SIMBOLISMO – POETAS SIMBOLISTAS
FRANCISCO MANGABEIRA
Em sua curta e abnegada existência, foi proclamado grande poeta por Múcio Teixeira, que Carlos D. Fernandes por seu turno atacava; o curioso é que Mangabeira defendeu o primeiro em versos e prefaciou o livro Solaus do segundo, reconhecendo-lhe Carlos Fernandes, portanto, o valor que negava a Múcio. Francisco Mangabeira estreou muito jovem com seu Hostiário, em 1898, aos 19 anos. O livro é de um decadismo flagrante, e adota como técnica uniforme o uso do verso de 9 silabas ou deste e seu quebrado de 4 sílabas, o que lhe confere certa monotonia, apesar de a expressão ser notável para tão verdes anos, como de resto sucederia com outros simbolistas, como C. Tavares Bastos e Castro Meneses. Posteriormente, Mangabeira publicaria Tragédia Épica, sobre episódios de Canudos, de cuja campanha participou, servindo como estudante de Medicina nos hospitais de sangue. Os dois livros, e mais Últimas Poesias (constituído pelos esparsos que deixou) foram reunidos em Poesias. Últimas Poesias não ostenta a dicção simbolista do primeiro livro; contém versos escritos desde os 14 anos do Poeta, muito anteriores a Hostiário, donde por vezes ter traços até românticos. Uma das estranhas poesias do volume é "Otelo", composição delirante e febril.
Nascido em Salvador em 8 de fevereiro de 1879, Francisco Mangabeira doutorou-se em Medicina em 1900. Seguiu para o Maranhão, contratado pela Companhia Maranhense, mas depois de poucos meses dirigiu-se para o Amazonas, onde recebeu várias comissões do governo, no desempenho das quais esteve nas regiões dos Rios Juruá, Javari, Madeira, Negro e Purus. Depois de ter estado em férias na Bahia, de 24 de outubro de 1902 até 2 de abril de 1903, serviu gratuitamente, como médico, o 40.° Batalhão de Infantaria, no Acre. Enfermou depois, tão gravemente que retornou a Manaus, donde embarcou para a Bahia, com o diagnóstico de "polinevrite palustre". Faleceu a bordo, em 27 de janeiro de 1904, sendo sepultado em São Luis do Maranhão.
BIBLIOGRAFLA DO AUTOR
MANGABEIRA, Francisco. Ultimas Poesias. Bahia, 1906.
Hostiário, Bahia, 1898; Tragédia Épica, Bahia, 1900. Últimas Poesias, Bahia, Oficina dos Dois Mundos, 1906; Poesias, nova edição, Rio, Anuário do Brasil, s.d. Deixou inéditos o poema Ilhalmo e Poemetos.
Cartão postal publicado pela Secretaria da Cultura e Turismo do Governo do Estado da Bahia, série Letra Postal.
SUPLÍCIO ETERNO
Não devo amá-la… e amo-a com loucura!
Quero esquecê-la… e trago-a na lembrança!
Ai, quem me livra desta mal sem cura
a que o destino trágico me lança?
Uma nuvem de tédio e amargura
cobre-me a loira estrela da esperança…
Tudo cansa por fim na vida escura,
só este amor infindo é que não cansa…
Se os olhos cerro, vejo-a nos meus sonhos;
se à noite acordo, sinto que enlouqueço
de uma angústia nos vórtices medonhos…
E nesta morte em que vivo jamais finda,
pois quanto mais procuro ver se a esqueço
sinto que a adoro muito mais ainda!
PÉRICLES EUGÊNIO DA SILVA RAMOS, in POESIA SIMBOLISTA Antologia. São Paulo: Melhoramentos, 1965, p. 345-350.
REGINA
IX
Em alegrias fortes prorrompa
Nervosamente meu coração,
Que se celebra, com toda a pompa
Um desvairado festim pagão.
Corra um delírio pelo Universo,
Que nem um homem pense sequer,
E ocupe o loiro sólio do Verso
A Imagem Branca duma Mulher!
A um riso dEla, deixem os filhos
Mortas nas chamas as próprias mães,
E aos seus Pés tremam fracos, sem brilhos,
Os astros, como se fossem cães!
