CAETANO VELOSO
“Sem desfazer de ninguém, Caetano Veloso é o mais criativo e inventivo de nossos letristas. Poeta em tempo completo, em várias dimensões. Experimentalista, radical. Palavra-puxa-palavra, concretista, repentista, cordel culto, clássico popular...Intertextual... Ditirâmbico! Nem dá para entender como consegue ser tão popular se não raras vezes é tão vanguardista, tão contra-sentido, atonal, dissonante? É um jenipapo absoluto, como ele mesmo se autodefiniu:
Como será pois se ardiam fogueiras?
Com olhos de areia quem viu?
Praias, paixões fevereiras
Não dizem o que junhos de fumaça e frio
Onde e quando é jenipapo absoluto?
Eu respondo: com o travo e a doçura do jenipapo!!! E que dizer de seu exílio “debaixo dos caracóis de seus cabelos”, longe de girassóis? No exílio, “looking for flying saucers in the sky” na terra dos Beatles? Eu também estava longe da patria, vendo palmeiras na praia… Caetano me cantava ao ouvido, no desterro.”
Antonio Miranda
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TEXTS IN ENGLISH
Poema (letra de música) de Caetano Veloso usado na parceria musical com Milton Nascimento. Homenagem ao Grande Sertão Veredas, de João Guimarães Rosa.
Visão do bioma Cerrado e detalhe da Canela de Ema,
ilustração científica do artista Álvaro Nunes.
A TERCEIRA MARGEM DO RIO
Oco de pau que diz:
Eu sou madeira, beira
Boa, dá vau, triztriz
Risca certeira
Meio a meio o rio rio
Silencioso, sério
Nosso pai não diz, diz:
Risca terceira
Água da palavra
Água calada, pura
Água da palavra
Água de rosa dura
Proa da palavra
Duro silêncio, nosso pai
Meio a meio o rio ri
Por entre as árvores da vida
O rio riu, ri
Por sob a risca da canoa
O rio riu, ri
O que ninguém jamais olvida
Ouvi, ouvi, ouvi
A voz das águas
Asa da palavra
Asa parada agora
Casa da palavra
Onde o silêncio mora
Brasa da palavra
A hora clara, nosso pai
Hora da palavra
Quando não se diz nada
Fora da palavra
Quando mais dentro aflora
Tora da palavra
Rio, pau enorme, nosso pai
Extraído de SUPLEMEN+O – Suplemento Literário de Minas Gerais. Junho 2008. Edição Especial 100 ANOS GUIMARÃES ROSA.
FORA DA ORDEM
Vapor Barato, um mero serviçal do narcotráfico.
Foi encontrado na ruína de uma escola em construção
Aqui tudo parece que é ainda construção e já é ruína
Tudo é menino e menina no olho da rua
O asfalto, a ponte, o viaduto ganindo pra lua
Nada continua
E o cano da pistola que as crianças mordem
Reflete todas as cores da paisagem da cidade que é muito mais bonita
E muito mais intensa do que um cartão-postal
Alguma coisa está fora da ordem
Fora da nova ordem mundial
Escuras coxas duras tuas duas de acrobata mulata,
Tua batata da perna moderna, a trupe intrépida em que fluis
Te encontro em Sampa de onde mal se vê quem sobe ou desce a rampa
Alguma coisa em nossa transa é quase luz forte demais
Parece pôr tudo à prova, parece fogo, parece, parece paz
Parece paz
Pletora de alegria, u show de Jorge Benjor dentro de nós
È muito, é grande, é total
Alguma coisa está fora da ordem
Fora da nova ordem mundial
Meu canto esconde-se como um bando de ianomâmis na floresta
Na minha testa caem, vêm colar-se plumas de um velho cocar
Cuspo chicletes d ódio no esgoto exposto do Leblon
Mas retribuo a piscadela do garoto de frete do Trianon
Eu sei o que é bom
Eu não espero pelo dia em que todos os homens concordem
Apenas sei de diversas harmonias bonitas possíveis sem juízo final
Alguma coisa está for da ordem
Fora da nova ordem mundial
(do CD Circuladô, 1991)
NO DIA EM QUE EU VIM ME EMBORA
No dia em que eu vim me embora
Minha mãe chorava em ai
Minha irmã chorava em ui
E eu nem olhava pra trás
No dia em que eu vim me embora
Não teve nada de mais
Mala de couro forrada com pano forte, brim cáqui
Minha avó já quase morta
Minha mãe até a porta
Minha irmã até a rua
E até o porto meu pai
O qual não disse palavra durante todo o caminho
E quando eu me vi sozinho
Vi que não entendia nada
Nem de pro que eu ia indo
Nem dos sonhos que eu sonhava
Senti apenas que a mala de couro que eu carregava
Embora estava forrada
Fedia, cheirava mal
Afora isso ia indo, atravessando, seguindo
Nem chorando, nem sorrindo
Sozinho na Capital
Sozinho na Capital
Sozinho na Capital
Sozinho na Capital
TROPICÁLIA
Sobre a cabeça os aviões
Sob os meus pés os caminhões
Aponta contra os chapadões
Meu nariz
Eu organizo o movimento
Eu oriento o carnaval
Eu inauguro o monumento no planalto central
Do país
Viva a bossa-sa-sa
Viva a palhoça-ça-ça-ça
Viva a bossa-sa-sa
Viva a palhoça-ça-ça-ça
