RENATO AUGUSTO FARIAS DE CARVALHO
Renato Augusto Farias de Carvalho nasceu em Manaus/AM no dia 30 de junho de 1935. Em sua terra natal, estudou no Colégio Salesiano Dom Bosco. Na cidade do Rio de Janeiro/RJ, para onde se mudou em janeiro de 1952, continuou seus estudos no Colégio Andrews, tendo participado do Grêmio Acadêmico, que ajudou a fundar. No início de 1978, passou a residir em Niterói/RJ. Graduou-se em Letras (Língua e Literatura – Português/Francês) na então Faculdade de Humanidades Pedro II (FAHUPE). Pós-graduou-se em Administração Pública na Fundação Getúlio Vargas. Exerceu diversas funções e cargos na Previdência Social (Direção Geral – RJ), aposentado-se em 1989. Ocupante da cadeira nº 6 da Academia Niteroiense de Letras, também é membro do Cenáculo Fluminense de História e Letras e da Associação Niteroiense de Escritores. Publicou os seguintes livros: Porto de Ocasos (ficção/memórias. 1998. Editora Cromos), Poesia-do-que-eu-quis (poemas. 2002. Editora Cromos) e Vinho e Verso (poemas. 2005. Ed. Valer). (...) Fonte: http://literaturavivencia.blogspot.com.br
TEXTOS EM PORTUGUÊS E ITALIANO
CARVALHO, Renato Augusto Farias de. Sangria e pão dormido. Niterói, RJ: Parthenon Centro de Arte e Cultura, 2016. 184 p. 15x23 cm. ilus. col. ISBN 978-85-5787-024-6 Ex. Biblioteca Nacional de Brasília, doação família Francisco Marques de Vasconcelos Filho.
UM PASSEIO
Há saudades e
cicatrizes no
entardecer de Manaus.
Estão ossos em jarras
pardas e meu pai
em mármore,
aberto em sorrisos
e amanheceres.
" Madrugada ainda
papai virou beija-flor.
Desejo ser flor. "
Haicai de Lena Jesus Ponte
CRÔNICA DA VELHICE
Faltam-me as janelas para o mar
o filé da babá para o jantar
os boleros dor-de-cotovelo de Emilinha
e as crônicas insossas de dona Amelinha.
Falta-me um indecifrável quase nada
nesta arrastada idade avançada
e, sobremaneira, falta-me o vigor das paradas
no desfile do Colégio Salesiano
e os sustos de não passa de ano.
Falta-me o pó de guaraná
o mingau de araruta para engordar
as canoa via Educandos e a Clarice para remar
o velho Inca para navegar
e a Igreja dos Remédios para rezar.
Faltam os dilemas do que vai ser quando crescer
os trotes engraçados pra gente se vingar.
Faltam as perdas de apetite e os mistérios dolosos
do acidental verbo amar.
Falta-me aquele hesitante, lânguido olhar
para um futuro incerto.
Falta a autobeleza vaidosa
do velho blusão aberto.
Falta tanta coisa bonita, meu Deus!
Mas não me faltam a alegria
do pão com manteiga de manhã,
a bonita rede verde do Ceará,
poemas do Bacellar
e os abraços amigos e cá.
Não falta a roupa de cama lima,
embora adormecidas as saudáveis pinimbas
que excitavam as madrugadas.
Não me faltam as contas salgadas
as muitas vésperas de nadas,
as notícias erradas e esse prazer
pela metade, densidade
cravada nos pedais e conversas fiadas
do motoristas, ortopedista,
e as mil receitas do endocrinologista.
(minha) Poesia
O mendigo de rua,
cheiro de ermo,
me afiançou:
poesia é só desvelo.
Dispensa
o antilírico das geometrias.
O poema é ato único, robusto,
leve e bruto
como um sonho de paquiderme.
