DONALDO MELLO
Donaldo de Lima Mello nasceu em Manaus, Amazonas, em 1950, e reside na Capital Federal desde a década de 80. Atuou como professor universitário, economista e cientista político no Rio de Janeiro e em Brasília. Também como cronista do jornal eletrônico Ars Clara, abrigado no portal da Livraria Soletrando, de Niterói (coluna Eixo Cultural Brasília). Publicou poemas em 20 antologias decorrentes de concursos nacionais e internacionais de que participou, tendo recebido alguns prêmios por aquela via. Recentemente, teve seu nome e trabalho inscritos no livro Poesia e poetas do Amazonas(1785-2005) - Tenório Telles e Marcos Frederico Krüger, Manaus, Valer, 2006. O poeta não tem poupado esforços no sentido de granjear novos apreciadores de poesia. Dessa forma, tendo a música como importante aliada, tem participado de eventos em escolas públicas com estudantes de ensino fundamental e médio, de recitais públicos em projetos comunitários e de performances poéticas em que interpreta seus textos e de outros autores. Tem poemas gravados em CD, sendo um musicado para voz e piano camerísticos. A correspondência com o poeta e pedidos de seu livro Véspera de Azul- ilustrado por Inês Sarmet e publicado por Valer/Massao Ohno Editor- podem ser feitos pelo e-mail donaldomello@terra.com.br
"Trabalho com um grupo de pesquisadores da poesia latino-americana contemporânea, o CEPIA, e podia pensar em uma intervenção universitária a propósito da sua poesia. Gosto realmente do seu livro. (...) Espero que continuemos o nosso intercâmbio".
Catherine Dumas, professora titular do Departamento de Estudos e Pesquisas sobre Portugal, Brasil e África de Língua Portuguesa, Sorbonne, Paris
"Os textos se harmonizam com a arte de Inês Sarmet e o resultado é uma sensação de serenidade que fica no leitor. Será bom ler Véspera de Azul ouvindo o saxofone do poeta. Poesia no sentido forte de equilíbrio, de justeza. Zen. Nem acima nem abaixo da dura realidade: através".
Eliana Bueno Ribeiro, escritora residente em Paris, autora de Brésil: Littérature et Culture, publicado pela Embaixada no Brasil na França
"O seu livro Véspera de Azul chegou às minhas mãos e já tive o prazer de lê-Io. É um livro de poesias incomum nos nossos dias, porque em geral apresenta uma perspectiva promissora e positiva da existência, e principalmente do futuro provável. A sua é portanto uma poética perfeitamente em harmonia com a "poética" básica do espírito brasileiro, que apresenta uma tendência positiva em relação ao destino individual e coletivo. Não por acaso uma das principais peças do Vianinha se chamava Brasileiro, profissão: esperança."
Julio Monteiro Martins, professor de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira na Universidade de Pisa - Itália, escritor e editor da revista literária Sagarana (www.sagarana.net)
"O quadro impressionista que a poesia de Donaldo Mello revela é de um otimismo beirando ao tocante: "(...) Tudo flui. Suave. Pacífico estado eterno. (...)" Ainda no seu entender: Há duas palavras/que a poesia não consegue separar: ver e só. Como na indissolúvel sonata schumaniana que ele exercita com Inês Sarmet, a suprema ilustradora deste livro princeps” . Massao Ohno, editor, na orelha do livro Véspera de Azul
"A poesia de Donaldo Mello é emblemática do compromisso com a vida e com a beleza. Seu trabalho é expressivo de sua dedicação à arte do verso, também de sua exigência e rigor no plano da elaboração poética. (...). A constância e a dedicação à poesia fazem de Donaldo Mello um caso exemplar. O tempo e as dificuldades não arrefeceram seu entusiasmo pela faina poética. A publicação deste livro é uma metáfora dos desafios que ensejam a luta dos artistas que se dedicam ao ofício de encantar as palavras. Este livro, além de seu conteúdo poético, é portador de uma lição: não há sonho sem sacrifícios e toda realização nasce da paciência e da perseverança" Tenório Telles, escritor residente em Manus-AM, autor, entre outros, de A derrota do mito, Valer, 2003, professor de literatura e editor.