Lancem blasfêmias todas as bocas,
Os ares sejam um escarcéu,
As aves fiquem mortas ou loucas,
E as nuvens todas ardam no céu!
Raios e roncos de trovoadas
Venham o espaço negro ferir...
E, entre essas raivas desordenadas,
Ela, no sólio, branca, a sorrir.
Para de beijos encher o Ardente
Corpo da minha Deusa Pagã,
Eu quereria ser Deus clemente,
E choraria não ser Satã.
De almas sangrentas e cancerosas
Se erija um trono descomunal,
Onde ela se erga, nas Mãos Formosas
Sustendo um rubro, quente punhal.
Soluce o vento pelos espaços,
O oceano ferva cheio de dor,
E esmague peitos, crânios e braços
Seu Grande Carro Triunfador.
Quando Esse Carro Sombrio e Horrendo
Por sobre o sangue morno passar,
Cantarei sendo Satã — e sendo
Deus, pelas trevas irei chorar.
Depois os corpos estreitamente
Unamos, deles fazendo um só.
E então o Carro furiosamente
Os pise, unindo-os no mesmo pó.
A Mulher erige-se numa espécie de Venus Victrix, perturbadora dos elementos e irresistível com a força de sua beleza.
SANTA
III
Tendes nas Tranças Bastas e Escuras
Sombras intensas e vaporosas...
Dão-me a lembrança de sepulturas
Cheias de goivos, jasmins e rosas,
5 Tendes nos Olhos Martirizados
Cinzeladuras extravagantes,
Brancos escrínios estrelejados,
De ouro, ametistas e diamantes.
Tendes na Boca rosas sem vida
Desabrochando com muito aroma...
Desejo vê-LA por fim metida
Cuidadosamente numa redoma.
Tendes nos Seios Duros e Lisos
Venenos castos, brandos e eternos...
N'Eles eu vejo mil paraísos,
N'Eles eu vejo milhões de infernos.
Tendes nas Vossas Mãos de princesa
Veludos brancos e tentadores,
Toda a opulência da natureza,
Todo o perfume leve das flores.
Tendes na Pele cor de alabastro
Jardins risonhos desabrochando...
Essa penumbra contém um astro...
Essa geleira vive queimando...
Tendes na Fala choros de pomba,
Águas sonoras em mansas quedas...
Lembra um custoso cristal que tomba,
Se estilhaçando sobre moedas.
Tendes estrelas, anjos em coro,
Dos Pés à Fronte Santificada...
O Vosso Corpo lembra um tesouro...
Porém no Peito não tendes nada!
HADAD, Jamil Almansur, org. História poética do Brasil. Seleção e introdução de Jamil Almansur Hadad. Linóleos de Livrio Abramo, Manuel Martins e Claudio Abramo. São Paulo: Editorial Letras Brasileiras Ltda, 1943. 443 p. ilus. p&b “História do Brasil narrada pelos poetas.
HISTORIA DO BRASIL – POEMAS
Imagem que retrata a Guerra de Canudos publicada na Revista Don Quixote (1897).
CANUDOS
ASSALTO À ARTILHARIA
Reunidos os fanáticos, um dia,
O chefe exclama: — O fogo pavoroso
Da rouca artilharia
É o que nos faz desanimar por ora...
Urge um assalto enérgico e raivoso
Aos canhões... para ver se isto melhora.”
— E logo foi deliberado o assalto.
Meio dia. No azul do firmamento
O sol fuzila radioso e alto,
Em um deslumbramento...
E os seus raios, batendo nas monstruosas
Rochas, dão-lhes o aspecto de cobalto
E o resplendor das pedras preciosas
Que há no manto dos Príncipes do Oriente.
Incendia-se o espaço iluminado
Como um harém festivo. O solo é quente,
Sem água, esbraseado.
O homem pasma ao olhar estas riquezas...
Que tesouro no céu resplandecente,
E quantas joias na amplidão acesas!
Isso no entanto da ilusão não passa.
Parece que do píncaro dos montes
Um rio de rubis se desenlaça.