CARVALHO, Renato Augusto Farias de. Meu corrimão de papel. Niterói, RJ: Pathnon Centro de Arte e Cultura, 2014. 148 p. 16x23 cm. ISBN 978-85-88724-85-3 Ex. Biblioteca Nacional de Brasília.
A RUA DA MINHA CASA
O declive
soprava ardis
da adolescência.
Multipliquei afetos
nas veias de pedra e
calçadas lisas.
Desenhei panfletos e
amuletos,
corri casas, li notícias e, contrafeito,
assisti a enterros...
Fui ereto
dileto
tive desejos
e desafetos.
Te amei tanto minha rua!
Caminhei venturas e
mentiras,
joguei fora meus amores.
Nunca soube
se, de fato, tinha alegria
ou se eu já sofria.
Mas te amei tanto minha rua!...
SEM TÍTULO
Um tropeço implicante
joga cartas erradas
no vazio da imaginação.
Vi chegar a noite
no esbulho de papéis:
eu estava resolvido a queimá-los...
Dormi na varanda da hipótese
e acordei no susto
de não ter queimado nada.
Continuou o volúvel tropeço.
Olhei meu retrato antigo e
constatei duas coisas:
a falta da minha bicicleta,
que aliás nunca tive, e
um rosto mais novo
se fingindo de meu.
Dormi outra vez
sobre a pérfida e estranha
serrania de papéis.
O POETA DISSE
"De tudo fica um pouco. (...)
este vidro de relógio
partido em mil esperanças. (...)
De tudo fica um pouco:
de mim; de ti; de Abelardo."
Carlos Drummond de Andrade
Nós ainda não tínhamos atravessado a baía
e adivinhávamos
céus, luas,
um pouco de riso, um pouco de dor.
Tudo apressava o nosso amor
às longas noites
de Paquetá.
Quanto tempo faz?
Uma toalha bordada,
o paredão de concreto,
pernas trémulas de medo
e a ansiedade
na intermitência do cansaço.
Cadê o menino esbelto com lentes grossas
escavando mentiras
no gozo dos afagos?
Um brinde à moça da madrugada e às
mordidas do primeiro amor,
folhetim de canções
vividas com vagar
na vacilante e quente areia de Paquetá!
CINZAS
Amigo de muito tempo,
quando morre,
leva consigo esse tempo todo.
A gente se encolhe
no pedacinho muito estreito
que nos sobra.
CARVALHO, Renato Augusto Farias de. ... haja, ainda, partículas de sol. Niterói, RJ: Nitpress, 2012. 176 p. 14x21 cm. Apresentação por Sonia Peçanha. ISBN 978-85-7884-112-6 Ex. Biblioteca Nacional de Brasília, doação de Francisco Vasconcelos.
14
Tinha um homem de aço,
uma mulher de pau
e um baú empoeirado.
O homem tinha armadura
e um furo no braço;
a mulher, seio encerado
e um cacho louro pendurado.
Tinha, também,
no meu quarto,
um herói de pé quebrado,
um trapezista modelado
e muita imaginação!
23
Moro nesse espaço
de tempo
reservado ao improviso.
Moro no dualismo das paredes
que me agasalham os músculos,
entrementes
me enclausuram a alma.
30
A prostituta,
envelhecida,
delineava fios de luto
em silêncio absoluto.
Pendido em cachos
de luminosidade
o sol desenhava
adornos
no encalço da saudade.
CARVALHO, Renato Augusto Farias de. Vinho e verso e alguns textos de baixo teor alcoólico. Manaus, AM: Editora Valer, 2005. 128 p. 14x21 cm. Capa e projeto gráfico: Heitor Lopes (Detalhe da capa: Miguel Coelho) Apresentação de Beatriz Escorcio Chacon. ISBN 85-7512-187-1 Ex. Biblioteca Nacional de Brasília, doação da família de Francisco Vasconcelos.
TRAPOS
Deixo escritas as mesmas palavras.
Não há nova taça de espanto:
há inefável estrondo
pranto
porto
lágrima
o mesmo assustado engano
Betune grená
do vinho engenhoso.
