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 DONALDO   MELLO  

                                                                                          

                                                  

                    
              
Donaldo de Lima  Mello nasceu em Manaus, Amazonas, em 1950, e reside na Capital Federal desde a década de 80. Atuou como professor universitário, economista e cientista político no Rio de Janeiro e em Brasília. Também como cronista do jornal eletrônico Ars Clara, abrigado no portal da Livraria Soletrando, de Niterói (coluna Eixo Cultural Brasília). Publicou poemas em 20 antologias decorrentes de concursos nacionais e internacionais de que participou, tendo recebido alguns prêmios por aquela via. Recentemente, teve seu nome e trabalho inscritos no livro Poesia e poetas do Amazonas(1785-2005) - Tenório Telles e Marcos Frederico Krüger, Manaus, Valer, 2006.  O poeta não tem poupado esforços no sentido de granjear novos apreciadores de poesia. Dessa forma, tendo a música como importante aliada, tem participado de eventos em escolas públicas com estudantes de ensino fundamental e médio, de recitais públicos em projetos comunitários e de performances poéticas em que interpreta seus textos e de outros autores. Tem poemas gravados em CD, sendo um musicado para voz e piano camerísticos. A correspondência com o poeta e pedidos de seu livro Véspera de Azul- ilustrado por Inês Sarmet e publicado por Valer/Massao Ohno Editor- podem ser feitos pelo e-mail donaldomello@terra.com.br

 

"Trabalho com um grupo de pes­quisadores da poesia latino-america­na contemporânea, o CEPIA, e po­dia pensar em uma intervenção univer­sitária a propósito da sua poesia. Gosto realmente do seu livro. (...) Espero que continuemos o nosso in­tercâmbio".

Catherine Dumas, professora ti­tular do Departamento de Estudos e Pesquisas sobre Portugal, Brasil e África de Língua Portuguesa, Sor­bonne, Paris

 

"Os textos se harmonizam com a arte de Inês Sarmet e o resultado é uma sensação de serenidade que fica no leitor. Será bom ler Véspera de Azul ouvindo o saxofone do poeta. Poesia no sentido forte de equilíbrio, de justeza. Zen. Nem acima nem abai­xo da dura realidade: através".

Eliana Bueno Ribeiro, escrito­ra residente em Paris, autora de Bré­sil: Littérature et Culture, publicado pela Embaixada no Brasil na França

"O seu livro Véspera de Azul che­gou às minhas mãos e já tive o pra­zer de lê-Io. É um livro de poesias incomum nos nossos dias, porque em geral apresenta uma perspectiva promis­sora e positiva da existência, e prin­cipalmente do futuro provável. A sua é portanto uma poética per­feitamente em harmonia com a "poé­tica" básica do espírito brasileiro, que apresenta uma tendência positiva em relação ao destino individual e coleti­vo. Não por acaso uma das princi­pais peças do Vianinha se chamava Brasileiro, profissão: esperança."

Julio Monteiro Martins, profes­sor de Língua Portuguesa e Litera­tura Brasileira na Universidade de Pisa - Itália, escritor e editor da re­vista literária Sagarana (www.sagarana.net)

"O quadro impressionista que a poesia de Donaldo Mello revela é de um otimismo beirando ao tocante: "(...) Tudo flui. Suave. Pacífico esta­do eterno. (...)" Ainda no seu enten­der: Há duas palavras/que a poesia não consegue separar: ver e só. Como na indissolúvel sonata schu­maniana que ele exercita com Inês Sarmet, a suprema ilustradora deste livro princeps” .  Massao Ohno, editor, na orelha do livro Véspera de Azul

 

"A poesia de Donaldo Mello é emblemática do compromisso com a vida e com a beleza. Seu trabalho é expressivo de sua dedicação à arte do verso, também de sua exigência e rigor no plano da elaboração poé­tica. (...). A constância e a dedicação à poesia fazem de Donaldo Mello um caso exemplar. O tempo e as dificul­dades não arrefeceram seu entusi­asmo pela faina poética. A publica­ção deste livro é uma metáfora dos desafios que ensejam a luta dos artistas que se dedicam ao ofício de encantar as palavras. Este livro, além de seu conteúdo poético, é portador de uma lição: não há sonho sem sa­crifícios e toda realização nasce da paciência e da perseverança"   Tenório Telles, escritor residen­te em Manus-AM, autor, entre outros, de   A derrota do mito, Valer, 2003, professor de literatura  e editor.

