SIMBOLISMO – POESIA SIMBOLISTA
DURVAL DE MORAIS
(1882-1948)
Poeta simbolista e místico, nasceu em Maragogipe, Bahia, em 20 de novembro de 1882. Formado em Química e Farmácia, sagrado em 1911 como o maior dos poetas baianos. Participou dos grupos Nova cruzada e Os anais. Viveu entre a Bahia, o Rio de Janeiro e São.
DOCE LEMBRANÇA
Mãe de Deus, mãe dos homens! A mais bela
Entre as belas; de todas a mais pura!
Que destino na terra te constela!
Que destino no céu te transfigurar
E ainda tão pequena e pobres... É vê-la,
Com os pés nus sobre a terra negra e dura;
À cabeça trazendo, em vez da estrela,
A bilha de água que ela mal segura!
E, quando passa, as flores dos caminhos,
Galhos, que em vez de flores trazem ninhos,
Inclinam-se saudando a que se humilha...
Como passa a sorrir... lembra uma abelhas
Perdão, meu bom Jesus, se não semelha,
A mesma idade tem da minha filha!
O CORTEJO NUPCIAL
Pelo estreito caminho da colina,
O cortejo subia lentamente...
Ela, trajando veste purpurina,
Trazia à face a púrpura do crente.
Tendo a clara inocência da menina,
Que abaixa os olhos, quando o olhar pressente
De alguém que a pensa linda, o rosto inclina,
Maria, e, pousa o olhar no chão, tremente!
Coroados de flores, precedidos
De cânticos, em cismas embebidos,
Atravessam desertos e devesas...
Louvando o amor dos imortais amantes,
Dez virgens de alvas vestes flutuantes
Erguem, ao sol, dez lâmpadas acesas.
PULVIS
Homem, venho do pó fecundo e miserando,
Como a flor da lagoa impura e deletéria,
E pó será meu corpo airoso e leve, quando
A vida abandonar-me ao seio da matéria!
Sou feito de poeira e feito de miséria,
E, sonhando o esplendor de régias pompas, ando
Como se fosse um sol pela amplidão sidérea,
Como se fosse um deus o eterno Olimpo entrando!
Alguns anos... alguém, depois do meu traspasse,
Pisará... — sem pensar que pisa na poeira,
Meus olhos, minhas mãos, meus lábios, minha face!...
..E à luz do sol poente, e à luz das alvoradas,
Quando o vento rufar sua marcha guerreira,
Minha alma feita em pó voará pelas estradas!...
ETERNA QUESTÃO
"Bendita a minha dor, o amigo sofrimento
Que me livrou de mim, de ossadas e de lousas.
Pela espiral da Fé, suba-me o Sentimento,
E a Razão não se atenha ao limite das Cousas.
Irmão Asno, terás alegria e sustento,
Como os têm na existência astros e mariposas,
Por que guardes em ti liberto o Pensamento,
E asas possam nascer aos pés em que repousas.
Quando unidos, um dia, a minha alma exilada
E o corpo material - viva lâmpada de oiro -
Dos justos e de Deus chegarem à morada:
Há de ir o Sentimento esperar-me à soleira,
E a Razão rolará, desfeita, ao sorvedouro,
Poeira que ficou do meu corpo na poeira!"
Lira franciscana (1921)
A ROSEIRA DO SILÊNCIO
A Santa Teresa de Jesus
Falsas rosas heráldicas da raça,
Rosas do orgulho, rosas assassinas
Do tédio, que meus lábios amordaça
Como os travores de todas as morfinas;
Rosas da tentação, rosas da graça,
Rubras aquelas; estas cristalinas;
Azuis rosas do Amor, de onde esvoaça
O aroma ideal das perfeições divinas;
E vós, rosas fanadas da Saudade:
Todas colhi, na dor e na tristeza
Do turbilhão. Meu desespero, vence-o...
E a rosa celestial da Santidade
Dá que eu possa colher, Sana Teresa,
Na Mística Roseira do Silêncio.
Rosas do silêncio (1926)
OPALANDAS
Para o Fernando Caldas
Níveas, rubras, azuis, verdes, douradas, pretas
Vestem a lua e o sol e os oceanos e as flores;
O poente, a saudade, os lírios e as violetas
Trajam rosas na terra opalandas de dores.
Sendo etéreos vergeis de canções e de amores
E desertos glaciais, as almas dos poetas
Tem-nas de todo o modo e de todas as cores:
Níveas, rubras, azuis, verdes, douradas, pretas!
O verso é uma opalanda a revestir um sonho,
E triste ou venturoso o verso é um simbolista
De um momento de riso, ou de um momento tristonho.
Poeta, seguindo da Arte a luminosa norma,
Voltarás vencedor porque para a conquista
Vestiste à idéia a tersa opalanda da forma.
Nova cruzada (1907)
REZENDE, Edgar. O Brasil que os poetas cantam. 2ª ed. revista e comentada. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1958. 460 p. 15 x 23 cm. Capa dura. Ex. bibl. Antonio Miranda
PAISAGEM NATAL
(Maragogipe)
Uma praia onde um rio espreguiça-se lento,
Amarelo de barro entre o verde do mangue...
E uma garça de neve arrepiada ao vento
Triste, paciente e só, contemplativa e langue.
É a paisagem natal, que no seu pensamento
A existência guardou — a existência, um harfangue
De garra adunca, e fauce rubra, e olhar sedento
Voando sobre o mar esfíngico de sangue.
