PEREIRA DA SILVA
(1890-1973)
Francisco Pereira da Silva nasceu em Água Maré, no município de Macau (RN), no dia 7 de setembro de 1890, filho de Manuel Pereira e de Josina Ribeiro Pereira da Silva.
Iniciou os estudos no curso de humanidades do Colégio Diocesano Santo Antônio. Formou-se em direito pela Faculdade do Amazonas.
Trabalhou inicialmente como tipógrafo, revisor de provas e repórter. Em 1909 tornou-se auxiliar de gabinete do governador de seu estado, Alberto Maranhão (1908-1913). No ano seguinte viajou ao Rio de Janeiro, então Distrito Federal, para realizar uma reportagem para o Correio da Noite. Em 1911 voltou à Amazônia. Residiu algum tempo em Cruzeiro do Sul (AC), cuja Imprensa Oficial dirigiu. Ainda nessa cidade, foi promotor público, suplente de juiz de direito e secretário da prefeitura. Reorganizou o Centro Operário de Cruzeiro do Sul, a Sociedade Protetora dos Homens do Povo e a União dos Pequenos Lavradores e Seringueiros, todas ligadas ao Centro Operário.
Prefeito de Tarauacá (AC) em 1920, tornou-se, no ano seguinte, oficial da secretaria do governo e oficial-de-gabinete do governador do território do Acre, Epaminondas Jácome, fixando residência em Rio Branco.
Após o movimento modernista de 1922, tentou lançar a nova escola no Amazonas, onde passou a residir a partir de 1923. Em Manaus, participou da Revolta de Julho de 1924, irrompida também em Sergipe e em São Paulo. Os revoltosos, liderados pelos tenentes Joaquim Cardoso de Magalhães Barata e Alfredo Augusto Ribeiro Júnior, depuseram o governador do Amazonas, Turiano Meira, formando uma junta governativa. Francisco Pereira da Silva foi designado secretário da Polícia Civil do estado. Embora apoiados grandemente pela população, os rebeldes foram dominados em agosto por tropas federais comandadas pelo general João de Deus Mena Barreto, que designou o coronel Raimundo Barbosa governador militar do estado. Restabelecida a ordem legal, com a instalação do governo do interventor Alfredo Sá, Francisco Pereira da Silva foi afastado da Secretaria da Polícia Civil e, nos meses seguintes, manteve-se na oposição ao governo do estado, através do jornal A Liberdade, motivo pelo qual foi preso durante seis meses. Absolvido, fez oposição ao presidente da República Artur Bernardes.
Participou da Aliança Liberal (1929-1930) e da Revolução de 1930. Juntamente com o coronel Cordeiro Júnior e com José Alves de Sousa Brasil, integrou a junta revolucionária que assumiu o governo do Amazonas em outubro, após a vitória do movimento revolucionário, e que foi substituída em novembro seguinte pelo tenente Floriano da Silva Machado, designado governador militar. Posteriormente, Francisco Pereira da Silva tornou-se secretário de Estado do Amazonas.
Em 1935 defendeu a causa dos parlamentares processados por envolvimento no movimento da Aliança Nacional Libertadora (ANL). Após a implantação do Estado Novo em novembro de 1937, tornou-se, em 1938, procurador do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos (IAPM), a cujo âmbito de ação subordinou as atividades derivadas da pesca. Criou a carteira de fiança nos institutos e caixas de aposentadoria e pensões.
