POETAS DO AMAZONAS
Coordenação: Donaldo Mello e Inês Sarmet
Contato: poesiaamazonas@gmail.com
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LUIZ RUAS
Inês Sarmet
s/foto do acervo do escritor Francisco Vasconcelos
“Luiz Augusto de Lima Ruas nasceu em Manaus, no dia 28 de novembro de 1931. Optando pela vida eclesiástica, fez o curso de Filosofia no Seminário Metropolitano de Fortaleza e de Teologia no Rio de Janeiro, no Seminário São José. Jornalista dos mais talentosos, exerceu o magistério em escolas de nível médio e na Universidade Federal do Amazonas. Um dos mais ativos membros do Clube da Madrugada, foi vítima de perseguições políticas por causa de suas posições progressistas, após a implantação da ditadura militar, em 1964. Faleceu em Manaus no dia 1.° de abril de 2000. Obra poética: Aparição do clown (Manaus, 1958) e Poemeu (Manaus, 1985)”.
(dados biográficos constantes em Poesia e Poetas do Amazonas, antologia organizada por Tenório Telles e Marco Frederico Krüger, publicada pela Editora Valer, em 2006)
SONETO
És desejo, talvez, ou limpo canto
Que se põe como branca toalha sobre
A descampada e vaga solidão
Do vasto campo azul deste meu canto.
És a fuga, talvez, de fontes puras
Que se lançam medrosas e perdidas
Para o mar tenebroso, inavegável,
De onde chego no canto feito nave.
És a rosa. Ou quem sabe se és a sombra
Das estrelas morridas de não ser
Mais que luz, mais que brilho solitário?
Ou te pões, simplesmente, como a nota
Que fugiu para sempre da sonata
Imatura que eu compus de brilhos falsos?
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SONETO
Estas aves vêm sempre, ao fim da tarde,
Descansar seus remígios agoirentos
No pomar de onde colho doces frutos
Com que faço meus vinhos suculentos.
Elas vêm de bem longe. Me olham sempre
Com desdém. E nas asas trazem ventos
Que uma vez - já faz tempo - naufragaram
Minha nave que nautas desatentos
Dirigiam. E estas aves que espiam
Lá de cima das árvores crescidas
No pomar irrigado de águas verdes
Bem conhecem meu fim, vencido nauta
Pus-me, agora, a plantar frondosas copas
Que sugerem veleiros em meu canto.
I
Faz mistério palhaço
e ri teu riso esbandalhado
gargalha palhaço e faz sofrer
os que contigo riem e sofrem
e vivem.
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ninguém entende tua vida mascarado
que se esconde atrás de cortina
das pinturas e das vestes.
onde está tua face palhaço onde?
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a estrela pousou - sombra de sonho em seu ombro
- venho do céu vi o mundo nascer. Sou como tu eterna.
sou a mais antiga estrela de todas as estrelas.
dou-te-todo o meu brilho se disseres
porque ris tanto se és tão triste assim.
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II
Havia inocência e terror, pureza e crime
em teus olhos abertos para o mundo.
luzes
as luzes da ribalta não revelam o que não
dizem também
nem as cores nem os saltos nem as
cambalhotas
que fazes no trapézio longínquo.
Palhaço. Quem já viu tua face, tua única face?
aquela que não é partida
aquela que não é pintada?
Quem já beijou tua boca verdadeira?
as bailarinas beijam a boca mentirosa
a que conta a que ri a que chora,
mas ninguém beijará o teu silêncio.
(Aparição do Clown)
APOCALIPSE
Os meteoros ameaçam nossos jardins.
É hora de decolarmos
Para a infinitude do silêncio dilatado
Com nossas asas de sonho
Antes que a terra exploda
E se escancare como a fauce
De uma desmedida flor carnívora
Faminta de nossos corpos.
Não mais teremos tempo
De colher o fruto do nosso canto
Os meteoros ameaçam nossos campos.
Os mares cobrirão nossas faces;
Os vulcões ressecarão nossos ossos;
As mãos, os ventres, os sexos
Murcharão sob o fogo das estrelas
Que cairão sobre vales e colinas.
Os meteoros ameaçam nossos rios.
É tempo de partirmos para o espanto desmedido.
Do que fomos, fizemos ou cantamos,
Ficará, apenas, o invisível traço
Do vôo da ave indivisível
Que se consumiu no espaço.
(Poemeu)
SONETOS AUTOBIOGRÁFICOS
VIII
O cais está deserto. A noite é vasta.
O vento sopra fino. As águas negras
Paradas se repousam das fadigas
De naves que partiram soluçantes.
As luzes tremeluzem cochilantes
Dos negros postes magros penduradas.
