JOÃO DE MORAES FILHO
(Salvador, 1977) é poeta, professor de literatura, gestor cultural, co-fundador da Casa de Barro Ações Culturais, onde coordena a Oficina de Investigação e Criação Literária Poesia Ouvida e o Caruru dos Sete Poetas. Em 2004,recebeu o Prêmio Braskem de Cultura e Arte para autores inéditos pela Fundação Casa de Jorge Amado, com o livro de poesia Pedro. Retorcida. Representa no Brasil o Festival
Internacional de Poesia de Cartagena de Índias, Colômbia e administra os blogs
"joaodemoraesfilho.blogspot.com" e "póesiaouvida".
Portuário
à Teresa Parias
Nada jamais continua
Tudo vai recomeçar.
Mario Quintana
Tudo faz do tempo criança,
sorrindo. Nada impera
ou recria por trás da janela.
Acreditar no tempo é colher jardins.
Tempo fechado nos olhos;
sobrevive ao fogo, corre
nos quintais e nada espera.
NESSE NINHO, NESSE NINHO TEM UM ANJO...
Verei, veremos, um dia,
Que a vida é vento...
E que somos cisco,
E que ninguém
Nos pega pelo bico...
Que só há ar em volta....
Nada além disso.
Mayrant Gallo
uma lata
resume a criança
esquecida sob o viaduto.
numa lata, um soluço
engasgado de quem sorri
escancarado e sem atenção
nessa rua chuvosa.
uma lata, estrume e criança.
escuta. Ela Chora.
chuva, pega essa criança
que parece uma careta.
brincadeira de ciranda
se refaz em lágrimas,
e chove. Ela chora, escuta.
uma lata esquecida sob o viaduto.
escancarada e sem atenção.
EM NOME DOS RAIOS
A Oya Balé
a chuva escorre.
leva canoas disfarçadas de palitos de fósforo
à esquina, por onde vai o canto do passeio.
deságua nas panelas suas melodias
caídas do telhado, batucando
um samba doido com os trovões.
chove. espelhos e santos
cobertos com pano branco
e tradição. a chuva enfraquece;
não seremos punidos. o canto,
santo remédio curador do silêncio,
assusta a maldição, o vento
descobre os embuços...
partiu a chuva com os passos
daquela nuvem
inscrita nas rugas,
e a imagem e a semelhança
perdidas em algum céu.
ORAÇÃO PARA NOSSA SENHORA DA GOTA D’ÁGUA
nos olhos
mudos,
o
lixo
goteja
surdo.
preso
na chuva
do céu.
– meu divino São José!
o
bicho
deseja
tudo,
o
bico
fareja
mudo
– meu divino São José!
Antes do Silencio
para Jotacé Freitas
O céu laranja no fim do dia
esquece o suor
do preto desse café,
tão esperado na chuva do sertão.
Homens rasgam a terra
traçada em nossas mãos
e cismam que aquela raiz
vingue a outra estação.
Soluça um menino calado,
entre nuvens, azul de tome,
despeja lágrimas suficientes
na cara do roçador
como areia presa na ampulheta,
escorrendo tempo certo
em cada lampejo esperado.
Mais um dia... de tarde,
pássaros estalam rezas
a todos os Santos e Silvas,
a quem o Rosário entrega
calendários, profissões diárias
e decisão divina. E a tarde
continua pela noite,
sonolenta, de brilho fosco.
Tudo é um embaçamento da retina,
do não inquieto da mulher que passa
abraçada e desfruta a fruta podre
caída da árvore da verdade
que se deixa existir.
Extraídos de
XXI POETAS DE HOJE EM DIA(NTE)
organizado por Priscila Lopes e Aline Gallina
Florianópolis: Letras Contemporâneas,2009. 157 p.
ISBN 978-85-7662-044-0
Página publicada em junho de 2009
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