POETAS DO AMAZONAS
Coordenação: Donaldo Mello e Inês Sarmet
Contato: poesiaamazonas@gmail.com
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CLÁUDIO FONSECA
Inês Sarmet
s/ foto constante em Poesia e Poetas do Amazonas
Em 9 de janeiro de 1952, Cláudio Silva da Fonseca nascia em Manaus. Economista, administrador de empresas e analista de sistemas, tem também o título de especialista em Crítica e História da Arte, pela Universidade Federal do Amazonas. Vem tendo seu trabalho premiado, Brasil afora, e seu labor literário se parece com o de um ourives ao esculpir suas jóias: detalhista, paciente e criterioso.
(...) Apaixonado por literatura, música, arquitetura e artes plásticas, Cláudio tem percorrido os maiores museus do mundo, tortuosos caminhos medievais, o jazz de New Orleans, o ambiente dos grandes mestres e onde quer se pressinta o bellus. (...) Seus contos e poemas, de cor universal e modernos, tematizando sempre a nossa condição humana, recuperam também, para as letras brasileiras, a magia, a força e a elegância.
ANÍSIO MELLO
Escritor e artista plástico, Presidente do Sindicato dos Escritores do Amazonas (1ª edição de Vitral)
Cláudio Fonseca é um desses poetas raros que só acontecem de quando em quando, um ou dois por geração. Conheci-o antes de sabê-Io poeta. (...) Mas o Cláudio não é um poeta fácil. Ele pertence a uma casta especial: é um poeta para poetas. Vitral, que teve poemas reconhecidos e premiados Brasil afora, é um livro de leitura restrita, tal a elaborada teia de referências Mas isso não diminui sua beleza; antes, realça-a.
(...) Depois de 12 anos de Vitral, primeiro livro de Cláudio Fonseca, o que temos de novo? Vitral reescrito, remodelado, cortado e acrescido... de novos surpreendentes poemas. O perfeccionismo do autor nos dá esperança de que algo está sendo trabalhado, sem pressa, buscando alcançar a altíssima qualidade que é sua marca registrada.
ZEMARIA PINTO,
Poeta e dramaturgo, membro da Academia Amazonense de Letras.
(...) O que gosto em seus poemas é o clima - fantástico, enigmático, assombrado. (...)
IGNÁCIO DE LOYOLA BRANDÃO,
escritor
Este Vitral, em sua cambiância de luzes coloridas e mysticas, é uma verdadeira rajada de ar puro e renovador sobre o monturo da nossa poesia.
LUIZ BACELLAR,
Poeta, membro da Academia Amazonense de Letras
"O autor demonstra alta sensibilidade na abordagem de temas nobres. Há uma evidente preocupação com a nitidez das imagens, dando vida às palavras. Merecida a medalha."
REIS E SOUZA,
Jornalista e Escritor, ao outorgar medalha de ouro pelo poema Antígona
Inês Sarmet
s/ foto 1ª edição Vitral
Antígona
A D. Hermes da Fonseca
As grevas se iluminam ao sol do meio-dia.
Rubros, saem da névoa os corpos retalhados,
lâminas quebradas gotejando trevas
sob o olhar de tédio dos cavalos.
Fúrias que se ocultam em rosto vário
deixam nesta hora o plano imenso.
Quando, nos punhais, serão gravados
nossos nomes, nossa hora, em silêncio?
No átrio, em silêncio, um vulto chega.
A mortalha em farrapos sobe ao vento. Esse encarne
do Amor (que nos corpos apodrece) chora
a carne em solidão - o negro templo.
Abre a multidão, caída, sob o férreo sol
da estação de Tebas. A brutal cidade
hoje uma chaga aberta
numa entorpecida América selvagem.
Como um cão divino, transparente e grave,
passa a grande sombra sobre o fio das facas.
Não purificou, o Tempo, a sua arca
de agonias, de miséria e sangue.
O meio-dia tange a lágrima de bronze
sobre bondes e pedreiros e peões cansados
e garis suados. Pai, é teu cadáver
que Antígona levanta em seus braços.
