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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

JACINTA PASSOS

(1914-1973)

 

Escritora nascida em Cruz das Almas, Bahia, em 1914, Jacinta Passos foi autora de quatro livros de poemas — Momentos de poesia (1941), Canção da partida (1945), Poemas políticos (1951) e A Coluna (1958) —, elogiados por críticos do porte de Antonio Candido, Mário de Andrade, Aníbal Machado e Roger Bastide, entre outros. Seu livro mais importante, Canção da partida, foi ilustrado pelo artista Lasar Segall.

Jacinta tornou-se uma das mais ativas jornalistas da Bahia na década de 40, escrevendo sobre os assuntos que mais a interessavam, pelos quais lutava: política, transformações sociais e posição da mulher na sociedade. Colaborou também com jornais e revistas do Rio de Janeiro e de São Paulo. Militante do Partido Comunista Brasileiro de 1945 até a morte, em 1973, dedicou grande parte da vida ao trabalho penoso, clandestino e cotidiano de luta por um Brasil menos injusto.

Jacinta Passos foi casada com o escritor e jornalista James Amado, com quem teve uma filha, Janaína. A partir de 1951, sofreu crises nervosas periódicas, com delírios persecutórios, tendo recebido o diagnóstico de esquizofrenia paranóide, doença considerada progressiva e incurável. Apesar de internada em diversos sanatórios, jamais deixou de escrever, tanto poesia quanto prosa. Sua obra poética, fundada nas tradições populares da Bahia, contém fortes componentes líricos e apelo ao público contemporâneo, mas permanece pouco conhecida, pois seus livros, publicados por editoras de pequeno porte, tiveram tiragens muito reduzidas, sendo que apenas um deles, Canção da partida, foi reeditado, isso em 1990.  Fonte: http://www.jacintapassos.com.br/

 

PASSOS, Jacinta.  Canção da partida.  Desenhos de Lasar Segall.  São Paulo: Edições Gaveta, 1945.  121 p. 10x25 cm.  Impresso na Indústria Gráfica José Magalhães Ltda. “Consta a presente edição de duzentos exemplares em papel bouffant de 1ª., 45 ks, numerados e assinados pela autora, e de dez exemplares contendo cada exemplar uma ponta-sica original de Lasar Segall, marcados de A a J.” Exemplar n. 115 na Col. A.M. (LA)

 

Canção da Alegria

U
rupemba
urupemba
mandioca aipim!
peneirar
peneirou
que restou no fim?

Peneira massa peneira,
peneira peneiradinha,
(Ai! vida tão peneirada)
peneira nossa farinha.

Olhe o rombo
olhe o rombo
olhe o rombo arrombou!
olhe o cisco
olhe o cisco
urupemba furou!

Eh! Sai espantalho
da ponta do galho!

Escorra! Escorra!
Tirai essa bôrra!

Urupemba
urupemba
mandioca aipim”
peneirar
peneirou
que restou no fim?

Farinha fininha
peneiradinha!

Ai! vida, que vida
nuinha! Nuinha!

                            (1944)

 

Estrela do Oriente

          (para Bem Ami)

I
Levantai-vos, párias de todo o mundo!
Não vedes? Ela vem vindo, a Estrela do Oriente,
alta, bela, imponente, os pés plantados no chão,
traz o fogo no olhar e uma foice na mão.

II
Canta, Jacinta, teu hino,
louva a Estrela do Oriente,
Mariana, Guiomar,
venham, venham me ajudar.

Não sei a cor de seus cabelos,
não posso saber,
não as linhas do seu corpo,
não posso saber.

Não posso vê-la à distância
como vejo o meu vizinho,
serei o seu sexo ou seu dedo mindinho?

Mariana! Guiomar!
Só na voz da própria Estrela,
podemos cantar.

                                      
(1944)

Metamorfose

   (a Dias, João, Divaldo, Miranda,
     Luiz Rogério, Almir Matos, Osvaldo Pereira)

Fui moleque,
jornaleiro,
nunca tive opinião,
ajudante de pedreiro,
fui chofer de caminhão,
trabalhei na Plataforma,
operário de sabão,
já morei
oi!
já morei no Taboão.

Carneirinho! Carneirão!
Olha pro céu! Olha pro chão!

Céu é Barra, é Avenida,
outra vida!
nunca a gente foi lá não.

Nem eu sei como foi isso,
foi feitiço,
arte do Cão,
mas um dia fiquei rico
que nem o rei Salomão.

Chave do mundo,
tenho na mão.
Desceu o céu!
Subiu o chão!

Minha gente venha ver
coisa que nunca se viu,
um mulato virou branco,
subiu! Subiu!
A formiga criou asas,
o pato passou a ganso,
lagarta virou besouro,
de repente virei tudo,
virei até um rei mouro,
virei sábio, virei gentleman,
meu cabelo virou louro,
virei genro, industrial,
tabu, ministro, escritor,
quase viro ditador. 

Agora cheguei em cima,
agora vi que eu sou dois.

Quem sois?

Minhas senhoras:
Meus senhores:

O meu drama começou.

Serei moleque e rei mouro,
serei dentro e serei fora,
serei ontem e serei hoje,
serei noite e luz da aurora?
Quem sois?
Serei eu e serei tu,
serei Sancho e D. Quixote,
serei Deus e Belzebu?
Não posso viver assim!
Serei Pierrot e Arlequim,
serei anjo e homem carnal,
serei o ser e o não-ser,
serei o bem e o mal?
Serei foice e serei sigma?
Enigma!
Que serei eu afinal?
Ai de mim!
Serei o princípio e o fim?

