PAULO BENTES
Nasceu em Manaus, Amazonas, a 19 de agosto de 1908.
Engenheiro; Escritor; Advogado; Jornalista; Poeta.
Data de falecimento: 05/12/1979
MELLO, Anisio. Lira amazônica - Antologia. Vol. I São Paulo: Edição Correio do Norte, 1970. 286 p. Ex. bibl. Antonio Miranda
R U M O
Meu irmão poeta;
Já assistimos ao enterro
de todos os rouxinóis,
de todos os cisnes,
de todos os corvos,
de todos os pardais...
Vimos caírem todas as flores
das cerejeiras
e morrerem todos os ciprestes
e todos os carvalhos seculares
que enchiam a poesia
europeista
que nos legaram. . .
O resto nós fizemos:
Esquecemos os flocos de neve
que nunca baixaram
sobre os nossos telhados.
As árvores depenadas
pela inclemência
dos outonos.
Os lobos famintos que farejavam
rebanhos de ovelhinhas mansas
e pastores ingênuos
tocadores de flauta...
A nossa poesia
hoje
tem outras cores
e outra vida.
Já não fala mais
em aldeias tristonhas,
em trigais louríssimos e dóceis
às lambadas do vento,
em clareiras crepitantes
e
em histórias singelas
de campônios humildes.
As águias reais
escuras, agressivas,
cederam lugar
à realeza das garças
alvíssimas e esbeltas
que voam
serenas
pelas tardes iluminadas. . .
Outros olhos
outra alma
outra sensibilidade
nasceram.
Nossos olhos já se apercebem
das araras vermelhas e azuis,
dos verdes papagaios barulhentos
e dos maguaris compridos
que sonham
numa perna só
à beira dos lagos tranquilos.
Os bosques de velhas faias morreram.
As neves se derreteram.
E vimos então a existência
de sol amarelo
E arrogante
do trópico.
Vimos as nossas bananeiras
bonitas
esfarrapadas
e as palmeiras brilhantes
cheias de cachos maduros. . .
Os rios selvagens engrossaram
e passaram correndo,
mais belos do que os tímidos regatos
das velhas terras
decadentes
e tristes. . .
As histórias de bruxas
e de fadas
foram varridas
e vieram as iaras,
o caipora,
o saci
e a matinha-perera. . .
Noite úmida vai. . .
E os grilos brincam
de telegrafia.
Nas casinhas caiadas
dos colonos
onde a noite vai entrando
sem pedir licença,
começam a piscar
as lamparinas fumacentas.
Lá em cima
no céu
uma ou outra estrelinha
azulada
piscando também. . .
O gado está recolhido. . .
E a noite,
toda silêncio,
vem caindo úmida,
umidamente triste
e pesada,
embrulhando tudo. . .
Os moleques alegres
já não brincam
pelas poças de lama.
Já não passam mais
os caminhantes
enterrando os pés
no tijuco viscoso
do caminho. . .
Só os grilos impertinentes
riscam o silêncio frio
brincando de telegrafia.
(In "Antologia da Nova Poesia Brasileira",
J. G. de Araújo Jorge, 1947).
Página publicada em novembro de 2020
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