ANTONIO BRASILEIRO
Pintor e poeta baiano. Mais de vinte títulos de poesia publicados.
“Dir-se-ia que a voz do poeta, filtrada pelo sentimento do eu lírico, amplia-se à medida em que encontra ressonância no sentimento do mundo. (...) A inquietação de estar no mundo permeia esta poesia. Uma poesia metafísica, no sentido mesmo de perplexidade frente ao mistério da existência, da inutilidade de todas as coisas diante do tempo que passa, inexorável, em seu eterno fluir. A ironia como que a mascarar a angústia de saber que o canto é tão inútil e tão necessário e que nesta festa de dançarinos entediados, somos grãos de areia na ampulheta, sozinhos, frente à eternidade das coisas tão perenes, quando a vida é apenas um susto...” Myriam Fraga
Poemas extraídos de sua antologia pessoal POEMAS REUNIDOS (Salvador: Secretaria de Cultura e Turismo, FUNCEB, 2005), uma recomendação de nossa amiga Aida Varela Varela, da Universidade Federal da Bahia.
Convidado oficial da I Bienal Internacional de Poesia de Brasília, participa da antologia POEMÁRIO da I BIP.
TEXTOS EM PORTUGUÊS / TEXTOS EN ESPAÑOL
ANOTAÇÕES DO IMEMORIADO
A consciência, fiapo de quê,
no mar da alma?
(E o ter que contar os meus segredos,
que eu mesmo guardei
e esqueci.)
O SIM & OUTROS ACHAQUES
A vida inteira anulada
por falta de outros desígnios,
eis que voltamos ao parque
onde os homens se congregam:
ninguém jamais sabe ao certo
onde o sim das grandes aves,
singramos por mares mansos
que julgáramos esquecidos —
mas eis que a vida se perde
por falta de outros desígnios.
Ou não se perde: é só isto.
NUANÇA
Meus caminhos, meus mapas,
meus caminhos.
Tudo está em ordem
em minha vida.
Como se faltasse
alguma coisa.
CÁLICE
A vida não tem roteiros,
só velas que nos acenam
do mar.
Escuta, amiga,
o desfiar das horas:
elas te dirão é tua
é tua a vida.
Toma-a (como se toma
um cálice de rosas)
na mão.
SONETO DO AMOR PROFANO
Não me consinta o amor tanta alegria,
pois, por não merecê-la, me constrange
o peito (já uma dor, não longe, me
sussurra que este amor sem agonias
não há de consentir em tanta graça),
eis que, perdidamente, já pressinto
— e quanto, e quanto — que em amor, perdidos
todos os lances, não há como obtê-lo
de outro modo que não por sacrifícios /
e eis que este, pois, gratuita dádiva,
me chega às mãos de um modo tão profano,
que quase certo estou de que, se o tenho,
já não o tenho por justo e dadivoso
mas por amor que é fruto só de engano.
E não me engana um amor quando enganoso.
CEM ANOS
Vejo mãos que me folheiam
buscando-me a fisionomia —
mas já passei, agora
sou apenas poesia.
Vejo rostos que me amam
tentando saber quem fui —
sou um retrato, miragem
que o tempo dilui.
Vejo braços que me acenam
chamando-me insistentemente —
para que, se a folha que passa
passa tão de repente?
CONCERTO P/ FLAUTA DE CANUDO DE MAMÃO
Vou cativar um beija-flor.
E sairemos por aí:
ele faz poesias, eu vôo.
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A NOITE DAS NOVE LUAS
- Deixai-me com meus lírios e minhas luas.
Andar é sempre a mesma
luz
à frente.
Vou explodir com os planetas
vou seguir a rota das galáxias
ai amor
estou prestes a me dissolver
no ar.
Mas deixai-me com meus lírios
e interlúdios
nestes mares nunca mares calmos mares.
- Deixai-me com meus lírios
e sonetos.
Vou explodir de luz um dia desses,
amiga, um dias desses.
Deixai-me com meus lírios
e sonetos.
Hás de me encontrar
insone e louco
no meio dos trigais da inconsciência,
ai, declamando
os versos que Van Gogh
não escreveu.
ARTE POÉTICA
Meus versos são da pura essência
dos poemas inessenciais.
Nada dizem de verídico
não querem nada explicar.
Não narram o clamor dos peitos
não encaram a dor do mundo.
Se por vezes falam alto
é por puro gozo, júbilo.
humor que brota de dentro
como se movem os astros.
Eles, meus versos, são pura
floração de irresponsáveis
flores nascidas nos mangues,
por nascer — mas multicores,
lindas, não importa que os homens
as conheçam ou não conheçam.
(A Pura Mentira, 1982)
TUDO QUE SOMOS
Tudo que somos,
pouco sabemos.
Um poço imenso,
cheio de sonhos.
Quando choramos,
não nos perdemos.
Viver é um sonho,
Não esqueçamos.
Viver é a sombra,
o assombro, o apenas.
/ Tão frágeis somos!
Frágeis e imensos.