 "É muito raro encontrarmos um poeta estreante com a maturidade de Donaldo Mello. Embora seu gosto pela literatura remonte aos anos ado­lescentes, ele teve paciência e sufi­ciente autocrítica, essa rara virtude, para aguardar o momento certo de reunir em livro seus poemas. (...) Do­naldo consegue atingir o que todo poeta verdadeiro almeja - a alma uni­versal, perpassada por contradições e paradoxos, algo difícil de se trans­mitir por qualquer forma de arte, quan­do o autor não domina o seu ofício.".

Jason Tércio, escritor residente em Brasília, autor, entre outras obras, de Órfão da Tem­pestade (biografia do cronista Carli­nhos Oliveira), Os escolhidos, A espada e a balança e Pão de Queijo em Hard Park, além de organizador  da série de trabalhos de José Carlos Oliveira, que vem sendo reeditada.

 

"Fique certo o leitor de que Vés­pera de Azul não é uma obra so­mente sobre o tempo. Está estrutura­da nos sentidos: visão (do escuro), audição (do silêncio), olfato (do ino­doro), paladar (do insípido) e tato (do desconhecimento). (...) Os exigen­tes do gênero encontrarão em Vés­pera de Azul uma lição de como se produz arduamente poemas (...) Po­emas se constroem com arte, técni­ca, temperança, suor, persistência, exigência, denodo. (...) Poeta faz des­prender a poesia do poema, extrai a aurora de dentro do Sol. E isso Do­naldo Mello sabe fazer. Assim como sabe utilizar pincéis, tela e tinta a ar­tista plástica que ilustra este livro-solo, Inês Sarmet"

Iterbio Galiano, escritor resi­dente em Niterói-RJ, jornalista e pro­dutor cultural, responsável pelo Programa Polifonia das Ruas, veiculado pela UNITEVÊ, autor, entre outros, de Doidas Con­versas: João do Rio, o anfitrião de Charles Baudelaire.

 

"Li de uma assentada o Véspera de Azul. Uma estréia com a qualida­de dos veteranos. (...).0 que chama a atenção também na confecção po­ética é a busca da essência com o mínimo de recursos. A economia de meios é patente. É como a homeopa­tia que chegou ao paroxismo da re­dução para encontrar a eficácia. Seus poemas têm esse condão de dizer tudo sem adereços, sem adjetivações desnecessárias. Há como que um pathos metafísico, algo que transcen­de a mera formalidade do vocábulo para ser entendido num plano oníri­co. (...). A poesia em Donaldo Mello é compromisso reflexivo com a vida (...) Véspera de Azul abre -nos as janelas para a possibilidade de vôos na imensidão metafórica de uma cri­ação do mais alto nível".

Ronaldo Cagiano , escritor re­sidente em Brasília, autor, entre outros, de De­zembro indigesto

 

“Venho agradecer o presente encantador que me enviaram: o livro de poesia Véspera de Azul - jóia cri­ada pelo casal de artistas. Sobre a obra, escreveu um artigo admirável o confrade Jason Tércio. Apóio tudo que ele escreveu".

Cassiano Nunes, decano dos poetas de Brasília, seu primeiro edi­tor foi também Massao Ohno, editor do Véspera de Azul.

 

"Agradeço-lhe com fervor e ale­gria o delicado e harmonioso dom que me oferecem. Como jóia e por­ta-jóia de belezas múltiplas e sempre generosas, diante da vida e dos ho­mens."

