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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Foto: Lissandra Pedreira

 

ALEX SIMÕES

(Bahia, 1974)

 

Alex Simões é poeta, escritor, professor e mestre em Letras, performer, tradutor e editor. É autor de “Estudos para Lira” (inédito, Menção no Prêmio Copene 2001), “Quarenta e Uns Sonetos Catados” (Domínio Público, 2013) , “(hai)céufies” (Esquizo Editora, 2014) e “Contrassonetos Catados & Via Vândala”(Mondrongo, no prelo). Colabora em Revistas Literárias, antologias e em blogs/sites de literatura. Ministra oficinas de poesia, com foco em versificação e ações performáticas em poesia.

 

POESIA SEMPRE  Número 27 – Ano 14 – 2007  Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2007.  Editor Marco Lucchesi.   Ex. bibl. Antonio Miranda

 

Quebra-(qu) eixo

 

deixando, as coisas tomam forma, elas
mesmas por si desencaminham já,
como catar feijão, como o Catar
da Al Jazeera. as coisas são tão belas

 

que elas por si vão se desembestar
por teias parabólicas e bélicas,
telas políticas, telhas estéticas,
gritos da terra de Paris-Dakar.

 

lá fica longe pra Caracas, lá

não há lugar nenhum não há mais eixo

menuniverso a la carte que qui-lo

 

sou jacaré que aspira a crocodilo

num mundo que é uma goma de mascar

mas que preciso às vezes quebrar queixo

 

 

 

De perguntas e poetas

 

(a Marcus Vinícius e Állwz Leilla)

 

 

não se pergunta nada a um poeta
que é por definição das Evasivas
amigo, assim como Musas e Divas
lhe rodeiam a cabeceira, cometas.

 

com um poeta nunca se intrometa
que a sua cabeça à beça a si se esquiva
e no esquivar-se iguala-se a sua Diva
e fica mal ferir a quem com seta

 

fere, mas só com amor e com rodeios,
e nisto é que consiste o não indagar
àquele que ignora qualquer freio

 

ou direção, não tente lhe roubar

porque ele vem vazio, quem mesmo sabe

por que será que nele tudo cabe?

 

 

Questão de género

 

         Para Janaina Dutra, in memoriam

 

 

há uma mulher em mim. essencial,
que me faz escutar outras mulheres,
que me faz respeitar essas mulheres,
embora delas seja desigual

 

e não se trata apenas de ter pau:
retirá-lo seria uma intempérie
pois meu sexo não dói e não me fere:
sou de outra ordem de transexual.

 

eu posso ser tratado em masculino

ou feminino, isso tanto faz.

só não espere de mim um par de peitos,

 

os dela são bem lisos, de rapaz.

e apesar de nem sempre falar fino,

essa mulher — como outras — quer respeito.

 

 

 

IARARANA – revista de arte, crítica e literatura.  Salvador, Bahia.  No.  9 – agosto 2004.    Ex. bibl. Antonio Miranda

 

 

ESTES, OS MOTIVOS  

doem-me os ombros, tantos são os pesos,
línguas mortas e vivas misturadas,
a plêiade no peito embaralhada,
os esquecidos como contrapeso.

mil vozes confundidas no desejo
de ter consigo a minha entrelaçada,
o medo de parar na encruzilhada
entre rimas, ideias e solfejos.

a folha em branco amarelada está
(há sempre um risco de perder-se). Há
sempre um mesmo fantasma em breve assomo:

o mundo derretendo-se em milênios,
poetas trôpegos, prestos boêmios,
eu e você cantando velhos nomos.

 

 

RISOS LASCIVOS 

moço de risos lascivos
sombra na pálida face
a percorrer olhos vivos
boquiabertos num impasse
 

de mostrar-se nu ao mundo
prostrado numa janela
a suspirar um fecundo
soneto qual a donzela

petrificada na grama
versejando pelo amado
a revirar sobre a cama
pelo desejo calado

vendo metáforas loucas
surrealisticamente
a associar nossas bocas
colocadas frente a frente

num tremor de fogo aceso
quebrantando qualquer gelo
a carregar todo peso
pelo desejo de tê-lo

desejo os risos lascivos
nesta estrada entrecortada
a esquivar-me dos crivos
da trajetória traçada

feita a canção eu me volto
à tua face serena
a desentranhar-me envolto
pela vertigem da cena

subitamente te vejo
diante de mim sorrindo
a acalentar meu desejo
vejo minha aura caindo

 

 

SOBRE MORRER

Para Nilo Alcântara, in memoriam

 

quem deu um tiro em tua nuca
e te amarrou os pés, te pôs
num saco sob a terra, pois,
deve ter mais fundida a cuca
 

quanto fundida a minha está
quem põe os rótulos, quem diz
como se deve ser feliz
o que será e não será

vem do poder que alguns arrotam
a língua o sexo a cor a classe
saber de quem olhar a face
temer objetos que nos cortam

lições que as ruas pedagógicas
nos dão em doses alopáticas
da morte surge a matemática
dispondo os corpos noutra lógica

horizontal te vejo eterno
retorno ao pó (quem dele escapa?),
a vida a gente assim solapa
eliminando os rostos ternos

vai-se o caixão, ficam meus dedos
atravancados nesta terra
quem ama mata morre berra
aprende ama o próprio medo

neste vazio em que ora habitas
uma canção , teu manifesto,
loas à tez, à mais bonita, deuses do Ébano te empresto

that black is beautiful, my Lord
embora em língua de outras gentes,
façamos nossos os acordes
que dizem mais sobre viventes

 

 

MOVIMENTO AVESSO  

preciso de viver com mais vontade,
embora essa preguiça que ora ostento
reflita o meu caminho contra o vento
num movimento avesso ao da cidade.

 

cioso desta desidentidade,
lanço meu corpo em muros de cimento,
atiro-me ao asfalto e o sentimento
se perde por detrás de imensas grades.

o coração perplexo e irresoluto
- essa esfinge que dentro do meu peito
declara para todo sempre um luto -

redime e ameaça a minha garganta:
"àqueles que não vão pelo direito,
resta entoar o que esse avesso canta".

 

 

 

 

Página publicada em janeiro de 2019; ampliada em junho de 2019.


 

 

 
 
 
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