Em dezembro de 1945, após o fim do Estado Novo, elegeu-se deputado à Assembléia Nacional Constituinte pelo Amazonas, na legenda do Partido Social Democrático (PSD). Assumindo sua cadeira em fevereiro de 1946, participou dos trabalhos constituintes e, após a promulgação da nova Carta (18/9/1946), passou a exercer o mandato ordinário. No pleito de outubro de 1950 reelegeu-se deputado federal pelo Amazonas, na legenda da Aliança Frente Libertadora, constituída pelo PSD e o Partido Democrata Cristão (PDC). Nessa legislatura presidiu a Comissão do Plano de Valorização Econômica da Amazônia, de cujo projeto de execução foi autor. Reelegeu-se em outubro de 1954, na legenda da coligação Frente Democrática Popular, constituída pelo PSD, o PDC, a União Democrática Nacional (UDN) e o Partido Trabalhista Nacional (PTN). Novamente eleito em outubro de 1958, dessa vez na legenda da coligação PSD-PDC-UDN-Partido Social Progressista (PSP)-Partido de Representação Popular (PRP), tornou-se vice-líder do PSD a partir de junho de 1959 e, novamente, a partir de maio de 1961. Tentou a reeleição em outubro de 1962, obtendo apenas uma suplência. Concluiu o mandato em janeiro de 1963. Após o movimento político-militar de março de 1964, com a extinção dos partidos políticos pelo Ato Institucional nº 2 (27/10/1965), filiou-se à Aliança Renovadora Nacional (Arena) e nessa legenda obteve nova suplência de deputado federal no pleito de novembro de 1966.
Membro do conselho municipal de Juruá (AC), teve destacada atuação na criação da Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), atual Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), e na elaboração do projeto que posteriormente deu origem à criação da Zona Franca de Manaus.
Jornalista, fundou, no Acre, o jornal Juruaense; foi redator e colaborador de diversos jornais na cidade de Natal, além de desenvolver polêmicas literárias sob o pseudônimo de Djalma Fontes. Pertenceu à Academia Amazonense de Letras.
Faleceu no dia 11 de setembro de 1973.
Publicou Poemas amazônicos.
Fonte: http://www.fgv.br/cpdoc/
SILVA, Pereira da. Cantos amazônicos. 3ª. edição revista e aumentada. Organização e estudo crítico por Tenório Telles. Manaus, AM: Editora Valer, 1998. 269p. (Série Coleção Resgate, 2) 14X21 cm. ISBN 85-86512-01-X
PRECE PAGÃ
(...) É preciso, para surpreender-lhe a grandeza, para sentir-lhe
a religiosa poesia intrínseca, para compreender-lhe a lição, na sua
insólita didascália, decantada em ritimos evasivos, ajoelhar aqui e
aqui ficar, num ex-voto do espírito, pendurando à romaria caótica da
floresta a grinalda votiva de um grande amor... ADRIANO JORGE
Terra-mulher! Noiva da luz! Enamorada
Eterna do Grande Rio!
Princesa de olhos glaucos, misteriosos,
Sobre o espelho dos lagos debruçada!
Eu vim de longe, do País Sombrio
Dos Desenganos, para o teu regaço!
Vim pelos teus encantos gloriosos.
Vim pelo braço
Da beleza tua...
E eis-me , agora, a teus pés, Terra Encantada!
Minh´alma, em alvoroço,
Exalta o teu frescor de mulher nua!
Tortura suave do meu sangue moço,
Teu erógeno odor acorda os meus desejos,
Penetrando os refolhos
Dos meus cinco sentidos despertados.
E, ao róseo despontar dos dias orvalhados,
Eu sinto amar a vida
Que freme na alegria dos meus olhos
E canta na volúpia dos teus beijos!
Terra Verde do Amor! Vim par o doce enleio
De tua primavera reflorida,
E eis-me, vitorioso, no teu seio!
Quando, em noites de luar, eu estiver contigo,
No embalsamado abrigo
Das frondescências de esmeralda e prata,
Certo, me contarás tuas lendas mais belas,
E os índios que rolam pela mata,
Sob os olhares vivos das estrelas.
Dirás, então,
Aquela história dolorosa,
Das iaras que gemem as suas mágoas,
Numa suave canção,
Perturbadoramente angustiosa,
De desespero e de saudade,
Ferindo o coração tristíssimo das águas.
E assim, terra-ideal, iremos, vida adiante,
Num enleio de eterna mocidade.
Eu, o poeta pagão, ao som dos alaúdes
Selvagens, cantarei a beleza triunfante
Dos teus seios formosos, inundados
De seiva, e luz, e glórias, e harmonias!
Transfigurada ouvirás meus versos inflamados,
Glorificando as frondes e os paludes,
E as infrenes caudais das correntes bravias!