"É muito raro encontrarmos um poeta estreante com a maturidade de Donaldo Mello. Embora seu gosto pela literatura remonte aos anos adolescentes, ele teve paciência e suficiente autocrítica, essa rara virtude, para aguardar o momento certo de reunir em livro seus poemas. (...) Donaldo consegue atingir o que todo poeta verdadeiro almeja - a alma universal, perpassada por contradições e paradoxos, algo difícil de se transmitir por qualquer forma de arte, quando o autor não domina o seu ofício.".
Jason Tércio, escritor residente em Brasília, autor, entre outras obras, de Órfão da Tempestade (biografia do cronista Carlinhos Oliveira), Os escolhidos, A espada e a balança e Pão de Queijo em Hard Park, além de organizador da série de trabalhos de José Carlos Oliveira, que vem sendo reeditada.
"Fique certo o leitor de que Véspera de Azul não é uma obra somente sobre o tempo. Está estruturada nos sentidos: visão (do escuro), audição (do silêncio), olfato (do inodoro), paladar (do insípido) e tato (do desconhecimento). (...) Os exigentes do gênero encontrarão em Véspera de Azul uma lição de como se produz arduamente poemas (...) Poemas se constroem com arte, técnica, temperança, suor, persistência, exigência, denodo. (...) Poeta faz desprender a poesia do poema, extrai a aurora de dentro do Sol. E isso Donaldo Mello sabe fazer. Assim como sabe utilizar pincéis, tela e tinta a artista plástica que ilustra este livro-solo, Inês Sarmet"
Iterbio Galiano, escritor residente em Niterói-RJ, jornalista e produtor cultural, responsável pelo Programa Polifonia das Ruas, veiculado pela UNITEVÊ, autor, entre outros, de Doidas Conversas: João do Rio, o anfitrião de Charles Baudelaire.
"Li de uma assentada o Véspera de Azul. Uma estréia com a qualidade dos veteranos. (...).0 que chama a atenção também na confecção poética é a busca da essência com o mínimo de recursos. A economia de meios é patente. É como a homeopatia que chegou ao paroxismo da redução para encontrar a eficácia. Seus poemas têm esse condão de dizer tudo sem adereços, sem adjetivações desnecessárias. Há como que um pathos metafísico, algo que transcende a mera formalidade do vocábulo para ser entendido num plano onírico. (...). A poesia em Donaldo Mello é compromisso reflexivo com a vida (...) Véspera de Azul abre -nos as janelas para a possibilidade de vôos na imensidão metafórica de uma criação do mais alto nível".
Ronaldo Cagiano , escritor residente em Brasília, autor, entre outros, de Dezembro indigesto
“Venho agradecer o presente encantador que me enviaram: o livro de poesia Véspera de Azul - jóia criada pelo casal de artistas. Sobre a obra, escreveu um artigo admirável o confrade Jason Tércio. Apóio tudo que ele escreveu".
Cassiano Nunes, decano dos poetas de Brasília, seu primeiro editor foi também Massao Ohno, editor do Véspera de Azul.
"Agradeço-lhe com fervor e alegria o delicado e harmonioso dom que me oferecem. Como jóia e porta-jóia de belezas múltiplas e sempre generosas, diante da vida e dos homens."
Marco Lucchesi, professor da UFRJ, escritor, então editor da Revista Poesia Sempre, publicada pela Biblioteca Nacional, autor, entre outros, de Sphera e Poemas Reunidos tc ""
“(...) Caixa de Bordado é composição que, feita sob medida, calha magnificamente como texto de abertura deste livro - Bordado para Iniciantes - de Donaldo Mello. Não apenas pelo evidente nexo com a linha anunciada no título geral, mas também, e sobretudo, pelo fato de que a caixa, com suas pequenas utilidades e inutilidades (realinhavo livremente palavras usadas pelo autor), é mais do que metáfora do livro, porque metáfora da vida. (...)
Donaldo Mello conduz a sua poesia de modo harmonioso e metódico. Há certa homogeneidade nos seus procedimentos. Mas, vez por outra, de repente um clarão. Que ajuda a ver o que se oculta nas sombras anteriores e a prospectar as que virão. “Asas da Liberdade” é um desses clarões - como um relâmpago na floresta noturna.(...)
Os poemas aqui reunidos são, freqüentemente, breves, sugestivos, elípticos. A memória em blocos, em coágulos incomunicantes; contudo, pelo mistério da poesia, comunicativos. Foi o que quis dizer quando falei em sombras. E o hermetismo, que sela parte deles, pode ser exemplificado justamente num poema intitulado “Sombra”. (...)
