ANA CLAUDIA OLIVA
Natural de Tucano -BA (1963), vive em Salvador, onde é advogada; poeta, foi vencedora do Prêmio Iararana de Poesia 1999.
IARARANA – revista de arte, crítica e literatura. Salvador, Bahia. No. 10 – dezembro 2004. Ex. bibl. Antonio Miranda
Artesanato
Amo os delírios manufaturados
ao íntimo exemplo
de colar tardes na lua.
O tempo é pássaro que vejo de sobressalto
quando melhor manejo
a inconstância da retina.
Da caatinga ao asfalto
a chama excêntrica me domina,
alma sobre a pele.
De nós meninos,
trago a distinção
entre compreender o céu
e morar nele, abismo imensurável.
AQUÁRIO
Tenho olhos de ressaca.
Dois peixes presos no aquário
fingindo ser esquadrilha
Barbatanas de retalho
abrindo frinchas na trilha
de poeira do calcário
Além do vidro, é só o tempo que passa
haurido de particípio. Avança,
sem pressentir a anciã, sem decifrar a criança.
TEMPORÃ
Nasço prematura todos os dias.
Mãos que não vejo
sustentam meu espanto.
No livro em branco reconheço
os traços da minha caligrafia.
Teimo em decifrar-me
porque creio
na clarividência das palavras.
Um dia nascerei bem velha
e terei memória de mim
em cada letra
como a terra tem nas árvores.
MAIS QUE O LÍRIO
O amor encomendou regalias.
Corpos lavados com alfazema,
lençóis frescos,
púbis depilada à moda de Vênus.
Vem porfiar com a cor do desejo
até dissolvê-lo na alvura do nada
Oh amor de aflições venturosas,
rajadas de ais, pântano de alegrias!
Quando roçagas neste brejo de répteis humanos,
mais que o lírio à luz da aurora
cintilamos.
Página publicada em junho de 2019
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