PAULINO DE BRITO
Paulino de Almeida Brito (Manaus, 9 de abril de 1858 — Belém, 17 de julho de 1919) foi um escritor (poeta, contista, cronista e romancista), jornalista e professor brasileiro.
Filho do capitão de engenharia Paulino de Almeida Brito e dona Ricarda de Almeida Brito. Estudou o primário no Colégio Santos Inocentes e depois estudou na escola normal pela qual se titulou. Em São Paulo cursou a faculdade de direito, indo concluir seu curso de ciências juridicas e sociais na Faculdade de Direito do Recife. Para conseguir concluir o curso, Paulino ministrou aulas particulares, encontrando nessa atividade uma de suas vocações.
Formado, não se adaptou à advocacia, preferindo dedicar-se às letras, e de tipógrafo evoluiu na vida jornalística até ascender a redator-chefe do principal jornal de Belém.
Como jornalista, nas páginas da Folha do Norte, corajosamente manifestou-se em prol da abolição da escravatura negra no Brasil. Fonte: wikipedia
POESIA E POETAS DO AMAZONAS. Organizadores: Tenório Telles; Marcos Frederico Krüger. Manaus: Valer, 2006. 326 p. 16X23 cm. ISBN 85-7512-133-2 Col. A.M.
Rio Negro
Na terra em que eu nasci, desliza um rio
ingente, caudaloso,
porém triste e sombrio;
como noite sem astros, tenebroso;
oual negra serpe, sonolento e frio.
Parece um mar de tinta, escuro e feio:
nunca um raio de sol, vitorioso
penetrou-lhe no seio;
no seio, em cuja profundeza enorme,
coberta de negror,
habitam monstros legendários, dorme
toda a legião fantástica do horror! **
Mas, dum e doutro lado,
nas margens, como o Quadro é diferente!
Sob o dossel daquele céu ridente
dos climas do equador,
há tanta vida, tanta,
ó céus! e há tanto amor!
Desde que no horizonte o sol é nado
até que expira o dia,
é toda a voz da natureza um brado
imenso de alegria;
e voa aquele sussurrar de festas,
vibrante de ventura,
desde o seio profundo das florestas
até as praias que cegam de brancura!
Mas o rio letal,
como estagnado e morto,
arrasta entre o pomposo festival
lentamente, o seu manto perenal
de luto e desconforto!
Passa - e como que a morte tem no seio!
Passa - tão triste e escuro, que disséreis,
vendo-o, que ele das lágrimas estéreis
de Satanás proveio;
ou que ficou, do primitivo dia,
quando ao - "faça-se!" - a luz raiou no espaço,
esquecido, da terra no regaço,
um farrapo do caos que se extinguia!
Para acordá-lo, a onça dá rugidos
Que os bosques ouvem de terror transidos!
Para alegrá-lo, o pássaro levanta
voz com Que a própria penha se quebranta!
Das flores o turíbulo suspenso
manda-lhe eflúvios de perene incenso!
Mas debalde rugis, brutos ferozes!
Mas debalde cantais, formosas aves!
Mas debalde incensais, mimosas flores!
Nem cânticos suaves,
nem mágicos olores,
nem temerosas vozes
o alegrarão jamais!... Para a tristeza
atroz, profunda, imensa, que o devora,
nem todo o rir que alegra a natureza!
nem toda a luz com que se enfeita a aurora!
Ó meu rio natal!
Quanto, oh! Quanto eu pareço-me contigo!
eu que no fundo do meu ser abrigo
uma noite escuríssima e fatal!
Como tu, sob um céu puro e risonho,
entre o riso, o prazer, o gozo e a calma,
passo entregue aos fantasmas do meu sonho,
e às trevas de minha alma!
