ANTONIO Carlos de Oliveira BARRETO
Antonio Carlos de Oliveira Barreto, baiano de Santa Bárbara, é cordelista dos bons, dos melhores. Eu o conheci em Cartagena de Índias, na Colômbia, durante o 18º Festival de Poesia daquele cidade fantástica debruçada sobre o mar do Caribe, com sua cidade colonial amuralhada e a silhueta de grandes edifícios no istmo diante de praias mornas e transparentes!!! Participamos do evento e dialogamos dias seguidos sobre a poesia de cordel brasileira que ele divulgava em terras estrangeiras, recitando e cantando aboios e “embolando” versos para um público curioso pela novidade, embora existam por lá poetas que fazem improvisos e decassílabos de origem ibérico comuns com a nossa cultura...
Doou-me alguns de seus (muitos) folhetos de cordel e gravamos alguns vídeos para o nosso Portal de Poesia Ibero-americana. Eu, maranhense, envergonhado por não saber versejar na mesma vertente nordestina... Muitos fazem isso, sem muito talento... Mas Antonio Barreto é mesmo dos melhores!! Confiram aqui...
ATIREI O PAU NO GATO?!, poema infantil (cordel) de Antonio Barreto>>
Veja mais em: https://barretocordel.wordpress.com/
BARRETO, Antonio Carlos de Oliveira. Canto lírico de um sertanejo. 2ª. edição. Salvador, BA: Edições Akadicadikum, 2005. 8 p. (Literatura de Cordel) 10,5x14,5 cm. “ Antonio Barreto “ Ex. bibl. Antonio Miranda
Sou do seio das catingas
lá das bandas do sertão
carrego na veia a essência
dos acordes do azulão
do açum preto o sustenido
da cigarra o alando
da coruja a solidão.
Sou o Pajé lá da floresta
o Xamã buscando a cura
de toda fenda aberta
da mais profunda loucura
sonho eterno de menino
eu sou o badalar do sino
e o doce da rapadura
Bode deserto no pasto
apartado do rebanho
Asa Branca em retirada
cobra que não tem tamanho
o tatu-bola escondido
um lobisomem sofrido
assanhaço sem assanho
Sou caipira itinerante
águas velozes do rio
bem-te-vi anunciando
que andorinha está no cio
o verão queimando a mata
um cachorro vira-lata
todas as noites de frio
Galo da crista vermelha
no seu despertar da aurora
berro do garrote magro
que o verão então devora
canário longe do ninho
voando sempre sozinho
desde as lonjuras de outrora.
Urubu buscando a presa
papagaio falador
gavião beijando as nuvens
inocente beija-flor
sou preguiça descansando
nessa estrada passeando
sem inveja do condor
Galope incansável sou
do meu cavalo alazão
gozando da liberdade
indiferente à razão
que vai tangendo a boiada
numa longa caminhada
nos capinzais do sertão
Todo sol de primavera
com seus raios de esperança
colorindo a nostalgia
esturricando a lembrança
incendiando o amanhã
das aves de 'arribaçã'
e do meu sonhar-criança.
Eu sou o arrebol primeiro
com a corneta da alegria
convocando a passarada
a mais uma sinfonia
sou também o entardecer
e o escarlate-morrer
vestido de poesia
Sou o amor dos inocentes
o vento abrindo janela
soprando nos meus ouvidos
que vai chegar Cinderela
promessas de uma princesa:
la belle de jour surpresa
que ainda espero por ela
Sou a sanfona do "Lua”
pondo estrelas a dançar
espada de Virgulino
querendo sangue inventar
Conselheiro na ideia
coisas do arco da "veia"
tentando me alucinar
Sou a imensidão do açude
suas águas cristalinas
lágrimas desatinadas
escorrendo nas colinas
todo o frio das invernadas
a solidão das manadas
as serpentes assassinas.
Picula, bumba-meu-boi
dança de roda ao luar
saci-pererê no mato
sou vaga-lume a piscar
cobra cega vendo tudo
sou caipira e não me iludo
colorindo meu sonhar.
Sonhar de pombo-correio
levando cartas de amor
atravessando caatingas
no seu singelo labor
fugindo lá das montanhas
realizando façanhas
com destino a Salvador
Umbuzeiro solitário
contando estrelas no céu
mandacaru sem espinhos
a coivara em fogaréu
um tição de fogo aceso
e este mundo todo preso
debaixo do meu chapéu
Sou o aboio dos vaqueiros
pelos ventos da alegria
nessa estrada empoeirada
seja noite, ou luz do dia
eu sou o berro da manadas
as estrelas prateadas
a viola e a cantoria.
