HELIODORO BALBI
(1876-1919)
Heliodoro Balbi era amazonense, nascido a 12 de fevereiro de 1876; formado em Direito pela Faculdade de Pernambuco. Em Manaus, foi professor o de Literatura do velho Ginásio Amazonense, admitido através de concurso, obtendo o primeiro lugar. Dividia suas atividades entre o magistério e o jornalismo. Heliodoro Balbi faleceu no Acre, a 26 de novembro de 1918, mas seus restos mortais foram trasladados para o Cemitério de São João Batista, em Manaus.
Poema em Seleta literária do Amazonas, 1966:
FLOR DE PEDRA
Ó voi ch'avete gl'intelletri sani
Mirate la dottrina che s'ascende
Sotto il velame delli versi sttani.
Dante
Esta, por ser talhada em pedra fria,
Talvez, senhora, menos vos agrade,
— Talhou-a o fogo ideal da fantasia
No mármore pagão da egrégia Héllade.
Um dia o artista, olhando um bloco, sente
A alva sirma dos sonhos a segui-lo
E, sem pensar, alucinadamente,
Pega do bloco e crava-lhe o anfismilo.
Primeiro, a mão nervosa rasga e aviva
0 traço, que o circunda e cinge em torno,
E vê, pasmado, a curva de uma ogiva
Na branca cinzelada de um contorno.
De novo o bloco escinde e, pontilhando
0 centro, ergue o pistilo à luz radiosa,
E exulta, ao ver um sol agonizando
No áureo cariz de um cinto de rosa...
Além, já solta a fibra, o caule desce
Sutil, rolando em balbucio de onda,
E entre pompas, viceja e transfloresce
0 mais rijo o bloco se arredonda.
Aí, brunindo a aresta branca e lisa
Das folhas, (que as talhara iguais a trevo)
Levanta a mão, graciosamente e frisa
A linha dos relevos num relevo.
E salta à luz, estonteante, e presa
Da brancura do mármore risonho,
A flor, que encerra em si toda a beleza
Das nevroses do céu e ânsias do sonho...
— Losna ou meimendro, venenosa ou santa,
Flor! carquisio da vida e urna da morte,
(Exclama) teu primor meu braço espanta...
Nunca meu braço mais a pedra corte.
Mas, furioso, o artista nesse instante
Quebra a flor e do mármore renega,
Pois não lhe dera a natureza amante
O estuoso aroma da giesta grega.
A flor de pedra é como o verso: toma
O supremo lavor que o fere e anima,
Mas neste, o sentimento é como o aroma:
Foge rindo e cantando à flor da rima.
Pedis, senhora, um canto... e o plectro firo.
Quero a emoção suprema na beleza...
Por isso o plectro despedaço e atiro
Ao céu o grito de - ÓDIO À NATUREZA!
DURANTE A FEBRE
Morrer! e ser lançado ao mar, no mar do Oriente...
No teu torso senil, ondas do mar Vermelho!
E no deflúvio real do teu líquido espelho
Ir a Morte arrastando o meu corpo ainda quente...
Meu loiro sonho! minha pobre alma! meu velho
Tronco! a flutuarem dentre os juncais da corrente...
debater-me em vão! como em vão, loucamente,
No arrebol se debate um áureo escaravelho!
No alto do céu radioso o ocaso dos Oceanos...
Meu sangue a jorrar pondo vermelhas estrias
Na garganta de luz dos squalos e goelanos...
E eu só! e eu mudo! a rodopiar em caracóis!
Tenho, através as rubras órbitas vazias,
A ilusão imortal de um combate de sóis...
(De Lira Amazônica, 1965)
Página publicada em janeiro de 2020
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