Paixão e Brinde
Vou incluir trapos incidentais:
"... haveremos de velejar.
Que eu seja lembrança, apenas
... tenha conjugado
modos
do verbo amar".
(Alguma saudade
da poesia-do_que_eu_quis.
Adega de 2001. Primavera.)
LONGE
... hora do banquete
na mesa estrangeira:
mulher árabe
folha de parreira
do além – Cairo
hortelã
(minha blusa de lã)
queijo bravo da serra
..............................
fico pensando quanto disto
de ti e de minha verde terra
CARVALHO, Renato Augusto Farias de. Eu ainda não disse tudo ou o sal da idade. Manaus, AM: Editor Valer, 2011. 78 p. 14x21 cm. ISBN 978-85-7512-385-0 Capa: detalhe de foto de José Farias. Apresentação de Zemaria Pinto. Ex. Biblioteca Nacional de Brasília, doação da família de Francisco Vasconcelos.
ANIS
Lembras do enjoado licor de anis?
Pois estão lá traços desenhados
na cidade torta do quadro de giz.
Querem que recites e cantes
do jeito que, abraçados, fazíamos antes.
Não morrerei sem dizê-lo
Despenquei do poste embaçado
e perdi meu anel de brilhante.
O rouxinol tímido
levou meu vago canto para malogrado horizonte.
Meu olhar parado na solidão da saudade,
tal como se derretem o tronco e a sombra da tarde!
TEXTOS EM PORTUGUÊS E ITALIANO
Extraídos do livro SANGRIA E PÃO DORMIDO(2016). Poemas traduzidos na cidade de Trento, Itália, entre 2011 e 2012, por alunos da universitária Alice Eccli, como trabalho final do Curso Comunicazione Interlinguistica Applicata da Faculdade para intérpretes e tradutores. Os poemas fazem parte do livro Eu ainda não disse tudo (Ed. Valer, Manaus, 2011).
ADÁGIO
Imigrante de mim mesmo
desnaveguei igarapés sombrios
e não me ancorei nas várzeas.
Morei Nômades, fui desejos
aprendi a dormir tristezas.
Ainda assim pude guardar alegrias
no porta-joias sem trinco
que a gente chamava lar.
ADAGIO
Immigrante di me stesso
ho navigato torrenti bui
e nom mi sono ancorato alle rive.
Abitai nomadi, fui desideri,
imparaí a dormire tristezze.
Anche cozi potei conservare gioie
nel porta fioie senza chiavistello
che noi chiamavamo casa.
CASEBRE
Canteiro bem brasileiro
e os olhos surpresos do menino
no bairro sem luz.
Encontrou estrelas de esperança
no pequeno espaço
do barraco.
Bastou uma vela acesa.
Novo brilho no coração.
CAPANNA
Luogo típico brasiliano
e gli occhi sorpresi del bambino
nel quartiere senza luce.
Trovó stelle di speranza
nel piccolo spazio
della baracca.
Bastó uma candela accesa.
Nouova luve nel cuore.
PORTUGAL QUERIDO
Para Manuel Jorge e Maria Manuela
Meus poetas portugueses,
sobrados de alvenaria,
fados magoados,
e tristes versões francesas!
Ah, o amado pranto cantado
nas praças do Alentejo,
onde sombreiam, encantados,
vozes de alfredos marceneiros
e pássaros rodriguianos
de Amália!
PORTOGALLO AMATO
Per Manuel Jorge e Maria Manuela
Miei poeti portoghesi,
verande di mattoni,
fado malinconico,
e triste versioni francesi!
Ah, l´amato pianto cantato
nelle piazze dell´Alentejo,
dove ombreggiano, incantati,
voce di Alfredo marceneiro
e ucelli rodriguiani de Amália!*
*Alfredo Duarte Marceneiro e Amália Rodrigues sono due famosi cantati di fado portoghese.