O cantar de um menestrel
a flauta de Pan chorando
a gaita com seu lamento
a primavera chegando
o canto do bacurau
o Sítio do Pica-Pau
em meus sonhos habitando.
Sou o mistério luminoso
do pequeno vaga-lume
brincadeira de cometas
das rosas todo o perfume
sou a solidão das rochas
o fogo aceso das tochas
das noites todo o negrume
As vestes das nuvens brancas
traduzindo calmaria
derretendo-se no solo
e arejando a escadaria
de Santa Bárbara amada
a Pasárgada comparada
para me dar moradia-
Cavaleiro, anjo de luz
nesse abrir-fechar porteira
explorando meu sertão
com bravura e brincadeira
mas logo se alguém se atreve
lanço fogo, água e neve
saco da espada guerreira.
Eu sou menino-ancião
porta aberta pró mistério
magia de Salomão
matuto falando sério
um compulsivo do estudo
querendo saber de tudo
mas às vezes sem critério.
Rodas do carro-de-boi
nas estradas do sem fim
com seu gemido sem cura
acenando adeus pra mim
apagando da memória
a doce infância de glória
desse louco querubim.
Eu sou uma casinha branca
cercada pela alegria
encoberta de esperança
que o futuro já anuncia
o chegar da primavera
e também da Nova Era
na mais perfeita harmonia.
Sou o breu que banha a noite
de suspenso e de mistério
segredos da madrugada
silêncio do monastério
alarido dos pardais
a dança dos bambuzais
no tablado do etéreo.
Meu avô tirando leite
na vaquinha holandesa
canarinho na cancela
com seu canto de surpresa
minha avó fazendo renda
minha mãe com sua prenda
colorindo a farta mesa.
Minhas irmãs no varal
meus irmãos lá no roçado
abraçados à enxada
e também puxando arado
semeando seu sustento
desprovidos de lamento
tendo a sorte do seu lado.
Do jacarandá eu sou
fortaleza e solidão
sonho que desaparece
na iminência da extinção
ante o corte do machado
e a ganância do mercado
dessa industrialização.
Eu sou o acre do limão
laranja que nunca acaba
o gosto do tamarindo
o mel da jabuticaba
o maracujá açu
a castanha do caju
e o gostinho da goiaba.
Do jasmim sou todo aroma
do canavial o mel
da gaiola o passarinho
o esperar Papai Noé!
o pavão e sua beleza
o verde da Natureza
o Maestro e seu pincel
Mas o tempo em disparada
não me espera lá na esquina
quando do meu sonho acordo
minha vida então declina
e noutra realidade
solitário na cidade
vou cumprindo minha sina.
O trem que me conduziu
diluiu-se na estação
não há passagem de volta
pra retornar ao sertão
Sem asas para voar
sem sonhos para sonhar
vou seguindo essa missão.
E na selva de cimento
já não sou anjo de luz
junto aos animais falantes
eu vou carregando a cruz.
Sou mais um na multidão
perdido na contramão:
o destino me conduz.
Mas não me entrego porque
sertanejo é mais que forte
é raio rasgando o céu
muito mais que o vento-norte
semente de luz plantada
todo desafio da estrada
de quem nunca teme a morte.
Salvador, Outono 2005
VIDEO: Antonio Miranda gravou este vídeo com Antonio Barreto recitando um cordel em frente à fortaleza Castelo de San Fernando de Barajas (Cartagena de Índias, Colômbia), em dezembro de 2014
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BARRETO, Antonio Carlos de Oliveira. Cordel da Copa 2014 nas ondas do humor. Salvador, BA: Edições Akadicadikum, 2014. 8 p. (Literatura de Cordel) 10,5x14,5 cm. N. 07 628
CORDEL DA COPA, de Antonio Barreto, ao final da página FUTEBOL E POESIA, em: >>
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/rio_de_janeiro/futebol_e_poesia.html
LEIA TAMBÉM (POESIA INFANTO-JUVENIL): >> INCLUI VIDEO!!!
BARRETO, Antonio [Carlos de Oliveira]. Atirei o pau no gato? Ilustrações de Antonio Cedraz. 2ª edição. Salvador, BA: Edições Akadicadikum, 16 p. 20x20 cm. ISBN 978-85-8140-053-2
CORDEL DA COPA, de Antonio Barreto, ao final da página FUTEBOL E POESIA, em: >>
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/rio_de_janeiro/futebol_e_poesia.html
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