A economia de meios, expressão que muita vez encobre ou disfarça a falta de recursos, no caso de Donaldo Mello é, de fato, uma opção expressiva. A riqueza da caixa de pertences do poeta é visível em diversas composições, mas escolherei para exemplificá-la um único poema, o de título “Assobia, Vento, Assovia”: atente-se em que a substituição da bilabial pela fricativa, longe de ser gratuita, longe de traduzir uma mera exibição da duplicidade gráfica do vocábulo, é sabiamente expressiva, criando um crescendo imitativo, onomatopaico, na passagem de uma forma para a outra, como o assovio em v, rascante, sobrepujando a mais delicada sibilação da primeira. tc " A economia de meios, expressão que muita vez encobre ou disfarça a falta de recursos, no caso de Donaldo Mello é, de fato, uma opção expressiva. A riqueza da caixa de pertences do poeta é visível em diversas composições, mas escolherei para exemplificá-la um único poema, o de título “Assobia, Vento, Assovia”\: atente-se em que a substituição da bilabial pela fricativa, longe de ser gratuita, longe de traduzir uma mera exibição da duplicidade gráfica do vocábulo, é sabiamente expressiva, criando um crescendo imitativo, onomatopaico, na passagem de uma forma para a outra, como o assovio em v, rascante, sobrepujando a mais delicada sibilação da primeira."
Sirvam estas palavras iniciais de alerta ao leitor para as possibilidades da leitura poemática, em geral, e particularmente dos poemas deste livro, singularmente ilustrado pelas digigrafias de Inês Sarmet. Mais não pretendo, acrescentando apenas que, para a vera apreciação de qualquer (boa) poesia, entrega é fundamental. Encerro-as, apropriando-me de outro dos relâmpagos inventados pelo poeta (em “Velejando”), com a afirmação de que a poesia de Donaldo Mello, neste livro, progride a “velas enfunadas, plena”. Anderson Braga Horta (fragmentos do prefácio escrito para o livro Bordado para Iniciantes, que ainda está inédito)
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VOZES DE AÇO. XXI Antologia Poética de Diversos Autores. Homenagem ao Acadêmico Antonio Carlos Secchin. Organização, Montagem e Editoria Jean Carlos Gomes. Volta Redonda, RJ: PoeArt Editora, 2019. 102 p. ilus. fotos. p&b e col. 15x 21 cm.
ISBN 978-65-5031-008-0 Inclui textos e fotos de poetas brasileiros contemporáneos de varias parte do Brasil. Ex. bibl. Antonio Miranda
TRÍADE SOBRE A CEGUEIRA:
Fura-me os olhos para que
eu possa ver melhor. (Jorge de Lima)
(I)
A natureza quase não se vê.
CÉU DA FRUTA
Sorver fruto sumarento
sem pensar como parti.
Da carambola fatiada o
acidoce avento, tento:
as estrelas que comí...
(II)
O Tempo: “não” se vê
RELATIVIDADE
Se o futuro chega veloz
para que tanta pressa, ora?
A cada sessenta minutos
já se foi lá uma hora.
(III)
O Espírito: “nunca” se “Vê”
FORÇAS RADIANTES
Muito desejei o Amigo,
estrada dourada,
que me torna vivo.
Doce refúgio, morada.
Muito desejei a Arte,
estrada dourada,
que me atrai e parte,
Doce refúgio, morada.
Ao ex-gymnasiano Nildson Araújo da Cruz,
na comemoração deo “Sesquicentenário” do
Gymnasio D. Pedro II de Manaus – AM,
saudando a velha amizade amazônica.
MELLO, Donaldo. Bordado para principiantes. Concepção visual/ Ilustração Inês Sarmet. Manaus, AM; Editora Valer, 2008. 150 p.
16x23 cm. ISBN 85-7512-223-1
CAIXA DE BORDADO
O caos é uma ordem por decifrar
José Saramago em O Homem duplicado
Guardados sem utilidade,
lembranças apenas:
o Agnus Dei da viagem,
um santinho-mensagem
da Primeira Comunhão,
medalhinha de N. Sra.
do Perpétuo Socorro,
bóton da Liga Católica.
Lembranças com utilidade,
guardados apenas:
muitos botões solteiros,
botão de osso, de plástico,
de metal, de madrepérola,
forrado de pano.
