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ASSIS FREITAS FILHO
José de Assis Freitas Filho é poeta, escritor, sociólogo e mestre em Letras (Ufba), nasceu e mora na cidade de Feira de Santana (Ba). Possui três livros de contos editados: O Mapa da Cidade (1998), O Ulisses no supermercado (2009) e O ano que Fidel foi excomungado (2012). Lançou em janeiro de 2013 o livro “Poemas de urgência para súbitos desalinhos” pela Editora Multifoco. Edita os blogs arvoredapoesia.blogspot.com e mileumpoemas.blogspot.com.
HERA 1972-2005. Antonio Brasileiro et al.. organizadores. Salvador, BA: Fundação Pedro Calmón; Feira de Santana, UFES Editora, 2010. 712 p. fac-símile. ilus. (Memória da Literatura Baiana). ISBN 978-SS85-99799-14-7 Ex. bibl. Antonio Miranda
A BALADA DE VICTOR
Eu não sei.
Avanço por um campo
sem horizontes,
sem remorsos, sem saudades.
Todos os amigos se foram
e eu fiquei aqui:
colhendo os vestígios
de uma sombra.
E não há mais o que fazer.
Senão reunir os fantasmas
em torno da fogueira
e cantar um hino
para o meu filho que chora.
GÊNESIS
Amanheci em janeiro.
Da terra garimpavam ilusões
e quando os céus se fecharam
em tempestade, meu ventre
espargia de felicidade.
Não conheci idade menor.
Cresci como um galho de árvore
a quem sabe que destino
a natureza já ditou.
SOLILÓQUIO
Nada perdi.
Encontrei-me. Só e resignado.
Silvo de uma flecha no ar.
Companheiro absoluto do tempo:
ah! este vento que sempre passa.
AS CORES QUE DESENHEI
Amor, ó princesa,
(eis a nuvem)
é luz a findar no peito
azul quase perfeito
tudo que existe no desejo
— alheio a mim e a ti.
GITANO
p/Amarino
O Caminho de Santiago
já não tem trilhas,
nem curvas, nem retas.
Tudo caminha por um mar
desavisado de silêncio
que Deus solidificou
com um sopro benfazejo.
HERA 20 – Abril 2005. Direção: Roberto Pereyr. Capa: Juracy
Dórea. ISSN 9191-1065 Ex. biblioteca de Antonio Miranda
CORREIO SENTIMENTAL
Cumpro informar
— ó delicada senhora —
que exangues
continuam
os meus dias
desde que um
alvoroço de olhares
permita-me
ainda que seja
a última vez:
o sopro da nossa voz
o arrepio dos vossos passos
o fremir de vossa mão
— ó delicada senhora —
é com atenção
e venerável apreço
que ainda vos peço
a pequena permissão:
saudar com beijos
a saudade que vos tenho.
O BOM SENSO
vamos passear
é terça-feira
já não existem passeatas
moças passam apressadas
garotos-de-serviço trazem toda papelada
de porto alegre
uma cidade perambula
e meu filho que estudar inglês
OS DEDOS
paulina veste vermelho
doida de pedra
PARA KUROSAWA
quero me casar na primavera
e instalar o Linux no escritório
quero ver nas vitrines
painéis de picasso e Portinari
e gravar essas imagens em cd
quero aprender o mundo a linguagem e wittgenstein
na estante
o rádio
)eu quebrei o jarro
eu matei a flor(
quero sonhar
e morrer
FLASH-BACK
primeiro penso um rio
sobre o rio
uma ponte (pênsil?)
embaixo da ponte
mulheres lavando roupa
depois de tudo construído
imagino ser Van Gogh
Van Gogh sem orelha
pintando a eternidade
MOTO-CONTÍNUO
quando percebi
estavas em meus olhos
e o corpo inteiro não podia resistir
estavas estrela a consumir
todo o horizonte da existência
quando percebi
estavas absoluto no abandono da paixão
luzidia no fulgor da carne e do desejo
estavas alva e terna feito lembrança
sonho que se repete e não tem fim
quando percebi
*
Página ampliada e republicada em março de 2024.
Página publicada em janeiro de 2019
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