Marco Lucchesi, professor da UFRJ, escritor, então editor da Revista Poesia Sempre, pu­blicada pela Biblioteca Nacional, autor, entre outros, de Sphera e Poemas Reunidos                                                                         tc ""

 

“(...) Caixa de Bordado é composição que, feita sob medida, calha magnificamente como texto  de abertura deste livro  - Bordado para Iniciantes  -  de Donaldo Mello. Não apenas pelo evidente nexo com a linha anunciada no título geral, mas também, e sobretudo, pelo fato de que a caixa, com suas pequenas utilidades e inutilidades (realinhavo livremente palavras usadas pelo autor), é mais do que metáfora do livro, porque metáfora da vida. (...)

Donaldo Mello conduz a sua poesia de modo harmonioso e metódico. Há certa homogeneidade nos seus procedimentos. Mas, vez por outra, de repente um clarão. Que ajuda a ver o que se oculta nas sombras anteriores e a prospectar as que virão. “Asas da Liberdade” é um desses clarões - como um relâmpago na floresta noturna.(...)

 Os poemas aqui reunidos são, freqüentemente, breves, sugestivos, elípticos. A memória em blocos, em coágulos incomunicantes; contudo, pelo mistério da poesia, comunicativos. Foi o que quis dizer quando falei em sombras. E o hermetismo, que sela parte deles, pode ser exemplificado justamente num poema intitulado “Sombra”. (...)

 A economia de meios, expressão que muita vez encobre ou disfarça a falta de recursos, no caso de Donaldo Mello é, de fato, uma opção expressiva. A riqueza da caixa de pertences do poeta é visível em diversas composições, mas escolherei para exemplificá-la um único poema, o de título “Assobia, Vento, Assovia”: atente-se em que a substituição da bilabial pela fricativa, longe de ser gratuita, longe de traduzir uma mera exibição da duplicidade gráfica do vocábulo, é sabiamente expressiva, criando um crescendo imitativo, onomatopaico, na passagem de uma forma para a outra, como o assovio em v, rascante, sobrepujando a mais delicada sibilação da primeira. tc "             A economia de meios, expressão que muita vez encobre ou disfarça a falta de recursos, no caso de Donaldo Mello é, de fato, uma opção expressiva. A riqueza da caixa de pertences do poeta é visível em diversas composições, mas escolherei para exemplificá-la um único poema, o de título “Assobia, Vento, Assovia”\: atente-se em que a substituição da bilabial pela fricativa, longe de ser gratuita, longe de traduzir uma mera exibição da duplicidade gráfica do vocábulo, é sabiamente expressiva, criando um crescendo imitativo, onomatopaico, na passagem de uma forma para a outra, como o assovio em v, rascante, sobrepujando a mais delicada sibilação da primeira."

Sirvam estas palavras iniciais de alerta ao leitor para as possibilidades da leitura poemática, em geral, e particularmente dos poemas deste livro, singularmente ilustrado pelas digigrafias de Inês Sarmet. Mais não pretendo, acrescentando apenas que, para a vera apreciação de qualquer (boa) poesia, entrega é fundamental. Encerro-as, apropriando-me de outro dos relâmpagos inventados pelo poeta      (em “Velejando”), com a afirmação de que a poesia de Donaldo Mello, neste livro, progride a “velas enfunadas, plena”. Anderson Braga Horta (fragmentos do prefácio escrito para o livro Bordado para Iniciantes, que ainda está inédito)

 

 

VOZES DE AÇO.  XXI  Antologia Poética de Diversos Autores.  Homenagem ao Acadêmico Antonio Carlos Secchin. Organização, Montagem e Editoria  Jean Carlos Gomes. Volta Redonda, RJ: PoeArt Editora, 2019.  102 p.  ilus. fotos. p&b e col. 15x 21 cm.
ISBN 978-65-5031-008-0   Inclui textos e fotos de poetas brasileiros contemporáneos de varias parte do Brasil.  Ex. bibl. Antonio Miranda

 

 

 

             TRÍADE SOBRE A CEGUEIRA:

Fura-me os olhos para que
eu possa ver melhor. (Jorge de Lima)

 

                (I)
                A natureza quase não se vê.