CONTEMPLAÇÃO DA NUVEM
p/ Luis Alberto
a vida é a contemplação daquela nuvem.
E o mundo
uma forma de passar, que inventamos
para não ver que o mundo não é o mundo,
mas uma nuvem
passando.
E uma nuvem passando
ensina-nos mais coisas que cem pássaros
mil livros um milhão de homens.
A vida é a contemplação daquela nuvem.
E o mundo
uma forma de passar, que inventamos
para não ver que o mundo não é o mundo,
mas uma nuvem.
Passando.
(Cantar de amiga, 1996)
BRASILEIRO, Antonio. Lisboa 1935. Itabuna, BA: Mondrongo, 2015.
166 p. 13x19,5 cm. Capa: Ulisses Góes. Ilustrações internas: Antonio Brasileiro. ISBN 978-85-5557-014-8 Ex. bibl. Salomão Sousa
“ O que faz o encanto da poesia de Antonio Brasileiro é ser tão intensamente lírica e ao mesmo tempo tão completamente ligada aos acontecimentos exteriores. Dir-se-ia que a voz do poeta, filtrada pelo sentimento do eu lírico, amplia-se à mediada em que encontra ressonância no sentimento do mundo. “ MYRIAM FRAGA
A BENÇÃO
As cartas de meu pai eram singelas.
Diziam só as coisas triviais:
Como vai, filho? Seus estudos vão bem?
Vamos em paz. Sua mãe manda lembranças.
A benção do
Seu Pai.
E, num p.s. — Seguem cem mil reis.
À sua morte, herdamos: três bengalas,
o relógio de bolso, uma agenda de notas
e um par de chinelos que nem foi usado.
Não importa.
Onde ele está soe se andar descalço.
DÍSTICOS
Há os silêncios ocultos
e o não ter o que dizer.
Há o vulto dos passados
e a consciência calhorda.
A corda para enforcar
sustém o sinos da igreja.
Não há consertar o mundo:
o mundo é um desconcerto.
Há as tuas e as minhas raivas
e os meus e os teus perdões.
Ao cabo somos nós mesmos
inventando as soluções.
De
DEDAL DE AREIA
Rio de Janeiro: Garamond, 2006
ISBN 85-7617-78-7
A ESPUMA DAS COISAS
A grande ilusão do insustentável.
O lama e os não-desejos.
A imensidão de um cosmos de brinquedo.
O estrelejar do hoje versus
o princípio. Ou o
precipício.
Sossega, peito meu, és só a espuma
das coisas vãs gozadas uma a uma.
MNEMÓSINE REVISITADA
/ A memória do homem, coisa simples.
Esquece-se de que somos esquecidos
e cheios de saudades.
Saudades do que fomos e o que somos,
já esquecido em socavões de tardes.
Como se hojes fossem inacabáveis
e não viessem cobri-los outros sonos.
Ingratidão, memória, é teu nome.
/ Tudo que somos vai virar saudade
(não importa o peso, a pluma, a asperidade)
de tudo que não fomos — e, eis, esplende.
O ESTIOLAR DAS COISAS
Os sonos estão parados
no portal do amplo oceano.
Eis meus touros minotauros
envoltos em vis novelos.
E a lágrima perdida
no amplíssimo deserto?
O OFÍCIO
No fim dos tempos,
vou estar numa casinha de palha,
uns livros, um lápis,
papel almaço, a alma pura
e uns rabiscos pra ninguém ler,
só
me confessar.
Ao deus dentro de mim, primeiramente.
E a quem não interessar possa.
QUADRA
Se alguém me espera?
Quem dera.
Se o bonde veio?
Mas cheio.
Se ganhei na vida?
Feridas.
Não vai dar? Deixa
estar.
BRASILEIRO, Antônio. Os três movimentos da sonata (1968-1977). Poesia. Rio de Janeiro: Civilização Brasielira; Brasília: INL, 1980. 95 p. (Coleção Poesia Hoje, v. 39). 14x21 cm. Col. A.M.
HYBRIS
Quando se desvelar a minha face,
a verdadeira
face
(estampada na nuvem? não:
cravada
num espelho de aço, irremovível)
vós sabereis quem sou, que faço nesses lados
ante o silêncio dos deuses —
com uma pedra
na mão.
DIRRITMIA
l. Ei-los que partem
como num sonho e partem
e partem novamente e partem partem -
e a mim (a mim) só a partida conta,
pluripartinte, filme que repete
a mesma cena:
2. visão de um mundo
todo, Todo, várias vezes todo, preso
pelo rabo a fazer voltas
em si, fim e princípio e fim e princípio
e fim...
ESTUDO 179
Quero fazer um poema reto.
Sem emoções — que essas nos embaçam.
Sem sutilezas semânticas ou glaxúrdias
Gramáticas.
Quero fazer
um poema simples, sem sentido.
(Que o essencial não tem sentido.)
Quero escrever como se uma árvore .
soubesse olhar as nuvens: um poema
que só por existir se explique e me explique.