SONATINA ENTRECORTADA DE SILÊNCIOS
Para Betinho, Henfil e Chico
Os mortos estão deitados mas os seus nomes
tremulam sobe as campinas como flâmulas,
voam sobre as campinas e memórias de suas
faces e a brancura de seus ossos perduráveis; (...)
RENATA PALLOTTINI
Que tenha sido evasiva de vida,
dissonância de destino, desabrigo,
ou fora sina escrita por Deus,
missão apostolar, embuste, desajuste,
fosso lá o que fosse: mas houve,
nos três irmãos, esse desbravar,
cântico singular a escavar o
peito em chamas de amor.
Jamais o sorriso se deixou ruir
ante o injusto susto da certeza do fim.
Foram pássaros em voos rasantes
espaços livres, azuis de esperança!
Crepúsculo augusto.
Se fracos os músculos,
amplidão generosa, caminho de paz.
Esses que nascem arbustos
e espalham raízes de fraternidade e compreensão.
SONATA INTERROTA DA SILENZI
Per Betinho, Henfil e Chico
I morti sono sdraiati ma i loro nomi
tremolano sopra ai prati cmo fiammelle,
volano sui prati recordo dei loro volti e la
bianchezza delle loro ossa che resistoneo; (...)
RENATA PALLOTTINI
Che sai stata uma scusa della vita,
dissonanza del destino, senza casa,
o che sai fato scritto da Dio,
missione apostólica, bugia, disaccordo,
che sai quello che sai: ma ci fu,
nei ter fratelli, questa bravura,
cantico singolare che scavava il
petto in fiamme d´amore.
Mai il sorriso si lasció rovinare
di fronte all´ingiusta scossa sella certezza della fine.
Furono ucelli in volo radente
spazi liberi, azzurri di speranza!
Crepuscolo augusto.
Se deboli i muscoli,
ampiezza generosa, cammino di pace.
Questi che nascono arbusti
e spargono radici di fraternità e compresnsione.
DÁDIVAS
Vida e cobiça no venturoso viço,
alegria de Rita, que soletrava Camões.
Havia sotaque lusitano
tablado e baralho cigano.
A gente dançava ternuras nas vesperais de outono.
... horas de eternidade,
líamos juntos ingênuos romances
mal traduzidos do francês.
Que pena, tudo isso, Rita!
Tantas coisas bonitas
proibidas pra nós dois.
DONI
Vita e brama nel venturoso vigore,
allegri di Rita, che sllabava Camões.
Aveva acento lusitano
palco e mazzo zigano.
Danzavamo amori nelle sere d´autunno.
... ore di eternità,
leggevano insieme, ingenui romanzi
mal tradotti, dal francese.
Che peccato, tuuociò, Rita!
Tante cose belle
proibite a noi due.
CANTILENA PARA FLAUTIM
Para Marco e Constança
Tenho a cabeça e as mãos
a rima dos versos que esquecemos.
Não há risco de agruras,
são rimas-ternuras.
Parapeito e passatempo,
a mesma história de vida
recantos com idas, vindas
e horas incertas perdidas.
Contracena de ator
me fluíram dissolvências
caricatura, ambivalências,
urgências tais, figurante sem cor
Tua voz,
pássaro efêmero,
é som:
de casa, percebo-te o ato de ensaio.
São notas soltas, meu amor,
beijo-esperança
sopro de calor!
CANTILENA PER FLAUTO
Per Marco e Constança
Ho in test e nelle mani
la rima dei versi dimenticati.
Non c´è rischio di amarezza,
sono rime-tenerezza.
Parapetto e passatempo,
la stessa storia di vita,
recessi com andate, ritorni
e ore incerte, perse.
Recita di attore
passarono dissolvenze
caricatura, ambivalenze,
urgenze tali, comparsa senza colore.
La tua voce,
ucello effimero,
è suono:
da casa, ti sento mentre provi.
Sono note sciolte, amore mio,
baci-speranza,
sossiodi calore!
Página publicada em março de 2017; ampliada em abril de 1017