 

                CÉU DA FRUTA

 
 

                Sorver fruto sumarento
sem pensar como parti.
Da carambola fatiada o
acidoce avento, tento:
as estrelas que comí...

 

                (II)

                O Tempo: “não” se vê

 
 

                RELATIVIDADE

Se o futuro chega veloz
para que tanta pressa, ora?
A cada sessenta minutos
já se foi lá uma hora.

 

                (III)

                O Espírito: “nunca” se “Vê”

 
 

FORÇAS RADIANTES

Muito desejei o Amigo,
estrada dourada,
que me torna vivo.
Doce refúgio, morada.

 

 
 

Muito desejei a Arte,
estrada dourada,
que me atrai e parte,
Doce refúgio, morada.

 

                        Ao ex-gymnasiano Nildson Araújo da Cruz,
na comemoração deo “Sesquicentenário” do
Gymnasio D. Pedro II de Manaus – AM,
saudando a velha amizade amazônica.

 

 

 

 

MELLO, DonaldoBordado para principiantes.  Concepção visual/ Ilustração Inês Sarmet.   Manaus, AM; Editora Valer, 2008.  150 p.
16x23 cm.   ISBN 85-7512-223-1 

 

CAIXA DE BORDADO

 

O caos é uma ordem por decifrar

José Saramago em O Homem duplicado

 

 

 

Guardados sem utilidade,

lembranças apenas:

o Agnus Dei da viagem,

um santinho-mensagem

da Primeira Comunhão,

medalhinha de N. Sra.

do Perpétuo Socorro,

bóton da Liga Católica.

 

 

Lembranças com utilidade,

guardados apenas:

muitos botões solteiros,

botão de osso, de plástico,

de metal, de madrepérola,

forrado de pano.

Botões miudinhos, graúdos,

caídos no caminho.

Despregados.

Apenas

inutilidades,

guardadas lembranças:

carretéis variados,  avariados,

vazios, incompletos.

Jardas de linha: puídas, partidas.

Despregadas.

 

 

Meadas com tons diversos: arco-íris na caixa.

Linha Corrente, Varicor, timbre variado no bordado:

entre o  roxo e o encarnado, escarlate em sustenido

o azul em bemol. O caos da caixa se encaixa:

 em tardes soturnas, domingos vazios, alinhavando

cascalhos de resquícios -  colcha de retalhos, de sombras.

Das sobras do passado, pó,

ao futuro do presente: Vida ... só!

 

 

 

                                         ASAS  DA  LIBERDADE

 

Que terás visto?

Há quanto tempo tu avisas,

bem-te-vi ...

Cora Coralina em Vintém de Cobre

 

 

Estático,

o pássaro,

canta no alto.

 

Embaixo, o ser,

ouvindo cantar

voa estático.

 

Estático,

o pássaro,

sem cantar .

 

Embaixo,

o ser-pássaro,

ainda a ouvir cantar.

 

Fundem-se no alto

os pássaros

no silêncio do vôo ...

Para Bernardo Bernardes, poeta da 7ª Arte 

 

 

 

SOMBRA 

 

A verdade não penetra num entendimento rebelde.

Se todos os lugares da terra estão no Aleph,

ali estarão todas as (...) fontes de luz.

Jorge Luiz Borges em O Aleph

 

 

 

Perfil de mão.

Oferenda de hóstia.

Flutua sobre espelho

d’água, sutil.

Relógio de sol,

sem Sol,

sem  luz,

seduz.

 

À sombra de Borges,

seqüência

numérica apenas.

De cinco a dezenove,

haste de ferro no

centro.

 

Sem sombra,

 o

tempo dissolve.

 

 

Bússola sem Norte.

Tempo como invenção

do homem.  


 

 

ASSOBIA, VENTO, ASSOVIA 

 

Reuniram-se em congresso

todos os ventos do mundo; ...