Palmeiras ciciando, em surdina, ao sol-posto
A música sutil, que à memória recorda
Uma aurora de maio e uma tarde de agosto.
A Paisagem Natal da aquarela transborda.
Revive na saudade e nasce no desgosto:
Lira que estala na alma a derradeira corda.
FIGUEIREDO, Jackson de. Durval de Moraes e os poetas de Nossa Senhora. Rio de Janeiro: Edição do Centro D. Vital, 1925. 207 p. (Colleção Eduardo Prado – Série C) 13x19 cm. Impresso na Typographia do Annuario do Brasil. Ex. Biblioteca Nacional de Brasília, doação de Aricy Curvello.
(conservando a ortografia da época:)
“Realmente, suponho que Durval de Moraes, de todos os inovadores na moderna poesia brasileira, foi aquelle que mais independeu de influencias propriamente poéticas anteriores. Tendo chegado, como Magalhães de Azeredo, por exemplo, ao sentimento e à comprehensão de rithmos novos, rithmos que estariam como que amortecidos em nossa língua, sob o montão de regras de um mal entendido classicismo, creio que Durval de Moraes não ousou defendel-os e usal-os por uma simples tendencia imatativa. Vivia, então, em grande isolamento, era pequeno o seu convivio com as letrs européas e, longinquos e apagados os dois ou três exilios sertanejos em que morejára. Bastara-lhe o contacto com a poesia brasileira e portuguesa, na sua feição de revolta contra o parnasianismo (que já fôra, por sua vez, uma revolução), para que se lhe afigurasse possivel uma libertação de regras e maneiras, de que nenhum movimento anterior nos libertára.”
A VOZ DAS VELAS
Velas dubias, brumaes, de galeões fantasticos,
Soturnos galeões levando almas penadas
Que lançam para o céo olhares de perdão,
Aonde ides sob a noite escura? A que paragem
De treva e de pavôr, os odios das rajadas
Vos impelem?... Dizei!
— Somos a vaga imagem
Do teu maldito coração!...
Sob a noite seguis lentas, sombrias, tragicas,
Como azas colossais de antidiluvianas
Aves, manchando o céo, pondo nodoas no mar...
Subito appareceis em pardas caravanas,
Fazendo a treva em torno estremecer de frio...
— São teus sonhos que vão para não mais voltar!...
Do panico pavôr, sob o sudario gelido,
As arvores estão mudas, estemecendo...
O silencio do horror invade os corações...
O medo fecha no ar os leques das palmeiras...
Abrem olhos de fogo os duendes, não vendo...
—Levamos para o Oceano um lastro de caveiras,
Levas as tuas illusões!...
Malditas!... O naufragio em sus garras lubricas
Arraste-vos, rompendo os vossos pannos velhos,
Cuspindo a maldição das vagas sobre vós...
O raio a zinzinar calcine-vos o panno,
Velas dubias, brumaes de galões vermelhos...
— Carregamos na Vida um coração humano...
Tristes de nós!... Tristes de nós!...
Na noite sem luar, sob as estrellas mysticas
De olhos fitos no rio em morbido lethargo,
Sahia, como um som de sino funeral,
De dentro do Silencio a voz rouca das velas,
Que se vão sem voltar, fantasticas ao largo,
Expondo um campo-santo aos olhos das estrellas,
Pelo cruel Rio do Mal!...
LÁGRIMAS BEMDITAS
Quantas vezes, caminhos de São Bento
Não me vistes passar pensando nella,
Trazendo aos olhos e no pensamento
Seu pensamento e seu olhar de estrella!...
Quantas vezes nas noites do convento,
Sob o silencio mystico da cella,
Fiz breve o tempo desditoso e lento,
Enchendo as horas com as saudades della!...
Della e por ella vivo e se algum dia
Junto dela puder contar-lhe a magua
Dessa immensas horas de agonia,
Bemdiriei minhas noites do convento
E as compridas e claras gotas de agua
Que chorei nos caminhos de São Bento.
(Do livro “Sombra Fecunda”)
A PREDICA AS AVES
—“Meus alegres irmãos, ó passarinhos,
Vinde render, commigo, altos louvores
A quem vos dá o musgo para os ninhos,
Sonoros cantos, vestes multicores.
Louvae quem vos embala como flores,
Dos furacões nos doudos torvelinhos,
Cobrindo, contra o hibernaes furores,
Vossos corpos de tepidos arminhos!”
Aquelle canto mysterioso e brando
As pupilantes aves, escutando,
Encherem de hymnos a quietude do ar...
Coberto de asas, Francisco parecia,
Por um milagre, nesse fim de dia,
Erguer-se ao céo, entre aves, a cantar!
AS ANDORINHAS
Era o poente. A multidão das asas,
Rutila chuva de corollas de oiro,
Rola das torres, dos beiraes das casas,
Tremeluzindo ao sol no occaso loiro.
Nuvens altas, ardentes como brasas,
Abrem o cofre do imortal thesoiro.
— “Bando gazil, ébem que te comprazas
Em calar teu fremente fervedoiro.
Muito cantaste; agora emquanto eu falo,
Ouve a palavra do Senhor...” O bando
Silencioso quedou para escutal-o!
Doce milagre, na hora vespertina,
As quietas andorinhas escutando,
Palpitantes de Amor, a Voz Divina!
[ poesia religiosa, mística, católica, poesia cristã ]
Página publicada em novembro de 2008; ampliada em dezembro de 2019
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