Do guarda, os passos lerdos, sonolentos,
Acordam surdos ecos nas distâncias.
E a sombra do seu corpo se projeta
No longo tombadilho do silêncio
Escura e densa como ponte armada
Do cais para o silêncio da água negra,
Do fim para o começo de outro dia
Do pranto de quem fica ao de quem parte.
(Poemeu)
Inês Sarmet s/fotos do arquivo do acervo do escritor Francisco Vasconcelos:
1 Luis Maximino de Miranda Correia; 2 Pe. Ruas; 3 Francisco Vasconcelos; 4 Livreiro Brito; 5 Alencar e Silva;
6 Elson Farias; 7 Galdino Alencar; 8 Moacirzinho; 9 Marcos Krüger;10 Aurélio Michiles;
11 Enéas de Medeiros Vale
1 Marcio Souza; 2 Luis Maximino de Miranda Correia;3 Luiz Ruas; 4 Livreiro Brito;
5 Galdino Alencar; 6 Luiz Bacellar; 7 Elson Farias
***
O (MEU) SENTIR DOS OUTROS
SUBSÍDIOS DE MARINHAS PARA O POETA SEBASTIÃO NORÕES
O relógio se fixou no mar.
Na praia sou apenas permanência.
E crio na minha estática sonâmbula
Momentos do mar silêncio.
Tudo é muita sugestão.
Estas palavras pescadas
Nestas marinhas andadas
Ao longo do mar sertão.
A praia não me conduz
Esta praia que é agora.
É preciso muito mar
Para poder captar
A hora certa do sou.
As ondas despertam a praia
E jogam na permanência
Restos do mar que o relógio
Há muito guardou fixados:
São búzios, são conchas róseas,
Azuis e brancos de infância,
São longas jornadas findas
Numa qualquer solidão.
Com os restos do mar jogados
Na praia a custo libertos
Por este ponteiro-anzol
É que fabrico no verbo
O meu veleiro de mito
Que me transforma em retorno
Pelo mar de um verde ontem
De onde eu vim flútuo.
É preciso muito sangue
Muita palavra translúcida
E muito só sem mesura
Não pra fazer o veleiro
Mas pra repor tanto verde
Na aquarela tão estática
Da face da praia morta.
(Poemeu)
***
O PORTO É O RELÓGIO
O relógio está parado
Doce vestígio encalhado
Não marca o tempo de aqui.
Que o tempo já foi, já fui.
Nesta praia, apenas,
Sou:
Concha morta, azul vazio,
Róseo inútil,
Morto ser.
Mas quando sinto que o mar
- Ó esperança em azul -
Vem despertar esta praia,
Então, fabrico o meu barco
E parto - o porto é o relógio -
E volto pro mar fecundo
Eu, ressurgida criança,
Em palavras verde-azul.
(Poemeu)
RUAS, L(uiz). Poemeu. Manaus, AM: Edições Puxirum, 1985. 94 p. -14x21 cm. “Primeiro Prêmio de Poesia Governo do Estado do Amazonas conferido em 1970. “ Luis Ruas “ Ex. bibl. Antonio Miranda
CANTO MATINAL
Há sempre sóis miliágonos
Nessas manhãs furtacores.
Desejo imenso: ser chão
Germinando malmequeres.
Relincham éguas no cio
E o sol cravou-se nos olhos
Do cão que brinca entre flores.
Ah! Dálias desodoradas!
Estou livre! Uma pantera
Devorou minha certeza.
E esta luz, semente-luz,
Mal se esconde comprimida
Na carapaça de argila.
Este desejo me enrija.
Um canto milhões de pássaros
Se estilhaça em diamantes
Polidos, puros, brilhantes.
Ó lucilância de estradas!
São todos os vegetais
Incestos de luz e cor:
Rubi, topázio, esmeralda.
Nesta manhã furtacor
Multicor, infindacor,.
Quisera ser urzes bravas
Desses prados orvalhados
Que esperam fecundação.
Nesta manhã toda luz
Somente sou luz-manhã.
Há tanta vida no chão,
Há tanta vida no azul.
Em clorofila me banho
E me tomo vegetal.
No lugar do coração
Girando está loucamente
Rosavento um girassol.
A voz animal me comove.
Já não sou mais relação
De paralelas eternas.
Neste mundo natural
Tenho raízes — subsolo
Tenho tronco e fronde — solo
Sou deus fecundo de mundos.
Sei que não vou mais poder
Suportar a compressão
De tantos mundos querendo
Libertar-se delirantes
De tão pouca ontologia.
Como um fogo de artifício
Vai romper-se todo o ser.
E vou morrer de viver.
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