Foto extraída de http://www.letras.ufmg.br/
JOSE CARLOS LIMEIRA
José Carlos Limeira Marinho Santos nasceu em Salvador-BA, no dia 1º de maio de 1951. Engenheiro (pela Universidade Santa Úrsula,. RJ) e poeta, assessor técnico da Universidade Estado da Bahia.
Fundador do GENS – Grupo de Escritores Negros de Salvador .
José Carlos Limeira faleceu em 12 de março de 2016. Além de traduzidos em vários idiomas, seus textos em prosa e poesia são objeto de teses e dissertações no Brasil e no exterior.
(De: Atabaques, 1983.):
Identidade
Houve um tempo em que
constava de sua carteira
o dado cor
na minha: pardaescuracabeloscarapinhados.
Diante de espelho, me pergunto
que faço com estes lábios grossos,
este nariz achatado?
Que faço com esta memória
de tantos grilhões,
destas crenças me lambendo as entranhas?
Será que não é demais ter o direito
de ser negro?
Causa espanto?
Pardaescura é o aspecto que vocês deram
à nossa história.
Morra de susto! Sou, vou sempre ser: NEGRO!
ENE, É, GÊ, ERRE, Ô.
Aqui, Ô!
Mais um negro
Sou um negro,
mais um,
destes que não aceitam,
como adjetivo a alma branca.
Sou um negro,
mais um,
consciente da nossa história,
que não se ilude com os heróis
que me forçam a aceitar.
Sou um negro,
mais um,
destes que não usariam henê no cabelo,
por não querer cabelos lisos.
Sou um negro,
mais um,
meio louco,
meio torto
esperando muitos outros
para engrossar o cordão,
e horrorizar de espanto,
este engodo imbecil,
a tal convencionada,
Democracia Racial.
(De: Quilombo de palavras: a literatura dos afrodescendentes):
Detalhe relevante
Tinha um ar correto, Uma postura coerente, Combinava o terno e a gravata Aspectos exteriores.
Revistaram-lhe a face, Currículo geral, Vida, fatos,
Quando repentinamente Por descuido próprio, Deixou que lhe percebessem Um lado da mente.
Foi preterido. Imperfeito por dentro, Positivamente, concluíram depois, ele não tinha alma branca.
Adiantamos dois poemas do livro:
CADERNOS NEGROS. Volume 23. Poemas Afro-Brasileiros. Organizadores: Esmeralda Ribeiro e Márcio Barbosa. Capa: Foto J.C. Santos. São Paulo: Quilombhoje, 2000. 120 p. 14 x 21 cm.
ISBN 85-87138-02-2 Inclui os poetas: Cristiane Sobral, Cuti, Elivelto Corrêa, Esmeralda Ribeiro, Fausto Antonio, Jamu Minka. Jonatas Conceição, José Carlos Limeira, Landé Onewale, Sidney de Paula Oliveira e Therezinha Tadeu.
Ex. bibl. Antonio Miranda
M A T A
Diante da tua presença
Sinto-me tragado inteiro, de forma intensa
Qual curumim buscando teto
Se a noite chega, densa
Sou todo intento
Buscando em ti minha negra
A toca, a taba, a oca
Descanso da caça, da lida, da roça
Suado, mergulho em teu riacho
Brinco em tua calma água
Bebo teu vinho de cachos
Desde a palma
Em uma contínua sede, sugo tua seiva
De negra clorofila trocada do verde
Na intimidade de tuas redes
Enrosco-me em teus cipós, nós e ramas
Donde antes do sono tecemos tramas
Daí me transformo em vento
E adentro tuas arestas
Atrevido em tuas frestas, sem drama ou atalhos
Caminhos nunca falhos, copas, folhas, galhos
Até o completo mergulho no mais doce igarapé
Onde bicho, carrapicho
Eternizo-me,
Moco, broto, solto, semente, caipora
Lenda
Animal dentro das fendas
Grotas e segredos
Curando-me de todos os medos
Invasor, sou teu grileiro
E somos juntos no escuro
Sobretudo
Oxigênio e Futuro
NÃO ESPEREM
Não esperem de mim
Um novo poema de protesto
De súbito virão outros versos
Que nada dirão de crianças descalças e mortas
Cheirando cola em cada esquina
Nem esperem que cite em rima
Os pobres babacas em espasmos, ataques
Que se sujam na própria merda
Depois de fumar crack
Não vou vomitar meu nojo
Pelo idiota pink da esquina
Que devora com olhos de invasor
A bunda da negra menina
Quero mesmo é toma um porre
De poesia, de rum, de gim
Para mostrar que o libertário
Mentiroso e poeta
Decidiu chegar ao fim
Página publicada em abril de 2020
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