DE RUAS E CORAÇÕES
Meu coração é um pivete
Vivendo a vagar pela rua
E sob a lua alia ao bando
De mil outros peles nuas
Vaga, vaga, gira, gira
E acaba só, numa cafua
A cidade, magia, é luz
Seduz, atrai e abomina
O coração pivete e a alma menina
Que vagam, vagam seminus
E se acabam, ao fim da noite
Pregados juntos na mesma cruz
E assim vai meu coração
Crescendo, virando gente
E nem tanto marginal, senão
Tampouco um indigente
Nos braços da solidão, vai
No meio de tantos, ausente.
(Belo Horizonte, 16/09/87)
VÔ MALAQUIAS
Meu avô foi um vaqueiro
Sisudo como se soe
Do gibão roto da vida
Tirava casos mateiros
Coragem, sabedoria
E com silêncio indigente
Nele guardava penseiro
Parcas dores e saudades
Decerto incertos amores
Solidão e mui janeiros
O seu nome, Malaquias
Também Pereira da Costa
Conhecido por “Coqueiro”
Mescla altaneira de peles
Rostos, sangues e destinos
Que cavalgava inzoneiro
A solidão de hibernada
Do coração de vovó
Luz de lua ou candeeiro
Caminhos de gado e pó
Meu avô foi garimpeiro
Buscava em leito de rio
Migalhas de ouro esparsas
Esperanças de tropeiro
Arroz, ouro em pó, areia
Brincando de roda e pique
Na bateia, e num voleio
Jaz reluzente no fundo
A alegria singela
De coração de rancheiro
Brilhavam pepitas no lenço
Como o olhar daquela gente
Que brilhava o tempo inteiro
Naqueles tempos folgados
Daquele lugar arredio
E retornando ao arreio
Cavalgava manso a estrada
Trazendo contos, tesouros
Tal e qual mouro guerreiro
Que à pátria retornava
Meu avô, tudo e ninguém
Foi canivete, arreio
Gibão, poeira, berrante
Tropa, bateia, vintém
Lua, sol e candeeiro
Cheiro de mato, coragem
E no seu porte altaneiro
Foi meu espelho também |