Joaquim Cardozo

 

 

Quando formos

tão velhos

                              quanto os ventos,

                              agora será tudo

                              que teremos.

 

O futuro ruiu,

fugiu.

Esfumou-se

com o tempo.

Como vento.

 

E, na parede,

talvez restarão

fixados

alguns retratos:

bisavós, avós.

 

Retrovisor

embaçado. 

 

 

VELEJANDO

 

A Vera e Luiz Amorim,

carnes e livros na mesma navegação

 

 

À-toa, à-toa.

Vida é tão boa.

Navegando frágil,

como uma canoa.

A vida vale a

pena, a velas

enfunadas, plena.

 

(poemas transcritos de Bordado para iniciantes, livro inédito) 

 

 

 

(DES)APONTAMENTOS DE CORTE E COSTURA

             

                                   Às costureiras d´antes...

 

Reclame colado

em um poste de arrabalde:

 

“COSTURA-SE PARA DENTRO”

.........................................................

 

Entre aviamentos dispensados:

a linha de luz

do Sol

uma linhazinha laranja

fininha

auxilia na costura

do tecido da claridade

 

Por desuso do amor

o uso de linhas frágeis

descostura em vácuos

de escurecimento

 

Pontos em cruz

se cruzam

nas sombras de

agulhas rombudas

 

Robustos dedos abraçam-se

em torno das agulhas finas

cerzindo meias velhas

 

Velhas meias-verdades jazem

envolvendo ovos de costura

como as velhas meias

furadas

 

Caducam no dedal

plena candura

pena! 

 



OLHA O PASSARINHO

 

Desafiar a lei da gravidade,

por brincadeira,

parece ofício de helicóptero.

Desafinar a lei da gravidade,

por ofício, onde for,

parece brincadeira de beija-flor. 

 

 



VENDO PASSARINHO

 

Cata-vento em movimento,

daqueles de domingo no zôo,

pode ser também

como olhar o decolar

de uma rolinha ao vôo.

Detrás, em linha reta,

ruidinho de bicicleta

percorre uma fuga,

fugaz, zás.

 

............................................

Movimento em cata-vento

Uma rolinha traz.

 

 


VOLPI ESTILIZADO

 

Varal de roupas recicláveis

nos quintais humildes

dos arrabaldes.

 

Varal de bandeirinhas amáveis

nas festas juninas

das províncias.

 

Varal de brinquedos infláveis

no mercado informal

do trabalho neofuneral

 

Varal de pessoas descartáveis

no pecado mortal

da República neocanibal .

(poemas transcritos do livro Véspera de Azul)

 

 

MELLO, DonaldoVéspera de azul.  Ilustração de Inês Sarmet.  Manaus, AM: Editora Valer / Governo do Estado do Amazonas; São Paulo: Massao Ohno, 2002.   128 p.  ISBN  85-86512-65-1  14X21 cm   

  

 

O PAISAGISMO POÉTICO DE DONALDO MELLO

                                                Maurício MeIo Júnior*

 

Para que serve a poesia? A pergunta é recorrente e nasce sempre no instante em que surge um livro, um exercício poético alheio. Na verdade é impossível saber a real e precisa função da poesia. Se no romantismo teve a missão de encantar, nasceu para chocar nos cânticos engajados dos anos 20, ou ainda para seduzir quando manipulada nos sonetos de Vinícius de Moraes ou no cantar bíblico de Salomão. Enfim, a poesia não tem função nenhuma e, ao mesmo tempo, carrega em si todas as funções do espírito.

No caso específico do poeta Donaldo Mello a poesia tem a função de captar imagens. Pelo menos é o que parece sobressair da leitura de seu livro Véspera de Azul (Valer Editora/Massao Ohno, Manaus, 2002). Ele doma as palavras como quem move um pincel. Escreve como se desenhasse. E a primeira curiosidade é que a paisagem se mostra mesmo quando implícita, quando somente insinuada. "Vésperas em verso. Canto de um galo / chamando outra vez o dia. Alumia", diz logo no primeiro poema do volume. E aqui já denuncia uma maturidade gritante. A véspera se insinua com toda sua carga etimológica, com seu mais lato sentido. Antes de se apresentar apenas como antes, se multiplica no sentido latino de tarde. É como se o poeta ignorasse a própria noite para alumiar de imediato a claridade da mensagem.