{Cantos amazônicos}
BRITO, Paulino de. Cantos amazônicos. Organização Tenório Telles e estudo crítico por Antônio Paulo Graça. 2ª. ed. ver. Manaus, AM: Editora Valer, 1998. 144 p. (Série Coleção Resgate, 5) 14x21 cm Capa e projeto gráfico: Álvaro Marques (imagem virtual produzida a partir de fotos de Leonide Príncipe). ISBN 85-86512-16-8 Ex. Biblioteca Nacional de Brasília, doação da família de Francisco Vasconcelos.
A carta e a flor
Carta e flor e recebi num só momento;
e por sinal, que a flor
era um rosa, e a carta um juramento
de puro e eterno amor.
Foi-se o tempo... e no cofre de pau-santo
em que eu ambas guardei,
ai! tinha a letra amarelado tanto!
que seca a flor achei!...
Em soluços rompi... não sei ainda
se pela pob re rosa,
ou pela carta, ao ler frase tão linda
tornada mentirosa.
E convenci-me, pela vez primeira,
que o tempo, enquanto gira,
torna do amor as flores em poeira,
e as juras em mentira.
Pará – 1888.
Autor e ator
Ao amigo Moreira de Vasconcellos
Quando teu gênio, às luzes da ribalta,
dos vos do condor transcende a altura,
brilham teus olhos que a paixão exalta:
e tu és criador, e és criatura...
Brotam as urzes pelos dois caminhos;
sofres, eu sei, dobrados amargores...
mas a vida do ator produz espinhos,
que o talento do autor converte em flores.
Enterro e noivado
Saíram da mesma rua
um enterro e um noivado,
e dentro em pouco passavam
morta e noiva lado a lado.
Ambas de branco vestidas,
ambas de cândido véu!
Uma ao altar caminhava,
já estava a outra no céu!
Qual julgam que ia risonha?
Qual a que chorosa estava?
Talvez o leitor se engane,
porque se as visse, pasmava:
Pois talvez dissera, vendo
sorrir uma, outra a chorar,
que ia a morta ao seu noivado,
e ia a noiva a se enterra!
Pará - 1892
Adeus à Amazônia
Ao partir para o Sul em 1885
Inda te vejo, ó Pátria! e qual se houvesse
partido há muito, eu sinto que o meu pranto,
ao lembrar-me de tudo o que amei tanto,
já tristemente de meus olhos desce.
Ah! Se neste momento atroz pudesse
inda na lira humilde erguer-te um canto!...
Mas não! Um beijo, um triste adeus, e é quanto
já tristemente de meus olhos desce.
Ah! Se neste momento atroz pudesse
inda na lira humilde erguer-te um canto!...
Mas não! Um beijo, um triste adeus, e é quanto
o teu filho, a exilar-se, te oferece.
Terras do Sol, adeus! Como os cantores
das tuas matas virgens, minhas dores
hei de na solidão desabafar!
E só responderão ao meu lamento,
alguém que geme e que suspira — o vento!
alguém que ruge e que soluça — o mar!
Bordo do vapor Manaus.
MELLO, Anisio. Lira amazônica - Antologia. Vol. I São Paulo: Edição Correio do Norte, 1970. 286 p. Ex. bibl. Antonio Miranda
CONTRADIÇÕES
Naquele dia em que tiraram hirto
das entranhas do rio,
Como uma estátua o corpo de Tereza,
Tão pálido e tão frio,
Disse um velho doutor, a mão poisando
No seio da suicida;
—"Volta o calor, e este calor. . . (sorrindo)
Este calor é a vida!"
Anos depois, em luxuosa alcova,
Indo o mesmo doutor
Visitar a infeliz que definhava
No seu leito de dor,
Murmurava, ao senti-la em fogo e o pulso
Acelerado e forte:
—"Ai! sempre a febre! E este calor. . .
(baixinho)Este calor é a morte!"
Ti, celebrado Amor, és como aquele
Misterioso calor,
Umas vezes a vida, outras a morte,
E sempre o mesmo Amor!
("Antol. da Língua Portuguesa",
Estêvão Cruz, 1935).
Página publicada em fevereiro de 2013; ampliada em abril de 2017. Página ampliada em novembro de 2020
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