Hei de amar e querer sempre, essa vida
Que promana de ti!
Que vem da exaltação de teus encantos!
Porque tu és,
Terra florida,
Deliciosa noiva de Iaci,
A nota genesíaca de meus cantos!
... Eu vim de longe, cheio de fervor,
Para prostrar-me, humílimo, a teus pés.
Dá-me, Terra-mulher, o teu amor!
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SILVA, Francisco Pereira da. Poemas amazônicos. Manáos: 1927. 179 p. 15x20 cm. Impresso na Officinas de Augusto Reis. Aparece apenas "Francisco Pereira" na publicação. Ex. bibl. Antonio Miranda
O JAPIIM E O TAMURUPARÁ
Está cantando, na arvore grande, o japiim ...
Palhaço e trovador,
E' de ouvil-o saudando a Natureza,
Abençoando a floresta e rindo com finura
Da Vida, entre um gorgeio, um salto e um sarcasmo,
Indifferente a tudo que é tristor ...
E é de ver-lhe a esvelteza,
0 nobre enthusiasmo
Da luzidia plumagem negra, de setim ...
E o amarello-jalde, que fulgura,
Aqui, alli, como resteas de luar,
A illuminar-lhe o vultosinho alado
De antigo menestrel vestido de velludo ...
O seu ninho lá está, na altiva samaumeira,
Pendente, a halouçar, a balouçar ...
E elle, motejador, vae cumprindo o seu fado,
Brincando sempre, a rir de todos e de tudo ...
Ironista, mordaz, cantando a vida inteira,
Imita, quasi sempre em ferino arremedo,
Por prazer de irritar,
Todos os outros bardos plumitivos
Que vivem a modular endeixas á Alvorada
E ás lindas tardes côr-de-rosa ...
Desde manhã cedo,
A matta está num dos seus dias mais festivos,
Ouvindo a estridula bailada
Velludosa,
A galhofa subtil desse canto ... A escutar
A alma de sons e luz, sublime, harmoniosa,
Que o japiim traz presa na garganta ...
... Mas, surge, de momento, estranho e luzidio
Trovador ...
E, ameaçador,
O feio ninho de barro
Abandonando
Entre velhas raizes e balseiros,
Vem defrontar o alegre japiim que está cantando
E' forte o seu gorgear, que apavora e supplanta
0 reluzente ironista e menestrel bizarro ...
Maldito tamurupará! ... Por onde passa,
Manda o cartel de desafio
Ao japiim ... Seu canto é um toque de rebate . .
E o palhaço-cantor volve ao ninho, tremendo,
Perde a voz, já não ri, nem canta mais ...
Vem de longe esse odio, entre os dois revivendo
Diz a lenda, que, outr'ora, os avós do japiim
Viviam arremedando os tamuruparás .. .
E um dia se ferio o tremendo combate! ...
Azas feridas! Céos! que drama tão sangrento!
As aves, ainda hoje, choram essa desgraça! ...
.. E o avô do japiim,
Vencido, exausto, exangue,
Morreu, por fim ...
Por isso, ainda agora, o vencedor incruento,
O tamurupará, traz no bico assassino
Os laivos escarlates de seu sangue ...
Nunca esqueceu! E, ainda, ousado, tripudia
Do vencido! ...
E quando o japiim arrisca uma ironia,
Através de um gorgeio harmonioso,
Levemente ferino,
Elle surge, a cantar, com a sua voz
Tamborilante ...
A dizer,
No áspero descante,
Onde aflora o bravor de seus antepassados :
"—Oh! japiim! Vê lá!
" Se vaes arremedar o tamurupará !
" Convém não esquecer . ..
" O sangue de teus avós,
" Andam nos nossos bicos encarnados ..."
E o alegre japiim, mudo, em seu ninho se esconde ...
Que tristeza, nessa tarde, pela fronde
Da arvore grande abrigadora, onde elle mora! ...
0 palhaço-cantor, amedrontado, chora!
Página publicada em abril de 2017; ampliada em maio de 2017