Foto: Agne
EDINEY SANTANA
Nasceu na cidade de Mundo Novo – Chapada Diamantina, Bahia, no dia 14 de março de 1974. Viveu dos três aós quarenta anos de idade em Santo Amaro, BA, hoje vive em Brasília.
Ediney Santana é poeta dos versos livres, mais que isso, é um espirito livre e um coração sincero.
Sua poética traz a inquietude e inconformismo tão necessários e tão ausentes no Brasil de hoje.
Escrevendo em seu auto-exílio nos manda cartas poéticas, nos chama a reflexão e nos provoca a ação.
Acidez que pavimenta caminhos suaves, juventude contestadora, marginalidade poética, coragem literária, razão e emoção em perfeita harmonia, avançar quando tudo sugere recuo, solidão e amores. O mundo poético de Ediney Santana é um convite ao estar bem, o viver, ao prazer de amar e se deixar ser amado.
GABRIEL DEL FABRIA
Blogue do autor: http://cartas mentirosas.blogspot.com
SANTANA. Ediney. Até que a eternidade nos una. 2ª. Edição. Santo Amaro, BA: Clube de Autores, FSCm 2002. 102 p. 15x21 cm.
Jasmim
O cheiro do jasmim
apodrecido
vela teu sorriso
desbotado.
No coração sentimentos
retorcidos,
ácidos desejos
gravados na alma.
Crianças estupradas
na pia batismal.
Mar viminoso
de senhoras medievais,
cantigas recitadas
em pó de vidro adocicado,
velório constante
é vento a tocar
essa vela.
Anjos de outros infernos
todos aqui,
brincando de amar
empunhando punhais
de enxofre.
Corpo vaso de todos
os lixos,
camisinha, gozo último
do feto, a ferro!
Entre fezes vai nadar.
Escarro social,
lá borbulha pigmentos
de pus, amor e esperanças.
Sociedade
No maldito cálice
bebo
desta construção
em sombrios versos.
Ao mal
pertence o coração
meu.
Destinos trago, à
Podridão entrego
todos. Mergulho nas
trevas as mais
cândidas das virtudes.
A letra é morta.
Quando beijo sinto
da luxúria o gosto.
Sorri, com flores nos
dentes cariados,
de inverdades, produção
angelical do terror.
Silêncio
Lágrimas
caem silenciosamente,
na hora despedida
apagam-se as
velas.
Grande amor repousa
entre flores,
espelho frio.
Da palidez.
Neste momento
despe-se em mistério
a vereda
espectro de fantasia
real.
SANTANA. Ediney. O Evangelho do Mal. 3ª. Edição. Santo Amaro, BA: Clube de Autores, FSCm 2015. 105 p. 15x21 cm.
Lúcifer
Ratos no beijo fingido
da ameba.
Tenho um trato com
ex-deus, amo o caos
e a mortandade
que assola os dias crus.
Seres humanos são víboras.
No meu corpo fiz
templo para o ex-deus e
sua luza cinza da destruição.
Cartas ao Tempo
Ergui meus sonhos em bordeis
medievais,
tive em meus braços todas
as flores
do mal, liturgia e branca dor fervem
ácido em minha língua.
Meu corpo é uma
procissão tão antiga,
tão perigosa, monstros civilizados
pela dor que é salvação.
Meus olhos que tantos
crimes viveram, tantas barbaridades
escrevi, meus olhos são orquídeas
cheias de venenos e
saudades. Todos andam na mesma
triste direção. Roteiro
faminto de almas, pássaros cegos
cantando uma mesma
estúpida harmonia de lágrimas
e masmorras. Amarelas.
Divórcio
p/ Renato Russo, que me deu voz e poesia.
Jantei entre moscas da primavera.
Hoje estava tão
em lugar algum. Vomitei pedaços
de homens
desse meu coração grama
suja e distantes amores.
Na frieza das ruas um
raio imundo de sol me aquece.
Todas minhas
crenças estão adormecidas.
Adormeço em bolhas
de sabão, há estrelas e seus
secretos amores
bolhas de sabão e mel vulcânico.
Tempo vadio,
aridez vem em verso amigo.
Cada palavra é
uma lápide ao tecer da manhã,
consagro ao acaso
o que foi vida, talvez palafita
existência, contudo
ainda há o amor a ser cantado.
SANTANA. Ediney. Fotografias de Cristais. Brasília, DF: Edição do Autor, 2016. 50 p. 14,7x21 cm. "Laetitia Editore" Capa e fotos: Ediney Santana.
Desenho: Idelmar ade Oliveira
Serpentes
Sempre sonho com serpentes,
todas sabem cantar,
tem cara, cor
de gente, mas
juram que não são.
Dizem-se serpentes de boa
alma e coração.
Tem cara e coar
de gente, mas juram que
não são... Serpentes de boa
alma e coração.
Sempre sonho
com serpentes, mas juram
que não são... Gente.
Ilações
A sombra da antiga noite pousou
neste traço abismo de quem me fiz
desatinada alegria que necrosou
lâminas plantadas sobre a cicatriz
Da pétala veneno beijo e maldição
ejaculo escorpiões ao negado amor
Migro para caverna, da vida contrição
de espírito leve morrerei sem temor
Sobre a terra nascerá o que em vida
não fui, broto lançado nas pedras.
Doce é nascer da terra sem ferida.
Ao meu lado negros anjos guardiões
quem sabe-se quebrante de regras
da dor a alegria não teme ilações.
Agourenta
Branca ave agourenta,
tenho pavor
do teu canto de morte.
Branca ave dos
olhos moribundos, me
gela o sangue
com teu canto fúnebre,
branca ave não faz
ninho no meu coração
arame farpado que beijo
teu segredo na morte
branca desse pesadelo.
SANTANA, Ediney. Rua 5 – poesias. Brasília, DF: Ed. Laetitia Editora, 2016. 82 p. 14,5x20,5 cm.
Príncipe da negação de
si mesmo,
vendeu ganhos
futuros
nos amargando
prejuízos
no presente.
Nobre velhaco, doutorado
em desculpas, é
capaz de
vender lâmpadas
elétricas para o sol.
Os insepultos de 1964
vagam entre
os apodrecidos de 2015.
Poetas fuzilados
pela esquerda, esquartejados
pela direita, restos
cadavéricos canibalizados
em saraus públicos.
Há sangue na biblioteca,
amor entre espinhos.
Ditadores civis-militares,
dublês de soviética
ditadura, estupradores da
democracia, lixo da história
que nos assombra o presente.
Meu templo é meu corpo
nas minhas
veias correm rios,
meu espírito
meu sol, coração terra.
Minha mente é Deus.
Meus olhos
Confronto entre amoras
plantadas sobre
pedras e contradição
do que eternamente morre
sem nunca ter nascido.
Livros gentilmente enviados pelo autor. Página publicada em janeiro de 2018.
|