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FRANCISCO DE MATOS

 

 

MATOS, Francisco de.  Grito de nossa angústia. Poema da Tragédia do Nordeste,. Escrito por sugestão do meu amigo Alvaro A. Brandão e inspirado no discurso do General Juracy Magalhães, no Ceará.   Salvador: Officinas gráficas da Imprensa Oficial da Bahia, 1961.  117 p.  ilus.  21x30 cm.  Ilustrações e capa de Carlos Bastos.  Col. A.M.  (EE)

 



HOMENS de lá de cima, homens que andais pelo alto,

Olhai os indigentes sujos sobre o asfalto,

A tosse seca, a fala rouca, o olhar exangue,

Encharcados de pranto e embebidos de sangue.,.

Num sofrimento imenso, estúpido, profundo,

Quais barcos, a vagar, nos vagalhões do mundo,

Enfrentando o furor do vento nas procelas,

A luz do olhar de Deus seguindo as caravelas...

Olhai os hospitais ensombrados de tédio,

Sem alimento, sem conforto, sem remédio...

Da Sociedade é o enterro, assim, a pé, que passa,

Em pleno largo, em plena rua, em plena praça,

Nessas exaustas mãos dessa Democracia

Tão velha quanto a noite e velha quanto o dia,

Que esses homens sem fé, como abutres ferozes,

Na maior confusão de interesseiras vozes,

Apunhalam, de frente, em líricos discursos,

Nessa transformação dos homens para os ursos...

 

Olhai, longe, os sertões de tantas gentes rudes,

Sem silos e galpões e barragens e açudes,

Os desertos que vi sem vestígios de estrada,

Sem comunicação, sem transporte, sem nada...

Olhai o nosso irmão dos sertões, e que investe

Contra essa maldição que cai sobre o Nordeste,

A seca —maldição impiedosa, inclemente,

Espadanando um mundo de emoções na gente...

O gado magro, a flora enxuta, a terra em mágoa,

O passarinho vem de longe beber água,

E encontra, coitadinho! o córrego vazio,

Ali mesmo, ele morre; ó destino sombrio ...

E desfaz-se, ao beiral do córrego, em pequenas,

Pequeninas porções de coloridas penas...

Ressequidos cipós o matagal trançando;

— Ó inclemência do Tempo em seu gesto nefando! —

A Esperança não vem. .. e a Ilusão já se foi....

O mugido da vaca e o mugido do boi...

É tudo solidão... é mudez. .,. é tristeza...

Nem sombra d'água.. . nem gota d'água... a represa

É barro no cascão, esse cascão de barro

Sob as patas do boi, sob as rodas do carro. ...

As famílias lá vêm., . o sol, a chuva e a fome.

Inimigos do povo inculto que não come...

 

 

Em bandos, aos milhões, "os arigós fugindo"...

 

— Infindo anoitecer e um sofrimento infindo!

Abandonados, sós, maltrapilhos, famintos,

A alegria já morta e os prazeres extintos,

Nordestinos lembrando aves de arribação,

Vão, um dia, morrer longe do pátrio chão...

E a criancinha — meu Deus! — lá no mundão do agreste,

Pagando o mal de ter nascido no Nordeste!

 

Na chã acaboclada, esquecida, infeliz,

Neste Brasil de cá, porque são dois Brasis. ..

O da gente com sorte e o da gente sem sorte:

Brasil rico do Sul... Brasil pobre do Norte...

O sertão não tem mais esplendor como dantes!

As famílias lá vêm. . . são todos retirantes

Varridos do que é seu, triste povo proscrito...

 

 

Página publicada em dezembro de 2012


 

 

 
 
 
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