BRASILEIRO, Antonio. Pequenos assombros (1998-2000). 2ª. Edição. Feira de
Santana, Bahia: Edições Cordel, 2004. 59 p. 12x18 cm. Coleção Poiuy, 13)
Capa Abrasileiro. “Edição especial em homenagem aos 60 anos do poeta.” Ex. bibl. Antonio Miranda.
8.
Poeta, a eternidade
é só o instante em que se pousa
o lápis.
ESTRADAS PLANAS
1.
A sombra da tarde imensa
— e certas vidas esconsas.
Os grandes subterfúgios
— onde, nas tardes, se escondem?
Eis que a tarde passa e esplende;
tons de escuro
Tingem a barra do horizonte.
Quem nos chama?
2.
A tarde seus olhos bons —
nos vela. Estradas planas
se perdem, nem tudo é longe:
às vezes é uma saudade
que nos encanta. Ser homem
é estar na tarde.
3.
Na vastidão das coisas findas,
o homem imprime seu sonhos de ficar.
E fica.
O SIM & OUTROS ACHAQUES
A vida inteira anulada
por falta de outros desígnios,
eis que voltamos ao parque
onde os homens se congregam:
ninguém jamais sabe ao certo
onde o sim das grandes aves,
singramos por mares mansos
que julgáramos esquecidos —
mas eis que a vida se perde
por falta de outros desígnios.
Ou não se perde: é só isto.
ANOTAÇÕES DO IMEMORIADO
Há uma rua e um erro,
e o mar sem nenhum regresso.
Edificamos no vento
é o que nos resta.
E esta flor amarela
no jarro.
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TEXTOS EN ESPAÑOL
Extraídos de
ANTOLOGÍA DE LA POESÍA BRASILEÑA
Org. e trad. de Xosé Lois García
Santiago de Compostela: Laiovento, 2001.
ISBN 84-8487-001-4
LA NOCHE DE LAS NUEVE LUNAS
- Dejadme con mis lirios y mis lunas.
Andar es siempre la misma
luz
al frente.
Voy a explotar con los planetas
voy a seguir la ruta de las galáxias:
ay amor
estoy dispuesto a disolverme
en el aire.
Pero dejadme con mis lirios
e interludios
en estos mares nunca mares tranquilos mares.
- Dejadme con mis lirios
y sonetos.
Voy a explotar de luz un día de estos,
amiga, un día de estos.
Dejadme con mis lirios
y sonetos.
Me encontrarás
insomne y loco
en medio de los trigales de la inconsciência
ay, declamando
los versos que Van Gogh
no escribió.
ARTE POÉTICA
Mis versos son de la pura esencia
de los poemas inesenciales.
Nada dicen de verídico
no quieren explicar nada.
No narran el clamor de los pechos
no encaran el dolor del mundo.
Si a veces hablan alto
es por puro gozo, júbilo:
humor que brota de dentro
como se mueven los astros.
Ellos, mis versos, son pura
floración de irresponsables
flores nacidas en las marismas,
por nacer pero multicolores,
hermosas, no importa que los hombres
las conozcan o no las conozcan.
(A Pura Mentira, 1982)
TODO LO QUE SOMOS
Todo lo que somos,
poco sabemos.
Un pozo inmenso,
lleno de sueños.
Cuando lloramos,
no nos perdemos.
Vivir es um sueño,
no lo olvidemos.
Vivir es la sombra,
el asombro, el apenas.
/¡Tan frágiles somos!
Frágiles e inmensos.
CONTEMPLACIÓN DE LA NUBE
p/Luis Alberto
La vida es la contemplación de aquella nube.
Y el mundo
una forma de pasar, que inventamos
para no ver que el mundo no es el mundo,
sino una nube
pasando.
Y una nube pasando
nos enseña más cosas que cien pájaros
mil libros un millón de hombres.
La vida es la contemplación de aquella nube.
Y el mundo
una forma de pasar, que inventamos
para no ver que el mundo no es el mundo,
sino una nube.
Pasando.
(Cantar de amiga, 1996)
IARARANA – revista de arte, crítica e literatura. Salvador, Bahia; 8 – 2002-2003. 80 p. ilus. Ex. bibl. de Antonio Miranda
POUR QUE LES JOURS NE SOIENT PAS UNIQUEMENT BREFS
Traducteur: Dominique Stoenesco
pourquoi cette necessite de vivre
alors que nous n´opérons qu´um passage
entre la Beauté et l´ennui,
il faut reconnaître nos faiblesses;
car vivre est de fait une necessite
le reste n´est qu´invention de poètes.
Le reste — la poésie et la mort, la quiétude
et l´abandon – et ce que qu´invente l´oisiveté
pour que les jours ne soient pas uniquement brefs
(Antologia poética, 1996)
*
VEJA e LEIA OUTROS POETAS BRASILEIROS EM FRANCÊS:
Página republicada em dezembro de 2007
Página ampliada e republicada em junho de 2008. Página ampliada em março de 2018.Página ampliada em abril de 2018.
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