                                     (1944)

 

Diálogo na Sombra

— Que dissestes,  meu bem?

Esse gosto,
Donde será que ele vem?

Corpo mortal.
Águas marinhas.

Virá da morte ou do sal?
Esses dois que moram no fundo e no fim.

— De quem falas amor, do mar ou de mim?

                             
                                                          
          (1944)

 

Canção da Liberdade

Eu só tenho a vida minha.
Eu sou pobre, pobrezinha,
tão pobre como nasci,
não tenho nada no mundo,
tudo o que tive, perdi.
Que vontade de cantar:
a vida vale por si.

          Nada eu tenho neste mundo,
          sozinha!
          Eu só tenho a vida minha.

Eu sou planta sem raiz
que o vento arrancou do chão,
já não quero o que já quis,
livre, livre o coração,
vou partir para outras terras,
nada mais eu quero ter,
só o gosto de viver.

          Nada eu tenho neste mundo,
          sozinha!
          Eu só tenho a vida minha.

Sem amor e sem saúde,
sem casa, nenhum limite,
sem tradição, sem dinheiro,
sou livre como a andorinha,
sua pátria é o mundo inteiro,
pelos céus cantando voa,
cantando que a vida é boa.

          Nada eu tenho neste mundo,
          sozinha!
          Eu só tenho a vida minha.

                                                   (1943)


 

 

[ PASSOS, Jacinta ] Jacinta Passos, coração militante: poesia, prosa, biografia, fortuna crítica.  Org. Janaína Amado.  Prefácio José Mindlin.  Salvador: EDUFBA; Corrupio, 2010.   673 p.  19,5x27 cm.  ISBN 978-85-232-0683-3  Projeto gráfico e capa: Angela Garcia Rosa. Inclui fotografias da vida da poeta oriundas de diversos acervos.  Inclui poemas inéditos e dos livros publicados pela autora: Momentos de poesia, Canção de partida, Poemas políticos, A Coluna [  Prestes ].  Reproduz os desenhos de Lasar Segall  que ilustraram a obra “Canção da Partida”.  Col. A.M. 

 

Canção do amor livre

 

Se me quiseres amar

não despe somente a roupa.

Eu digo: também a crosta

feita de escamas de pedra

e limo dentro de ti,

pelo sangue recebida

tecida

de medo e ganância má.

Ar de pântano diário

nos pulmões.

Raiz de gestos legais

e limbo do homem só

numa ilha.

 

Eu digo: também a crosta

essa que a classe gerou

vil, tirânica, escamenta.

 

Se me quiseres amar.

 

Agora teu corpo é fruto.

Peixe e pássaro, cabelos

de fogo e cobre. Madeira

e água deslizante, fuga

ai rija

cintura de potro bravo.

 

Teu corpo.

 

Relâmpago, depois repouso

sem memória, noturno.

 

 

Cantiga das mães

 

(Para minha mãe)

 

"Fruto quando amadurece

cai. das árvores no chão,

e filho depois que cresce

não é mais da gente, não.

Eu tive cinco filhinhos

e hoje sozinha estou.

Não foi a morte, não foi,

Oi!.

foi a vida que roubou.

 

Tão lindos, tão pequeninos,

como cresceram depressa,

antes ficassem meninos

os filhos do sangue meu,

que meu ventre concebeu,

que meu leite alimentou,

Não foi a morte, não foi,

Oi!.

Foi a vida que roubou.

 

Muitas vidas a mãe vive.

Os cinco filhos que tive

multiplicaram por cinco

minha dor, minha alegria.

Viver de novo eu queria

pois já hoje mãe não sou.

Não foi a morte, não foi,

Oi!

foi a vida que roubou.

Foram viver seus destinos,
sempre, sempre foi assim.
Filhos juntinho de mim,
berço, riso, coisas puras,
briga, estudos, travessuras,
tudo isso já passou.

Não foi a morte, não foi,
oi!
foi a vida que roubou.

 

(De Momentos de poesia)

 

 

O inimigo

 

 

A Coluna descansou

da marcha, na noite fria.

 

Ficaram olhos acesos

e a fogueira, de vigia.

 

Su su su

 

menino mandu

dorme na lagoa

sapo-cururu

 

Soldados dormem quietos

Debaixo deste telheiro

 

em cima pia a coruja

com seu piado agoureiro.

 

Su su su

menino mandu

 

Soldados dormem quietos

no bivaque de improviso

 

até as armas descansam

que este descanso é preciso.

 

Dorme na lagoa

sapo-cururu

 

Soldados dormem quietos

na barraca e na varanda,

 

eis de repente o inimigo

- Depressa, levanta e anda!

 

Depressa, são feras,

depressa ou quiseras

nas mãos do inimigo

cair, que o perigo

de perto ameaça

de morte ou mordaça

cadeia ou degredo.

 

Galopa sem medo!

 

Legalista do Inferno! .

donde o Governo -

tais feras tirou?

 

Ah! raiva que eu sou.

 

Depressa e a trote

esporas, chicote,

as crinas revoltas,

de rédeas bem soltas

e bridas também

(Que medo não tem!)

depressa e a trote

mão no cabeçote

o pé na estribeira

encilha e carreira!

esquipa montado

depressa, soldado

que medo não tem.

 

Legalista do inferno

não vale um vintém!

 

A Coluna descansou

da marcha na noite fria.

 

Picaram olhos acesos.

E de repente partia.

 

(De A Coluna)

 

 

 

 


 

 

 
 
 
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