Botões miudinhos, graúdos,
caídos no caminho.
Despregados.
Apenas
inutilidades,
guardadas lembranças:
carretéis variados, avariados,
vazios, incompletos.
Jardas de linha: puídas, partidas.
Despregadas.
Meadas com tons diversos: arco-íris na caixa.
Linha Corrente, Varicor, timbre variado no bordado:
entre o roxo e o encarnado, escarlate em sustenido
o azul em bemol. O caos da caixa se encaixa:
em tardes soturnas, domingos vazios, alinhavando
cascalhos de resquícios - colcha de retalhos, de sombras.
Das sobras do passado, pó,
ao futuro do presente: Vida ... só!
ASAS DA LIBERDADE
Que terás visto?
Há quanto tempo tu avisas,
bem-te-vi ...
Cora Coralina em Vintém de Cobre
Estático,
o pássaro,
canta no alto.
Embaixo, o ser,
ouvindo cantar
voa estático.
Estático,
o pássaro,
sem cantar .
Embaixo,
o ser-pássaro,
ainda a ouvir cantar.
Fundem-se no alto
os pássaros
no silêncio do vôo ...
Para Bernardo Bernardes, poeta da 7ª Arte
SOMBRA
A verdade não penetra num entendimento rebelde.
Se todos os lugares da terra estão no Aleph,
ali estarão todas as (...) fontes de luz.
Jorge Luiz Borges em O Aleph
Perfil de mão.
Oferenda de hóstia.
Flutua sobre espelho
d’água, sutil.
Relógio de sol,
sem Sol,
sem luz,
seduz.
À sombra de Borges,
seqüência
numérica apenas.
De cinco a dezenove,
haste de ferro no
centro.
Sem sombra,
o
tempo dissolve.
Bússola sem Norte.
Tempo como invenção
do homem.
ASSOBIA, VENTO, ASSOVIA
Reuniram-se em congresso
todos os ventos do mundo; ...
Joaquim Cardozo
Quando formos
tão velhos
quanto os ventos,
agora será tudo
que teremos.
O futuro ruiu,
fugiu.
Esfumou-se
com o tempo.
Como vento.
E, na parede,
talvez restarão
fixados
alguns retratos:
bisavós, avós.
Retrovisor
embaçado.
VELEJANDO
A Vera e Luiz Amorim,
carnes e livros na mesma navegação
À-toa, à-toa.
Vida é tão boa.
Navegando frágil,
como uma canoa.
A vida vale a
pena, a velas
enfunadas, plena.
(poemas transcritos de Bordado para iniciantes, livro inédito)
(DES)APONTAMENTOS DE CORTE E COSTURA
Às costureiras d´antes...
Reclame colado
em um poste de arrabalde:
“COSTURA-SE PARA DENTRO”
.........................................................
Entre aviamentos dispensados:
a linha de luz
do Sol
uma linhazinha laranja
fininha
auxilia na costura
do tecido da claridade
Por desuso do amor
o uso de linhas frágeis
descostura em vácuos
de escurecimento
Pontos em cruz
se cruzam
nas sombras de
agulhas rombudas
Robustos dedos abraçam-se
em torno das agulhas finas
cerzindo meias velhas
Velhas meias-verdades jazem
envolvendo ovos de costura
como as velhas meias
furadas
Caducam no dedal
plena candura
pena!
OLHA O PASSARINHO
Desafiar a lei da gravidade,
por brincadeira,
parece ofício de helicóptero.
Desafinar a lei da gravidade,
por ofício, onde for,
parece brincadeira de beija-flor.
VENDO PASSARINHO
Cata-vento em movimento,
daqueles de domingo no zôo,
pode ser também
como olhar o decolar
de uma rolinha ao vôo.
Detrás, em linha reta,
ruidinho de bicicleta
percorre uma fuga,
fugaz, zás.
............................................
Movimento em cata-vento
Uma rolinha traz.
VOLPI ESTILIZADO
Varal de roupas recicláveis
nos quintais humildes
dos arrabaldes.
Varal de bandeirinhas amáveis
nas festas juninas
das províncias.
Varal de brinquedos infláveis
no mercado informal
do trabalho neofuneral
Varal de pessoas descartáveis
no pecado mortal
da República neocanibal .