O monumento é de papel crepom e prata
Os olhos verdes da mulata
A cabeleira esconde atrás da verde mata
O luar do sertão
O monumento não tem porta
A entrada é uma rua antiga, estreita e torta
E no joelho uma criança sorridente, feia e morta
Estende a mão
Viva a mata-ta-ta
Viva a mulata-ta-ta-ta-ta
Viva a mata-ta-ta
Viva a mulata-ta-ta-ta-ta
No pátio interno há uma piscina
Com água azul de Amaralina
Coqueiro, brisa e fala nordestina e faróis
Na mão direita tem uma roseira
Autenticando eterna primavera
E nos jardins os urubus passeiam a tarde inteira
Entre os girassóis
Viva a Maria-ia-ia
Viva a Bahia-ia-ia-ia-ia
Viva a Maria-ia-ia
Viva a Bahia-ia-ia-ia-ia
No pulso esquerdo bang-bang
Em suas veias corre muito pouco sangue
Mas seu coração balança ao samba de um tamborim
Emite acordes dissonantes
Pelos cinco mil alto-falantes
Senhoras e senhores ele põe os olhos grandes
Sobre mim
Viva Iracema-ma-ma
Viva Ipanema-ma-ma-ma-ma
Viva Iracema-ma-ma
Viva Ipanema-ma-ma-ma-ma
Domingo é o Fino da Bossa
Seguanda-feira está na fossa
Terça-feira vai à roça
Porém
O monumento é bem moderno
Não disse nada do modelo do meu terno
Que tudo mais vá pro inferno, meu bem
Viva a banda-da-da
Carmen Miranda-da-da-da-da
Viva a banda-da-da
Carmen Miranda-da-da-da-da
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VELOSO, Caetano. Letra só. Seleção, organização e prefácio Eucanaã Ferraz. Vila Nova de Famalicão, Portugal: Editora Quasi, 2003. 21 p. 15,5x23,5 cm. ISBN 989-552-014-X Capa: Mimesis, Multimidia Lda sobre fotografia de Mario Cravo Neto, sobrecapa com manuscrito do compositor. Cool. A.M.
MENINO DO RIO
Menino do Rio
Calor que provoca arrepio
Dragão tatuado no braço
Calção, corpo aberto no espaço
Coração
De eterno flerte
Adoro ver-te
Menino vadio
Tensão flutuante do Rio
Eu canto pra Deus proteger-te
O Havaí seja aqui
Tudo o que sonhares
Todos os lugares
As ondas dos mares
Pois quando eu te vejo eu desejo o teu desejo
Menino do Rio
Calor que provoca, arrepio
Toma essa canção como um beijo
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[VELOSO, Caetano]. Sobre as letras. Organização e notas Eucanaã Ferraz. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2005. 79 p. 15x22,5 cm. ISBN 85-359-0429-8 Edição conjunta com o livro “”Letra só”, capa dura, protegido por envoltura plástica.
Inclui comentários e ilustrações alusivos às composições feitas pelo autor. A seguir, uma das páginas da publicação:
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TEXTS IN ENGLISH
MARIA BETHÂNIA
Everybody knows that our cities were built to be destroyed
You get annoyed, you buy a flat, you hide behind the mat
But I know she was born to do everything wrong with all of that
Maria Bethânia, please send me a letter
I wish to know things are getting better
Better, better, Beta, Beta, Bethânia
Please send me a letter I wish to know things are getting better
She has given her soul to the devil but the devil gave his soul to God
Before the flood, after the blood, before you can see
She has giver her soul to the devil and bought a flat by de sea
Maria Bethânia, please send me a letter
I wish to know things are getting better
Better, better, Beta, Beta, Bethânia
Please send me a letter I wish to know things are getting better
Everybody knows that it´s so hard to dig and get to the root
You eat the fruit, you go ahead, you wake up on your bed
But I love her face ´cause it has nothing to do with all I said
LONDON, LONDON
I´m wondering round and round nowhere to go
I´m lonely in London London is lovely so
I cross the streets without fear
Everybody keeps the way clear
I know, I know no one here to say hello
I know they keep the way clear
I am lonely in London without fear
I´m wondering round and round here nowhere to go
While my eyes
Go looking for flying saucer in the sky
Oh Sunday, Monday, Autumn pass by me
And people hurry on so peacefully
A group approaches a policeman
He seems so please to please them
It´s good at least to live and I agree
He seems so please at least
And it´s so good to live in peace and
Sunday, Monday, years and I agree
While eyes
Go looking for flying saucers in the sky
I choose no face to look at
Choose no way
I just happen to be here
And it´s ok
Green grass, blue eyes, grey sky, God bless
Silet pain and happiness
I came around to say yes, and I say
But my eyes
Go looking for flying saucers in the sky
Página publicada em novembro de 2008; ampliada e republicada em janeiro e em maio de 2009.
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