ARTHUR DE SALLES
(1879-1952)
Artur Gonçalves de Sales (Salvador, 7 de março de 1879 — Salvador, 27 de Junho de 1952) foi poeta, traductor e escritor brasileiro. Em 1905 forma-se pela Escola Normal da Bahia. Em 1908 é nomeado bibliotecário da Escola Agrícola da Bahia, situada na vila de São Francisco do Conde. Publica seus poemas em diversas revistas da Bahia. Por essa época, participa dos serões, dos recitais de poesia na casa de seu tio Martinho Gonçalves de Salles Brasil, ao lado de seu pai, Severiano, da poetisa Amélia Rodrigues, dos Balthazar da Silveira, dos Mangabeira etc.
A Revolução de 1930 fechou os Aprendizados e fez com que o poeta caísse em disponibilidade não-remunerada. Em 1935 é nomeado para o mesmo cargo de professor adjunto, para o Aprendizado de Quissamã, Sergipe.
Enquanto estava em disponibilidade, foi ensinar no Instituto Baiano de Ensino de seus antigos condiscípulos Hugo e Giraldo Balthazar da Silveira. Leccionou português, francês e história.
Arthur de Salles foi Imortal da Academia Baiana de Letras, ocupando ali a Cadeira de número 3, que ocupou até sua morte, em 1952.
Aposentado não se divorciou da vida literária de sua província. Participou ativamente do movimento Nova Cruzada, aproximou-se dos jovens promotores de "Arco&Flexa", freqüentava as reuniões da ALA (Ala das Letras e das Artes).
Filiado à Associação Brasileira de Escritores, era presidente da seção da Bahia, quando, em 1948, se realizou em Salvador um congresso nacional promovido pela entidade. Foi um dos fundadores da Academia de Letras da Bahia
Sua produção literária vai de 1901 até 1930.Fonte:
Fonte: http://granelandia.blogspot.com
“Marcado, inicialmente, pelo Simbolismo e passando, em seguida, por uma experiência parnasiana, não cultivará a impassibilidade. Nos momentos mais felizes de sua poesia, e que não são poucos, Arthur de Salles conseguiu a perfeita consonância, a que se refereGiu MIchaud, entre a música do verso e o seu conteúdo.” CLÁUDIO VEIGA
PORTUGUÊS - FRANÇAIS
VEIGA, Cláudio. Sete Tons de uma Poesia Maior - Uma leitura de Arthur de Salles. Rio de Janeiro: Record, 1984. 138 p. 14x21 cm.
LÚCIA
Lúcia chegou, quando do inverno o tredo
Vento agitava o coqueiral vetusto.
Vinha ofegante, e pálida de susto,
E trêmula de medo...
.
Ah! quanto beijo e quanto riso ledo
Deu-me o seu lábio, rúbido e venusto!
Quanto divino sentimento augusto,
Quanto infantil segredo!
.
Lúcia partiu... E aquele riso doce
Lúcia levou! A casa transformou-se
Num sepulcral degredo.
.
Se o vento agita o coqueiral vetusto,
Inda a recordo: pálida de susto
E trêmula de medo...
PÚRPURAS
Na púrpura do Verso o ouro do Sonho ardente,
Fio a fio, teci. Era manhã! Radiava
Em pleno azulo meu belo sol adolescente.
E o meu Sonho, a essa luz, resplendia e cantava.
Como a enrediça, a vida, indomada e ascendente,
Por minha mocidade em mil voltas serpeava.
E tudo, no esplendor de um mundo renascente,
Sonoro, multicor, multímodo, vibrava.
Musa, que não gemeu flébil, magoada e langue:
Vivaz, tonto de luz, salta o primeiro verso,
Ao primeiro rebate estuoso do meu sangue.
Ó selvas tropicais! Ó sonoras luxúrias!
Mundo excelso do Sonho, esvoaçando, disperso,
No incontentado ardor dessas rimas purpúreas!
SUB UMBRA
Levo o passo, hora morta, através da sombria
Soledade feral desta antiga abadia.
Fumosos lampiões nos corredores ermos
Lançam frios clarões palescentes e enfermos.
E vai comigo a noite e a cisma. Um vão lamento
Enche lá fora a treva. É o sussurro do vento
Que vem, vaga desfeita, inéxcita, rolando
E nas sombras claustrais vagamente expirando.
