HEIMAR VERAS
Nasceu em Manaus, Amazonas.
BALADA DA CIDADE FLUTUANTE
O Rio Negro galopa a paisagem
morta e viva, viva e morta
dos flutuantes encharcados de tragédias.
O DESEMPREGO O ROUBO O CÁRCERE
— Vai, home, percura cumida, home.
— Mulé, toma o dinheiro qui arrumei.
— Entrou aí, o ladrão entrou aí, pega.
A NECESSIDADE O DESBRIO A VERGONHA
— Não, mamãe, ele é um monstro.
— Qui importa, não temo roupa nem vida.
— Eu era criança, minha mãe obrigou
O AMOR O CIUME O CRIME
— Vi um cabra aqui cuntigo, mulé.
— Foi Zé Anavaiada, o terror da puliça,
— Zé, pruquc mataste o marido dela.
O Rio Negro galopa a paisagem
morta e viva, viva e morta
dos flutuantes encharcados de tragédias.
A FOME A FEBRE A MORTE
— Dorme, fiinho, num tem arlimento.
— Mãinha, num quelo durmir, quelo cumer.
— Socorro, tá frio, acordou morto.
O FRACASSO O DESGOSTO A COVARDIA
— Me dá uma dose, peste, vou virá bicho.
— Virgulino, a puliça segue teus fio.
— Coitado de Virgulino, suicidou-se ontem.
O DESEJO A IGNORÂNCIA O PECADO
— Mamãe, tu tá pecando cumigo assim.
— Meu filho, gosto de ti como home.
— Arre diabo, os dois ficaram como cachorro.
A MISÉRIA A PRECE O CHORO
— Dorme, fiinho, esquece teu estômago.
— E o papai? Adonde tá o papai?
— Não chora, ele tá inda na prisão.
O Rio Negro galopa a paisagem
morta e viva, viva e morta
dos flutuantes encharcados de tragédias.
(Poema extraído de - http://catadordepapeis.blogspot.com/)
MELLO, Anisio. Lira amazônica - Antologia. Vol. i São Paulo: Edição Correio do Norte, 1970. 286 p. Ex. bibl. Antonio Miranda
Meu pensamento caminha, trôpego,
A estrada imane e ínvia do tempo.
Aquele caminho núbio que dantes percorri.
Passa por sepulcros de meus idílios transatos
Sem ao menos querer relembrar um deles.
E eu atribulado pelo langor enervante do arquejo
Deixo-o parar ao lado de um túmulo sem flores,
no exórdio desta senda incomensurável, intransitável.
Ali minh´alma ajoelha-se e com estertor profundo
Faz uma eufemia em sufrágio de seu trespasse.
É o meu primeiro amor que ali está sepultado.
Ele fora levado ao jazigo funéreo do tempo
Quando chegara o epílogo de nosso derriço.
— Volta, pensamento, deixa-o dormir seu sono,
Pois nunca mais o será ressuscitado.
—Meu primeiro amor o tempo já levou-o!
E com lamúrias ruidosas volto à realidade.
(Em “O Jornal”, 21-10-62, Manaus)
FRUTO DO PECADO
Após a oração, encolhida ao cantinho da cama,
Pergunta a criança à mãezinha que triste ora:
“Mamãe, me responda, se a senhora me ama,
Por que meus colegas têm pai e eu não tenho agora?”
E não tendo resposta, a criança grita e clama:
“Mamãe, me diga, se é que a senhora me adora”.
E a mãezinha, com as mãos no rosto, exclama:
“Filho vá dormir, seu pai volta, não foi embora”.
“Como, quando eu era pequeno dizia que volta,
Já estou grande e a senhora diz a mesma história”,
Frisa a criança do canto da cama, com revolta.
E a mãe finda a oração, baixa o rosto enfadado,
e chorando abraça o pobre filho, merencória,
Dizendo: “Meu filho, errei na vida, você é o meu pecado”.
(Do “Jornal de Comércio”, Manaus, 1-11-63)
Página publicada em novembro de 2020
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