GUIMARÃES DE PAULA
Raimundo Gilberto Guimarães de Paula nasceu em Manacapuru, no dia 30 de novembro de 1932, sendo filho de Raimundo Nazaré de Paula e de Dona Palmira Guimarães de Paula.
Sua formação foi adquirida tanto nos livros quanto na luta pela vida. A formação acadêmica entrou em conflito com a necessidade de trabalhar. Por isso, o poeta tornou-se funcionário público: ingressou na Petrobrás, em São Paulo, e a ela se dedicou, como administrador, pelo resto da vida.
Guimarães de Paula faz parte da geração que fundou o Clube da Madrugada, movimento criado em 1954, considerado o início do Modernismo na Literatura do Amazonas. Participou, ao lado de Alencar e Silva, Farias de Carvalho, Antísthenes Pinto, Jorge Tufic, da segunda caravana cultural que partiu, em 1953, para o Rio de Janeiro, passando pelo Nordeste, em busca de conhecimentos, novidades literárias, mantendo contato com grupos de intelectuais, agremiações literárias e poetas. Guimarães de Paula era o caçula do grupo: tinha apenas 20 anos.
Guimarães de Paula era apaixonado pela literatura. Alimentava o projeto de se dedicar unicamente à atividade literária. Esbarrou, entretanto, nas limitações e necessidades materiais. Diante das responsabilidades com o sustento da família, o poeta renunciou à carreira das letras, sem contudo renunciar à sua arte.
Por questões de sobrevivência, tornou-se funcionário público (Petrobrás), compatibilizando a atividade profissional com o labor poético. O tempo escasso e o excesso de zelo contribuíram para o adiamento da publicação de seu livro. Embora tenha concluído a primeira versão da obra em 1966, ficou todo esse tempo reelaborando seus poemas. O que explica a limpidez, a densidade e o vigor de seus versos.
Os poemas de Os Rebanhos da Fuga foram escritos ao longo de 40 anos, retratando os caminhos, as vivências, os sonhos, as alegrias e as tragédias experimentadas pelo autor.
Os poemas de Guimarães de Paula expressam sua preocupação com o metafísico, retratam a sua busca de compreensão para um existir transcendente. Viajando nas asas da poesia, o poeta procura uma explicação para a precariedade e a finitude da matéria.
As sete partes em que se divide a obra remetem à simbologia do número sete: representa a mudança que se segue a um ciclo concluído, a passagem do desconhecido para o conhecido. Na acepção da criação divina, simboliza o término da obra construtiva do mundo e a plenitude dos tempos.
O livro simboliza, pois, o ciclo da vida do poeta, a sua passagem pelo mundo em busca de Deus e do abrigo eterno.
Toda a produção poética de Guimarães de Paula está reunida em Os Rebanhos da Fuga. A obra ganhou, em 1976, o Segundo Prêmio Prefeitura de Manaus, mas não foi publicada. Guimarães de Paula faleceu em Manaus, em 27 de julho de 1996.
Obra poética: Os Rebanhos da Fuga (poesia, 1996)
Fonte da biografia: http://www.linguativa.com.br/
SILVA, Alencar e. Quadros da moderna poesia amazonense. Manaus, AM: Editora Valer, 2011. 228 p. 14x21 cm ISBN 978-85-7512-494-9
Inclui textos sobre os poetas Alcides Werk, Antísthenes Pinto, Astrid Cabral. Elson Farias, Ernesto Penafort, Farias de Carvalho, Guimarães de Paula, Jorge Tufic, Luiz Bacellar, L. Ruas, Max Carphentier, Sebastião Norões, Thiago de Melo, e um apêndice sobre o Clube da Madrugada e da Poesia de Muro e do presidente Aluisio Sampaio.
Poemas de GUIMARÃES DE PAULA:
CREPÚSCULO EM ARLES
Para Van Gogh
De ouro, carvão e azul
faz-se a imagem
da vida desterrada de algum mundo
sem humanos gestos
e vontade.
É tarde porque é tarde
e o sol não morre,
sol saído de mãos
sol de pincel
(mais real e verdadeiro).
Sob o céu lilás
(indefinível)
a tua face esquerda descoberta
Arles
— refúgio e musa,
beijo e fogo —
serena
espera
a longa noite que não vem.
PARA JAMES JOYCE
Ao Antísthenes Pinto
O Poeta tem direito de dizer
que possui uma rosa verde.
Quem pode negar que Estevan Dedalus
cultivou uma, duas, três ou mil e tantas
rosas verdes?
O poeta sabe fazer jardins
e inventar rosas!
PARA HÖLDERLIN
Vem com a noite
nas asas da noite
o mais divino presente
que os deuses enviam aos homens:
Quando cessa a luta
e o delicioso cansaço
sucede o trabalho incompleto
e o esforço vão
a paz dá ópio ao sono
e nasce o sonho
e forma de anjo de estrela e de flor.
PARA FERNANDO PESSOA
Foste vários poetas
Mas eles sempre foram tu, Fernando:
Ricardo — o clássico,
o Literário Campos,
outros mais que nos amplos
Paraísos da tua criação
Nos mantêm te amando,
Pois, chorando ou sorrindo
(quer de verdade ou fingindo)
Não sabemos se és tu ou os outros
Que neste poema poemas estás ou estão!
(De Os rebanhos da fuga, 1996)
PAULA, Guimarães de. Os Rebanhos da Fuga: poesia. 2ª. edição revista. Manaus, AM: Editora da Universidade do Amazonas, 2000. 125 p. 15x22 cm. ISBN 85-84482-71-0 Ex. Biblioteca Nacional de Brasília, doação da família de Francisco Vasconcelos.
SARGAÇO
Ser no mar do mundo
ínfimo corpo a boiar
sem saber o que há no fundo
um tesouro a explorar...
ESPELHO E FACE
Matam-no, e não vemos
no espelho de hoje
a nossa face de ontem.
Flor da alegria ou de mágoa
que outrora nascia de nós
crestou-se (ignota) no tempo.
A cada dia
quanto mais nos conhecemos
deixamos de ser nós mesmos,
dispersados, divididos,
em não sei quantos milhares
de faces dessemelhantes.
NO BARCO, SOBRE O RIO, NA INFÂNCIA
A grande noite me enchia de frio e de pavor.
No rio, grandes peixes estalavam caldas
como se fossem chicotes rasgando a pele
e pondo em minha insônia as gradações da dor.
Página ampliada e republicada em abril de 2017