E no silêncio de novo, o astro silêncio. A forte
E fria sensação terebrante da morte
Desce destes glaciais lampiões morrediços,
Vem dos traços de sombra esguios, movediços
Que se alongam no chão de lápides marcado
E dançam no brancor expectante e gelado
Destas paredes ancestrais. Oh! estas riscas
De sombra, tateando estas paredes priscas!
Letras de ignota mão que traceja o problema
Do ser e do não ser, da dúvida suprema?
Geometria do nada? Eis que a sombra recua
E a parede aparece inteiramente nua.
E na sua mudez fria, rígida e calma
Fala-me: Tudo é vão, tudo é vão, menos a alma.
Menos a fé no além. Menos essa esperança
De outra vida de paz e bem-aventurança.
Menos essa beleza, a suprema beleza
Da renúncia de tudo, a heróica fortaleza
De fazer do silêncio a divina guarida.
Tudo mais, sombras vãs na parede da vida.
TROVAS
O coração que não ama
é como noite sem lua,
é como um barco sem vela,
sozinho, na praia nua.
***
Quando te vejo fiando,
palpita meu coração...
Ai fuso que é minha vida,
girando na tua mão.
***
Sou pescador sem ventura,
desgraçado pescador:
Lanço a rede da alegria
e apanho o peixe da dor.
***
Livrei-me da tempestade,
da cerração, dos escolhos.
Ma acabei naufragando
no recife dos teus olhos.
MORS AMOR
Nesses tremendos círculos da vida
Erras, clamando, aflita e delirante.
Ao céu levantas a alma soluçante,
De preces e de súplicas ungida.
Dentro do teu clamor exulcerante,
Sem rumo e só, de dores combalida,
Vagas por esses círculos, perdida,
E giras nesse sorvedouro estuante.
Buscaste o amor; e o mundo era um deserto!
Teu coração, de lágrimas coberto,
Em vão gritou por quem o acalentasse.
O amor nos ermos corações morrera
— Árvores augusta, em plena primavera,
Que um sol maldito e bárbaro queimasse!
O DENDEZEIRO
Fincado no cabeço escalvado do outeiro,
Vasto, ruidoso, e belo, aquele dendezeiro
Agita e move no ar o víride penacho.
Brilha, cor de ouro fosco, um apinhado cacho.
As palmas, retremendo, ao sol da tarde mansa,
Luzem lucilações de lâmina de lança.
Mundo agreste e confuso e vário de epífitas,
De cactos purpurais, bromélias, saprofitas,
Enreda, trança, tece, em complicado liame,
Pouco acima do pé, o basto raizame...
E víride, vivaz, enorme e denso, em roda
Da palmeira, afogando-a e constrangendo-a toda,
Visto de longe, à luz da tarde que se eola,
Da qual o dendezeiro , emergindo, tranqüilo,
É o estranho, colossal, gigantesco pistilo.
SALLES, Arthur de. Sangue máo. Poema. Salvador, Bahia: Imprensa Official do Estado, 1928. 108 p. 14x23 cm. Peça teatral em versos. Col. A.M.
No promontório de Passé que galga os ares,
Como uma vaga immensa arrojada do fundo
Tenebroso dos mares,
Nos convulsivos dias primitivos do mundo.
Como uma vaga verde parada,
Sorrindo sobranceira
Para esse mar que se lhe estende aos pés,
Fervendo, amplo e estouraz, tentando aluil-a inteira,
Leval-a satisfeito, dispersada
No tumulto revolto das marés.
A costa é irregular, escancellada e obscura,
Sem praias de areal de acenosa brancura,
Sem penedias escarpadas,
Sem o épico das rochas empinadas,
Torreando na altura.
O casario dos pescadores
— Bustos do pobre mollusco humano
E' uma centena de tejupares,
Acocorados pelos pendores,
Disseminados pelos oiteiros,
Pela beirada das praias curvas.
Uns, branquejantes e alviçareiros,
Abrem sorrindo para o oceano,
Como essas velas triangulares
Dentro do vago das manhans turvas.
Uns sobranceiros da vasa escura
Alvejam no alto como as ermidas.
Uns rastejando pela planura
Como carcassas apodrecidas.
Estes suspendem, quasi prostrados,
Num gesto brusco de ultimo esforço,
Pendentes, rotos e traspassados
Da agua, dos ventos desaiçamados,
Oitenta invernos no pobre dorso.
Esses, de graves feições amigas,
Rosto de um longo sonho tenaz,
Lembram cansaços, lembram fadigas,
Pedindo trégua, pedindo paz.
