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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CARLOS FALCK

 

Wamberto Carlos Falck: Salvador (BA), 05.06.1936 — Salvador (BA), 11.03.1964. Formou-se em Jornalismo, em Recife. Trabalhou no Jornal da Bahia e no CEAO (Centro de Estudos Afro-Orientais).  Publicou na revista Thule.

 

 

A PAIXÃO PREMEDITADA: Poesia da Geração 60 na Bahia.  Org. Simone Lopes Pontes  Tavares.  Rio de Janeiro: Imago; Salvador, BA: Fundação Cultural do Estado da Bahia, 2000.  368 p.     (Bahia: Prosa e Poesia)  ISBN 85-312-0737-1  Ex. bibl. Antonio Miranda

 

 

 

AUTORRETRATO

 

Estou em mim e comigo,

tenho o que tenho e não sou

além do vento da tarde

o sentir que se tardou.

 

Vou ao sabor do que sinto

e sentimento é razão,

mas o que não me comove

é somente o coração.

 

Tenho o resto comovido

e por assim diferente

falo de mim sem ser eu

enquanto estou com a gente.

 

Mas ao sentir-me sozinho

volto ao que sou e que fui

enquanto a melancolia

calmamente se dilui.

 

 

SURPREENDIDO AMANHECER

 

Por enquanto, os muros estão brancos

e recolhem os traços das crianças.

Por enquanto, de olhos admirados pela aurora,

os homens imaginam o martírio cotidiano

dos dias completamente vendidos.

E nada resta nesta cidade de esquecidos.

 

A pétala, a dura pétala da flor do tempo,

se deixa possuir, aos poucos, por uma

multidão cada vez mais densa.

A manhã se distende; os sons revelam

que a vida se acumula nos desvãos

de um mundo por demais ameaçado e triste.

 

O provisório de tudo se deixa ver

até pelas crianças que, inadvertidamente,

em vez de desenhos infantis,

escrevem nas paredes os lemas

de uma próxima batalha.

 

 

O MORTO

 

O corpo morde o silêncio

e descobre a solidão;

há quatro rosas (os círios)

nos limites do caixão

 

de branca madeira: pinho

onde insetos invisíveis

constroem um mundo sem ruas,

feito de pó prematuro.

 

O corpo não tem palavras;

tem as linhas frias do rosto

que se fossem decifradas

trariam decepção

 

para as pessoas de bem

que choram; galo cantante

bate nas horas um grito.

O morto é morto e proscrito

 

de suas leves convenções.

Os elos do dia-a-dia

estão rotos e jornais

estão manchados com notas

 

alusivas ao evento.

O morto é apenas momento.

De longe, na madrugada,

alguém se deslumbra e sonha

 

com as sutilezas do morto.

O mais é a roda viva

em contraste, em pranto impuro,

como se fossem de um muro

 

uma grotesca expressão.

Há lâmina de vento frio

percorrendo a escuridão,

há gato, pássaro preso

 

numa gaiola do morto.

Onde se descobrirá

que o morto teve delírios

onde todos viam tristeza?

 

O corpo dança em silêncio

que a morte não tem palavras.

Mas em seus olhos queimados

brilha um ténue filamento:

o morto come o momento.

 

Página publicada em novembro de 2014

 


 

 

 
 
 
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