Coleiando entre fontes
Cujas águas têm brilhos de ametistas...
E o rio corre, serpenteia, abraça
O vale e foge enfim das nossas vistas,
Que debalde o procuram deslumbradas.
Nada é mais belo do que o sol que atira
Os seus raios luzentes como espadas,
No espaço de safira,
E faz brotar pelos rochedos brutos
Selvas de chamas e árvores doiradas,
Cheias de ninhos, pássaros e frutos,
Modelados em prásios e diamantes.
O sol em pino incendiando os ares!
O nosso imaginar nesses instantes
Vê quadros singulares,
Índios vagando de cocar e setas,
Cortejos de rajás irradiantes,
Gôndolas onde fadas e poetas
De lira em punho cantam suspirando.
O sol em pino a deslumbrar o espaço!
Nisso trinta fanáticos, olhando
Em redor e de passo
Cauteloso aparecem nos caminhos
Que levam aos canhões.. De vez em quando
Param e espreitam... Vendo-se sozinhos,
Começam a subir a ribanceira.
Que trabalho ansioso! Em troncos velhos
Agarram-se ele da melhor maneira...
Uns ferem os joelhos
Nas angulosas pedras; outros cortam
As grossas mãos, pegando-se em rasteiras
Plantas, que tanto peso não suportam,
E saem com raiz tenra e pequena.
Galgam mais um pedaço da colina...
Então quase no meio; causa pena
A ânsia que os domina...
Rastejam a tremer... A terra solta
Rola fazendo ruído... Estranha cena!
Fazem agora uma pequena volta...
Estão chegando. Que infernal suplício!
Não respiram temem os artilheiros
Que se ocultam por sobre o precipício
Que circunda os outeiros...
Esgueiram-se, e encaminham-se tremendo,.
Sem um rumos, pois o único bulício
De uma flor cair, no chão batendo
Perderá tudo o que eles têm feito.
Param... E um deles, cheio de cautela,
Sentindo um peso a recalcar-lhe o peito,
Encaminh-se àquela
Peça feroz, que ele cobiça tanto...
Afasta os ramos, com cuidado e jeito,
E aí, repleto de prazer e espanto,
Os artilheiros, ofegante, espia:
No chão do acampamento estão deitados
Junto aos canhões em mórbida apatia,
Os heroicos soldados.
Que, sem nenhuma sombra de desgosto,
Descansam ao calor do meio dia,
Cobrindo os rudes e tostados rostos
Com os bonés e chapéus de abas caídas.
Nisso os trinta fanáticos, do seio
Das moitas silenciosas e esquecidas,
Arremetem um cheio
Aos soldados que ao centos, se levantam...
Ouvem-se vozes surdas e perdidas
Detonações fortíssimas que espantam
Os assaltante ríspidos e loucos...
São rechaçados pela soldadesca,
Que, em vagalhões horríficos e roucos,
Numa fúria dantesca
Os esmaga, espetando-lhes a fronte
Nas lanças... Retalhando-os... Restam poucos...
E estes, vendo-se sós no alto de um monte,
Resistem sempre, tontos e sombrios.
Vendo que estão vencidos, da montanha
Atiram-se, raivosos e bravios,
Numa tortura estranha...
Seus braços arrebentam-se, seus crânios
De encontro às pedras racham-se nuns fios
De sangue... E enfim morrem sem dar um grito
Como atletas gloriosos e titâneos
Caídos do infinito.
(TRAGÉDIA ÉPICA – Impressora Moderna de
Prudêncio de Carvalho – Bahia – 1900).
O assalto à artilharia é uma espécie de tradução
para o verso de uma belíssima carta que o Dr.
Euclides da Cunha escreveu de Canudos para o
Estado de São Paulo, onde este meu saudoso
amigo derramou tanta luz em belíssimas e
magistrais correspondências, que, publicadas
em livro lhe garantiriam um triunfo literário.
(N. do A.)
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http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/bahia/bahia.html
Página ampliada em outubro de 2021
Ha provável haplologia, lendo-se cuidosamente por cuidadosamente.
Ampliada e republicada em outubro de 2013; ampliada em novembro de 2016.
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