Daquelle esconso, de torvo aspecto,
A poucos passos do lamarão,
Tombam pedaços puídos do tecto,
Ruem paredes de bofetão.
No entanto, a vida pullula e cresce,
No desabrigo daquelle abrigo,
Como os crustáceos alli na vasa...
Elle risonho de rosto amigo
E ella formosa canta e floresce,
Dentro daquelle trapo de casa.
Aquelles pendem desaprumados, rudes e austeros,
Como vontades dominadoras dos desesperos,
Das intempéries, das inclemencias.
Velhas e surdas impenitencias,
Dizem, numa ânsia douda de vida, quasi a tombar:
Mais grito ao vento, mais raiva ao mar.
Alçada sobre o monte
Olhando o mar lá em baixo, aromando o horizonte,
Velha, trisecular, branca de longe, a igreja,
Voz do Céo, abençoa
E guia aos que se vão, quando a noite negreja,
Aos trancos e aos sacões numa frágil canoa...
Levantaram-na alli, entre a selva eriçada
E a costa escancellada,
Os bandeirantes da sagrada Companhia,
Como um marco de Deus pela terra bravia. .
Mas vae tombando aos poucos, solitária, esquecida
Como o sol no deserto, como barca partida.
Como sentindo ao longe o cheiro das ruínas,
Vieram pousar alli, leves e pequeninas,
Sementes da gigante e basta gamelleira.
Em breve, é a selva inteira,
Selva tentacular, selva atroz e piedosa,
Multiplicando a ramaria rumorosa.
Já se estendem no tecto os cordões complicados,
Já descem, já se vão, crespos, multiplicados,
Enroscando aos portaes e ás traves. Já suspenso;
No ar da nave, elles vêm, coriaceos, extensos,
—Cordoalhas bambeando ao vento — se estirando
Até ao solo. E dahi se esgueirando
Galgam de novo a altura.
A selva abafa a ruina em ondas de verdura.
Os troncos vêm descendo através das paredes
Rachando-as do alto a baixo. E em serpentinas'redes
Os vivazes cordões, como giboias, cingem
Os velhos nichos e em seus cingulos constringem
A columnata dos altares desluzidos.
Rolam no chão da nave os castiçaes partidos
E pedaços de tecto. E a vida canta e cresce,
Desabrocha na flor que nos recorda a prece,
Voa subtil no aroma, evocação do incenso,
Geme na ramaria, onde funda de immenso
Orgam que ninguém vê, resando a psalmodia
Sobre aquella agonia. . .
PORTUGUÊS - FRANÇAIS
Extraído de
FRÓES, Heitor F. Meus poemas dos Outros. Traduções e versões. Bahia, 1952. 312 p. Ex. bibl. Antonio Miranda
OCASO NO MAR
O céu, a valva azul de uma concha semelha,
De que outra valva é o mar ouriçado de escamas.
No ponto de junção o sol — molusco em chamas
Do abismo estende no ar a incendida centelha.
Listões de intenso azul, raias de cor vermelha,
Grandes manchas de opala, arabescos e lhamas,
Da luz todos os tons, de cor todas as gemas
Vibram na valva azul que a valva verde espalha.
Mas todo esse fulgor esmaece e se apaga,
Tímido, o olhar do sol boia de vaga em vaga,
Porque uma sombra investe a sua concha enorme.
É a noite: ... Como um polvo insidioso, se eleva,
Desenrola os seus mil tentáculos de treva...
E o sol, vendo-o crescer, fechas as valvas e dorme.
COUCHANT SUR LA MER
Trad. Heitor P. Fróes
L´azur est une valve enorme de coquille
Dont l´autre valve, verte, est l´océan crispé;
À leur jonction Phébus — un mollusque embrasé —
Du gouffre jette en l´air son flambeau quei scintille.
Des raies où le vermeil ou le violet frétille,
Et des tache d´opale ou d´un ton bigarré;
Des profils d´animaux — tour vibre ressemblé
Dans la valve d´azur quei dans le verte brille.
Timide le soleil erre de flot en flot,
Et, comme son écalt va s´éteindre bientôt.
Sur la coquille, em plein, coule une ombre de mort: —
La pieuvre de la nuit! ... Et lorsqu´elle déroule
Ses tentacles noirs et les disperse en foule,
Lee soleil, rapprochant les deux valves, s´endort!
Página publicada em abril de 2008; ampliada e republicada em setembro de 2013., ampliada em dezembro de 2017 |