(poemas transcritos do livro Véspera de Azul)
MELLO, Donaldo. Véspera de azul. Ilustração de Inês Sarmet. Manaus, AM: Editora Valer / Governo do Estado do Amazonas; São Paulo: Massao Ohno, 2002. 128 p. ISBN 85-86512-65-1 14X21 cm
O PAISAGISMO POÉTICO DE DONALDO MELLO
Maurício MeIo Júnior*
Para que serve a poesia? A pergunta é recorrente e nasce sempre no instante em que surge um livro, um exercício poético alheio. Na verdade é impossível saber a real e precisa função da poesia. Se no romantismo teve a missão de encantar, nasceu para chocar nos cânticos engajados dos anos 20, ou ainda para seduzir quando manipulada nos sonetos de Vinícius de Moraes ou no cantar bíblico de Salomão. Enfim, a poesia não tem função nenhuma e, ao mesmo tempo, carrega em si todas as funções do espírito.
No caso específico do poeta Donaldo Mello a poesia tem a função de captar imagens. Pelo menos é o que parece sobressair da leitura de seu livro Véspera de Azul (Valer Editora/Massao Ohno, Manaus, 2002). Ele doma as palavras como quem move um pincel. Escreve como se desenhasse. E a primeira curiosidade é que a paisagem se mostra mesmo quando implícita, quando somente insinuada. "Vésperas em verso. Canto de um galo / chamando outra vez o dia. Alumia", diz logo no primeiro poema do volume. E aqui já denuncia uma maturidade gritante. A véspera se insinua com toda sua carga etimológica, com seu mais lato sentido. Antes de se apresentar apenas como antes, se multiplica no sentido latino de tarde. É como se o poeta ignorasse a própria noite para alumiar de imediato a claridade da mensagem.
Não foi em vão que Donaldo deixou amadurecer ao extremo seus versos. Depois de passar anos a fio na oficina dos versos, somente agora publica o primeiro livro. A estréia é de um adulto, percebe-se. No entanto não se trata aqui de uma questão etária, mas de segurança poética. É facilmente perceptível a sólida cultura literária. Há algo de Ferreira Gullar neste "trôpego vôo cego / na útil asa / da inútil poesia." Há algo de Fernando Pessoa neste "imenso universo do eu / o outro lado do espelho".
Claro que ele tem influências como qualquer poeta conhecedor de seu oficio. O importante salientar, no entanto, é que também estas influências estão mais do que contidas, estão domadas. E com isso consegue Donaldo extrair de si mesmo a originalidade dos versos. E o seu original é mesmo a paisagem. E logo se percebe as tantas referências aos pássaros, aos pintores, aos fotógrafos, às cores.
O interessante é que não há nada de exuberante. Mesmo tendo nascido na imensidão amazônica, numa região onde a emoção mais sutil deságua em pororoca, tudo no poeta é docilidade e sutileza. "Em tempos como estes, dar à luz / arrisca a mãe condenar à escuridão." Há forma mais modesta de gritar contra a opressão moderna?
Neste jogo de delicadezas, os versos se acasalam com as ilustrações, se complementam, interagem-se. Este trabalho coube à artista plástica Inês Sarmet. E como Donaldo renuncia à descrição plena, ela renuncia ao desenho. São muitos os momentos em que é claro seu talento para o desenho simétrico e linear, mas também ela quer somente insinuar as coisas. E como um näif que enxerga ingenuidade em tudo, Inês traça suas linhas com liberdade e compromisso somente com o lúdico.
O leitor, enfim, fica diante de um poeta que se deixou amadurecer para conquistar a simplicidade. Já o espectador está diante de uma pintora que jogou fora a facilidade do traço linear. E nos dois casos, tudo em nome da beleza lúdica e plena.
* Maurício Melo Junior é jornalista, crítico literário, professor universitário, escritor. Titular do programa Leituras, da TV Senado, com apresentação aos sábados às 9h30min e aos domingos, às 20h30min: www.senado.gov/tv/programas/leituras.asp
(Texto escrito em agosto 2003, a propósito da publicação de Véspera de Azul.)
Donaldo Mello
BORDADO PARA INICIANTES
Concepção visual/ilustração Inês Sarmet
Manaus: Editora VALER, 2008. 130 p.
