que a lâmina é torta
                     que o caminho é dúbio.

não me conte tantas mentiras.

conte-me, apenas, que o milagre é fútil.
                            que a lâmina é torta
                        que o caminho é dúbio.

  1. não me conte que a fábula é híbrida
                         que o dinheiro é falso
                         que a rainha é frívola.

 

não me conte tantas mentiras.

conte-me, apenas, que a fábula é híbrida
                              que o dinheiro é falso
                               que a rainha é frívola


HERA – (REVISTA HERA )  Dezembro 1992. Diretor e Ilustração: Antonio Brasileiro.  Feira de     Santana, Bahia: Edições Cordel, 1992.  25 p.   ISSN 00101-1065                         Ex. bibl. Antonio Miranda

 

                VALA

            
Ouve, senhora, esta voz
             este absurdo concerto
             este grito

             Contempla, com atenção
             o rosto do anjo sem rosto
             e espera

             Espera
             (mesmo que seja inútil)
             pois as ruas estão desertas
             e os bailarinos são cegos
             e obscenos


       IMPROVISO

      
a noite espalha seus cadernos
       e seus navios.

       Hinkfus vale-se da escuridão
       e vem recolher as beldroegas
       do meu jardim.

       no palco os atores improvisam
       inúteis canções de amor.

 


NO CIRCO

O ócio do trapézio
traz um brilho dúbio.

é por isso que nos dias de chuva
os animais recolhem-se às suas jaulas
e fingem não ver dos tridentes
a valsa sonolenta e alquebrada.

  

A FOLHA

da amendoeira
caiu ao meio do asfalto.
era mesmo uma folha
na sua solidão
no exemplo de seu signo verde.
a folha em trânsito e fruto
e ainda assim não pude ficar.
então
inclinei-me sobre sua boca
e procurei
desesperado com quem procura
dissolver-me na clorofila do último beijo.
a folha começou a rir
dos automóveis que passavam.


MARINHA II


como é manso aquele barco
acariciando o mar.

como é branco, longe e mastro.
como é pacífico (e atlântico).

como é branco aquele barco
debatendo-se no mar.


AGOSTO

agosto partido em oblongos

agosto que navega
o suor do zodíaco

agosto alado

agosto que desconhece
o tédio dos gafanhotos


QUADRADO

não há estrela mais ambígua
não há cantiga         nem elo
não há cor     não há métrica
não há cavaleiro  nem cavalo
não há porto       nem há luz       
não há princípio
não há discípulo
não há consolo
não há tampouco     respostas


PHANTASIA II

acaricio em vão e verso
cálidas cantigas
mentiras de amor e amiga.

alguém pensa em mim
como se eu fosse poeta.

me comovo
e penso em teu rosto dourado
como se aquele cata-vento
ainda pudesse levantar
o mando casarão da esquina.


TAPERA
à memória de meu avô

alegria domada
verde
verso de antiga infância

ermo vestido de chita no varal

asas rutilantes que se abraçam
sob a neblina
chão de telha-vã
avisos selas tridentes
adobes
sonhos que já não habitam
o cio dos girassóis


SLIDE 3

humano segredo e aventura
— silêncio !
 o poeta jaz sob os algodoeiros.


SLIDE 4

ao milharal:
as formigas tecem as âncoras da noite.


SLIDE 5

relampejou.

na caatinga
o sapo mais velho desata geometrias e dilúvios.


SLIDE 8

se não tens cachorro 
não contes com os gatos


SLIDE 11        

o sonâmbulo
é uma pergunta sonângula.

*


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Página publicada em junho 2011, ampliada em dezembro de 2018; ampliada em janeiro de 2019

 

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