O vento não sorria.
As folhas consumiam-se,
povoavam todo o espaço cinzento.
Os galhos tensos da árvores resistiam
e quebravam-se em pedaços. Outros galhos,
mais trágicos, recebiam o momento com dança.
A rua vestia-se de solidão
e sonhava com passos.
Não se ouviam bem-te-vi nem os sons do piano,
apenas o forte pulsar das sombras.
Foi nesse dia, às cinco horas da tarde,
a porta foi aberta e um corpo saiu
vagando sobre pedras escorregadias.
Pés e mãos explodem pelas grades,
as cerca de arame, antes tensa e fria, parte-se.
Um homem aventurou-se.
Perscrutou a janela aberta, e foi.
No meio daquele mundo, sem intervalos
é preciso arriscar.
E não seria ele, amante das tardes,
quem temeria.
Sim.
As esquinas perfuravam os sentidos.
Os rostos, escondidos atrás dos vidros,
pediam uma identidade.
Os manequins gritavam seus vazios nas vitrinas
e um olhar passeava.
Andava sem chapéu.
Precisava sentir a pele enrubescer-se com o frio.
As forças da natureza chamavam-no,
encenavam um gesto, sem ensaio,
para um álbum de retratos.
Não sabia o que desejava,
mas não estava nem à procura dos loucos,
nem dos mendigos.
Se os encontrava parados nos postes
parecia uma fatalidade.
E era legítima a gratuidade
com que atravessava as calçadas.
A absoluta mudez das casas,
o rangido das dobradiças enferrujadas,
andava e sentia.
Havia um cheiro fétido no ar,
os lixos apodreciam nos tonéis.
A ausência dos ratos contribuía
para instaurar o abandono daquele momento.
Um homem andava, indefinida
e perdidamente, pelas ruas de uma cidade..
Não se sabe como se chama,
o seu desejo e destino.
Um homem, apenas ele, sai
lendo a beleza de um esgoto,
de um fio elétrico,
de uma tarde de inverno.