https://eliesercesar.wordpress.com
ELIESER CÉSAR
Jornalista e Mestre em Letras pela Universidade Federal da Bahia, Elieser Cesar é autor de O azar do goleiro (novela), O escolhido das sombras e outras histórias (contos), Os cadernos de Fernando Infante (poesia), O romance dos excluídos – Terra e política em Euclides Neto (ensaio) e A garota do outdoor (contos). Integra a antologia A Poesia Baiana no Século XX, organizada por Assis Brasil. Blog do autor: esercesar.wordpress.com
POESIA SEMPRE. Número 29. Ano 15. No. 29. 2008. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2008. Editor: Marco Lucchesi. ISSN 0104-0626. Ex. bibl. Antonio Miranda
À deriva
Não vou buscar na madrugada
a solidão dos desolados.
Não buscarei a felicidade
pela obrigação de ser feliz.
Acaso tem a espada inerte
a obrigação de corte?
Não pode a lâmina deslizar
nos contornos de uma pétala?
Busco a roto de um barco
à deriva em seu porto.
Os brancos peitos de deus
Assim, como sem fé
passei por muitas dores,
também sem fé
(em minha cega luz),
atravessarei sem remorso,
sem riso, só para vingar
— da ilusão e do medo —
os meus, nossos irmãos, os seus,
cometa fulminante, atravessarei
os brancos peitos de deus.
CÉSAR, Elieser. Os cadernos de Fernando Infante. Poesia. Apresentação Antonio Brasileiro. Salvador: Secretaria de Cultura e Turismo, Fundação Cultural do Estado da Bahia, EGBA, 1997. 93 p. (Coleção Selo Editorial Letras da Bahia, 23) 15x21,5 cm. ISBN 85-86485-11-X
HERANÇA DO GUERREIRO QUE
ENTREGOU OS ESTANDARTES
De minhas próprias garras, escapei?
Fugi de acusar-me e condenar-me,
tribunal que sou?
Não, lugar não há onde esconder-me.
Sou escudo rompendo madrugadas.
NOTÍCIA
Para Tetê, no Ano Novo
Quase me abate uma melancolia antiga,
não sei se vinda de lobos ancestrais,
da raiva de quem perdeu sua cantiga,
ou do receio de recusar outros jograls.
Na epiderme, o desespero é falsa briga.
Levo no peito velhas chagas e intrigas,
Iodos que não me vencerão jamais.
Tenho na alma outros jornais.
O ÚLTIMO TREM PARA
O LAGO AZUL JÁ PARTIU
Não construí o amor. Trilhei equívocos.
Como uma sombra no escuro, ignorei-me perdido
e me perdi.
Vivi certezas, vaguei esperas: o amor, não construí.
Não construí o amor: persisto a busca
(um sinal débil, talvez)
na geometria das estrelas distantes.
APONTAMENTO PARA
FERNANDO INFANTE
Também sofri, Infante,
as vergastadas indolores.
Essas doem e ferem
onde fraquejam os cruéis amores.
Esta, a ilusão. Infante:
o amor sobrepujar
a crueldade triunfal
de sua dor.
ENFEITE
Não atingi meus oceanos.
Sou luz domada em aquários.
HERA 1972-2005. Antonio Brasileiro et al.. organizadores. Salvador, BA: Fundação Pedro Calmón; Feira de Santana, UFES Editora, 2010. 712 p. fac-símile. ilus. (Memória da Literatura Baiana). ISBN 978-SS85-99799-14-7 Ex. bibl. Antonio Miranda
OS DIAS SIMPLES
Para Ana Célia
Não há muito o que pensar na vida.
Não há demônios sozinhos na alma.
Há essa ânsia de romper
o viciado cerco das horas
e viver com perfeição,
como um simples dia simples.
À DERIVA
Não vou buscar na madrugada
a solidão dos desolados.
Não buscarei a felicidade
pela obrigação de ser feliz.
Acaso tem a espada inerte
a obrigação do corte?
Não pode a lâmina deslizar
nos contornos de uma pétala?
Busco a rota de um barco
à deriva em seu porto.
HERA 18 – (REVISTA HERA) – Direção: Roberval Pereyr – Trazíbulo Henrique Pardo Casas. Capa: Antonio Brasileiro. Feira de Santana, Bahia, Outubro 1993. 37 p. ISSN 0101-1065
Ex. bibl. Antonio Miranda
FRAGMENTOS DO FILHO DOS PÉLAGOS
XIII
Vejo, afinal vejo (e com que assombrada nitidez os vejo
os tenebrosos monstros do mar
com suas fauces em minhas faces ancoradas.
São enormes, são vorazes,
são temíveis, são roazes, os monstros do mar
com suas faces em minhas fauces
ancoradas.
Todos os monstros mergulham dentro de mim
e se perdem nas veredas abissais da minha alma.
XVII
Meus pensamentos são novamente cães convulsos,
cadáveres calcinados pelas lavas,
despojos humanos às ruas arrastados.
A mesma lâmina prestes a romper o selo da amada,
o metal assassino é mesmo um pensamento meu?).
O farol, apontando o barco perdido dos meus olhos
muda a rota de meus pensamentos, cães convulsos,
cães de tempestades.
*
Página ampliada e republicada em abril de 2023
Página publicada em outubro de 2013; ampliada em janeiro de 2019
|