ISBN 85-7512-223-1
Donaldo Mello conduz a sua poesia de todo modo harmonioso e melódico. Há uma clara homogeneidade nos seus procedimentos. (...) Os poemas aqui reunidos são, freqüentemente, breves, sugestivos, elípticos. A memória em blocos, em coágulos incomunicantes; contudo, pelo mistério da poesia, comunicativos. (...) Curtos, soem ser também sintaticamente reduzidos — tipo de construção em que facilmente se estrutura o epigrama. (Entendamos, neste passo, por epigrama a composição breve e satírica, ou irônica.) E muitos destes poemas são epigramáticos.
Anderson Braga Horta
DONALDO E O BORDADO
Poema de Antonio Miranda
no lançamento de “Bordado para Iniciantes”
de Donaldo Mello (2008)
texturas, tessituras
e suas mesuras
nos alinhavos, pespontos
e ligaduras intertextuais
— por que não, sensuais? —
de suas iluminuras;
seus bastidores tendidos
surpreendidos,
revelados em bordados
de relevos e desvelamentos:
sombras, assombros.
reconhecendo pelos dedos
— superfícies palpáveis —
dados, disfarces, arremates;
não descartáveis: se encaixam,
guardados, pertences, ais,
se recolhem, expõem, afloram
— arrebatam: botões a mais.
inutilidades: em utilidades
secretas, em caixas reabertas,
revividas, reavivando-se:
labirintos, meandros, rios;
fios entrelaçados, debruns
de sonhos costurados, postergados,
alados, dissipados, idos.
MURO
Dia, dias, dias.
Mês, meses, meses.
Ano, anos, anos.
E as horas,
como pedra sobre pedra,
a desmontar o muro,
duro, da rotina.
Desvelando a riqueza
das miudezas idas:
cada partida,
uma surpresa.
A beleza das vidas.
EM BUSCA DO TEMPO...
Aos amigos Ângela e Laurence
jogo da velha
craveja n´alma
espírito da infância
do qual ressurge
um sentimento
de inocência
co9lorido de círculos
e multidões
de xis gritando,
silenciosamente,
sem riscos de giz.
INARMÔNICO
Soa magra
a música do piano.
Flexível
Algo suave
Penetrando o espaço
Solo clássico, lanças
Base de umas danças
Suam gordas
duas crianças
Rijas
Algo marciais
Fixas a uma barra
Dois sóis de malha
Azul e branco encanta
Em perfeita harmonia
a gorda maior abaixa
a gordinha menor levanta.
Inocentes, dançam
o balé da desarmonia.
CANTO DA MATINA
Não havia nada mais regular que as horas
da velha tia. Levantava cedo, com o dia.
Pedro Nava, Baú de ossos
extremo das forças
limite do tempo
entre levantar
e escovar, vento
dentes adormecidos
acordam cremosos
clareiam noites
dias extremosos.
AURORA
Amo o que há de
ambíguo num
porto de mar, que
convida a partir
e ensina a ficar...
Cassiano Nunes
cama quente
escova de dente
água fria
pia esguia
começa mais
um dia...
VELEJANDO
A Vera e Luiz Amorim,
carnes e livros
na mesma navegação
À-toa, à-toa.
Vida é tão boa.
Navegando frágil,
como uma canoa.
A vida vale a
pena, a velas
enfunadas, plenas.
POESIA E POETAS DO AMAZONAS. Organizadores: Tenório Telles; Marcos Frederico Krüger. Manaus: Valer, 2006. 326 p. Ex. bibl. Antonio Miranda
Anunciação
Noite se queda preguiçosa sobre um azul
esvoaçante...
Um vão, alguma aragem, viagem. Um voo,
de nave no espaço, sem asas...
Vésperas em verso. Canto de um galo
chamando outra vez o dia. Alumia.
Janelas se abrem sugerindo os
cinco sentidos poéticos
que tentam, singelamente, falar ao coração.
(Véspera do azul)
Viceversando
Fogem as palavras do poema
quando ele vem por inteiro.
A escrita, como um puçá*,
colhe suavemente as ideias
com um jeito matreiro.
Mas o rumor, como uma
gargalhada de humor,
extrai do inteiro um pé.
Fica às vezes capenga
aquilo que fora poema.
Um verso somente
sem trema
o canto da seriema.
(Ibidem)
* Define-se como "puçá", também conhecido como gererê, coador ou sarrico, um petrecho de pesca confeccionado com rede e ensacador, instalado em uma armação em forma de aro.
Página ampliada e republicada em fevereiro de 2008. AMPLIADA em novembro de 2019.
Página ampliada em novembro de 2020
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