Não foi em vão que Donaldo deixou amadurecer ao extremo seus versos. Depois de passar anos a fio na oficina dos versos, somente agora publica o primeiro livro. A estréia é de um adulto, percebe-se. No entanto não se trata aqui de uma questão etária, mas de segurança poética. É facilmente perceptível a sólida cultura literária. Há algo de Ferreira Gullar neste "trôpego vôo cego / na útil asa / da inútil poesia." Há algo de Fernando Pessoa neste "imenso universo do eu / o outro lado do espelho".

Claro que ele tem influências como qualquer poeta conhecedor de seu oficio. O importante salientar, no entanto, é que também estas influências estão mais do que contidas, estão domadas. E com isso consegue Donaldo extrair de si mesmo a originalidade dos versos. E o seu original é mesmo a paisagem. E logo se percebe as tantas referências aos pássaros, aos pintores, aos fotógrafos, às cores.

O interessante é que não há nada de exuberante. Mesmo tendo nascido na imensidão amazônica, numa região onde a emoção mais sutil deságua em pororoca, tudo no poeta é docilidade e sutileza. "Em tempos como estes, dar à luz / arrisca a mãe condenar à escuridão." Há forma mais modesta de gritar contra a opressão moderna?

Neste jogo de delicadezas, os versos se acasalam com as ilustrações, se complementam, interagem-se. Este trabalho coube à artista plástica Inês Sarmet. E como Donaldo renuncia à descrição plena, ela renuncia ao desenho. São muitos os momentos em que é claro seu talento para o desenho simétrico e linear, mas também ela quer somente insinuar as coisas. E como um näif que enxerga ingenuidade em tudo, Inês traça suas linhas com liberdade e compromisso somente com o lúdico.

O leitor, enfim, fica diante de um poeta que se deixou amadurecer para conquistar a simplicidade. Já o espectador está diante de uma pintora que jogou fora a facilidade do traço linear. E nos dois casos, tudo em nome da beleza lúdica e plena.

* Maurício Melo Junior é jornalista, crítico literário, professor universitário, escritor. Titular do programa Leituras, da TV Senado, com apresentação aos sábados às 9h30min e aos domingos, às 20h30min: www.senado.gov/tv/programas/leituras.asp

(Texto escrito em agosto 2003, a propósito da publicação de Véspera de Azul.)

 

 

Donaldo Mello

BORDADO PARA INICIANTES

Concepção visual/ilustração Inês Sarmet

Manaus: Editora VALER, 2008. 130 p.

ISBN 85-7512-223-1

 

Donaldo Mello conduz a sua poesia de todo modo harmonioso e melódico. Há uma clara homogeneidade nos seus procedimentos. (...) Os poemas aqui reunidos são, freqüentemente, breves, sugestivos, elípticos. A memória em blocos, em coágulos incomunicantes; contudo, pelo mistério da poesia, comunicativos. (...) Curtos, soem ser também sintaticamente reduzidos — tipo de construção em que facilmente se estrutura o epigrama. (Entendamos, neste passo, por epigrama a composição breve e satírica, ou irônica.) E muitos destes poemas são epigramáticos.

                                                                                              Anderson Braga Horta

 

 

DONALDO E O BORDADO

 

Poema de Antonio Miranda

no lançamento de “Bordado para Iniciantes”

de Donaldo Mello (2008)

 

 

texturas, tessituras

e suas mesuras

nos alinhavos, pespontos

e ligaduras intertextuais

— por que não, sensuais? —

de suas iluminuras;

 

seus bastidores tendidos

surpreendidos,

revelados em bordados

de relevos e desvelamentos:

sombras, assombros.

 

reconhecendo pelos dedos

— superfícies palpáveis —

dados, disfarces, arremates;

não descartáveis: se encaixam,

guardados, pertences, ais,

se recolhem, expõem, afloram

— arrebatam: botões a mais.

 

inutilidades: em utilidades

secretas, em caixas reabertas,

revividas, reavivando-se:

labirintos, meandros, rios;

fios entrelaçados, debruns

de sonhos costurados, postergados,

alados, dissipados, idos.

 

 

MURO

 

Dia, dias, dias.

Mês, meses, meses.

Ano, anos, anos.

 

E as horas,

como pedra sobre pedra,

a desmontar o muro,

 

duro, da rotina.

Desvelando a riqueza

das miudezas idas:

 

cada partida,

uma surpresa.

A beleza das vidas.

 

 

EM BUSCA DO TEMPO...

 

            Aos amigos Ângela e Laurence

 

jogo da velha

craveja n´alma

espírito da infância

do qual ressurge

um sentimento

de inocência

co9lorido de círculos

e multidões

de xis gritando,

silenciosamente,

sem riscos de giz.

 

 

INARMÔNICO

 

Soa magra

a música do piano.

 

Flexível

Algo  suave

Penetrando o espaço

Solo clássico, lanças

Base de umas danças

 

Suam gordas

duas crianças

 

Rijas

Algo marciais

Fixas a uma barra

Dois sóis de malha

Azul e branco encanta

 

Em perfeita harmonia

a gorda maior abaixa

a gordinha menor levanta.

 

Inocentes, dançam

o balé da desarmonia. 

 

 

CANTO DA MATINA

 

            Não havia nada mais regular que as horas

            da velha tia. Levantava cedo, com o dia.

                       Pedro Nava, Baú de ossos

 

 

extremo das forças

limite do tempo

 

entre levantar

e escovar, vento

 

dentes adormecidos

acordam cremosos

 

clareiam noites

dias extremosos.

 

 

AURORA

 

                       Amo o que há de

                       ambíguo num

                       porto de mar, que

                       convida a partir

                       e ensina a ficar...

                            Cassiano Nunes

 

cama quente

escova de dente

 

água fria

pia esguia

 

começa mais

um dia...

 

 

VELEJANDO

 

            A Vera e Luiz Amorim,

            carnes e livros

            na mesma navegação

 

À-toa, à-toa.

Vida é tão boa.

Navegando frágil,

como uma canoa.

A vida vale a

pena, a velas

enfunadas, plenas.

 

 

 

 

 

POESIA E POETAS DO AMAZONAS. Organizadores: Tenório Telles; Marcos Frederico Krüger.  Manaus: Valer,  2006.   326 p.   Ex. bibl. Antonio Miranda

 

 

 

        Anunciação

Noite se queda preguiçosa sobre um azul
esvoaçante...

 

       Um vão, alguma aragem, viagem. Um voo,
de nave no espaço, sem asas...

Vésperas em verso. Canto de um galo
chamando outra vez o dia. Alumia.

Janelas se abrem sugerindo os
cinco sentidos poéticos
que tentam, singelamente, falar ao coração.

         (Véspera do azul)

 

 

 

                  Viceversando

       Fogem as palavras do poema
quando ele vem por inteiro.
A escrita, como um puçá*,
colhe suavemente as ideias
com um jeito matreiro.
Mas o rumor, como uma
gargalhada de humor,
extrai do inteiro um pé.
Fica às vezes capenga
aquilo que fora poema.
Um verso somente
sem trema
o canto da seriema.

        (Ibidem)

 

 

* Define-se como "puçá", também conhecido como gererê, coador ou sarrico, um petrecho de pesca confeccionado com rede e ensacador, instalado em uma armação em forma de aro.

 

 

 

Página ampliada e republicada em fevereiro de 2008. AMPLIADA em novembro de 2019.

Página ampliada em novembro de 2020

 

 

 

 

 


 

 

 

 

 
 
 
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