Reflexos
Para Tenório Telles
Os lírios já cumpriram os rituais.
Agora, cai o sol
nas águas, faiscante.
O dia se desfaz dos últimos matizes
com que fez chorar
Penélope e Ulisses.
Eis os luminosos feixes. Estes traços
rápidos de cais, de paz, de imprecisas
balsas e barqueiros e arqueadas varas
que os pincéis gravaram
impressionistas.
Penso nessa gente, olhos destruídos,
que agora cruzam as cidades turvas.
Homens sobre pontes voltam adversos
de céus, de horizontes,
de todo o ouro impresso.
Tribos e exércitos que aqui passaram
chegam nesta hora de um fulgor ainda.
Mortos, para olhar, os rostos levantaram,
como a consolar-se
porque tudo finda.
Outros que ousaram desvendar as raras
ilhas esboçadas nesta maravilha
não se emanciparam mais que uma coragem.
Sempre,
sempre se perdoa a Deus, que somos frágeis,
ao olhar um mar, um rio,
no fim do dia.
***
Eternos
Para Arthur Engrácio
Este silêncio
estas árvores
serão e sempre
silêncio, árvores,
quando o silêncio
imenso
me chegar.
Esta abelha
este riacho
atravessarão alegres
o espaço
que o meu corpo, exaurido,
entregar.
Este campo
o morno vento
verão os dias
as noites calmas
em que meus olhos
em adubo tornar.
E sempre o brilho
repentino
de um lagarto
ao luar.
...Ao luar.
Me faz árvore
silêncio
me faz árvore.
Me deixa compartir
este lugar.
Sagração
...E que para tecer meu místico diadema
preciso fora impor os tempos e universos.
Charles Baudelaire, "Bénédiction"
Introitus
Eis a rosa negra, a terra devastada,
e o anjo sedutor, da fronte de esmeralda.
Agora a tua mão é longa e se afina,
e rasga desde Cam a rota da Abissínia.
Outros que ousaram Tróia como via
arrastam-se sangrando pela escadaria.
Bárbaros tomaram a alta fortaleza
e as patas dos centauros quebram sobre a mesa.
Nem os frisos de Bizâncio no mural.
Nem a rima esculpida em cristal.
Litaniae
Tu que entre tochas e colinas e Lutécia
olhaste reis de pedra da Nortúmbria e Mércia;
Tu que entre círculos de sábios em conselho
sentaste aos pés de Ísis que sentava ao meio;
Tu que contemplaste a corte do Sião,
o rosto de Helena, a sombra do Dragão;
Tu que recolheste vasos que guardaram
vozes do Sinédrio e o olhar do condenado;
Tu que viste príncipes levando os estandartes
dedos gotejando sangue, fogo e arte;
Tu que derramaste sândalo na pedra
pois aqui passaram Agamenon e Fedra;
Tu que nos rubis dos olhos de Mefisto
viste a lança, a mão, a solidão, e Cristo;
Tu que descobriste como o ourives grego
tira do metal o resplendor de Febo;
Tu que vens salvar, nos carros da Vitória,
a ânfora partida e as disciplinas dórias...
Ungere
Lembra que esta noite – como espada escura –
ungiu com sua grei a tua investidura.
***
Os náufragos
Para Ignácio de Loyola Brandão
Só com as águas no teto
saíram
para o deserto.
Deus não quis esta terra
que expunha a nossa miséria.
E arrastou-a no bojo
do vômito, com santo nojo.
Deus não quis esta terra!
E a fúria levou, piedosa,
crianças tuberculosas.
Restos de pão, e a mesa
manchada de lágrima azeda.
Homens que geravam sobre
uma dúzia de tábuas podres.
E a mãe que pede, sofrida,
para uma imagem encardida.
Salvou-os a enxurrada
de suas vidas de nada.
No meio da correnteza
ia uma estranha riqueza:
brincos lavrados em lata;
sandália dourada, gasta;
bonecas de pano, cegas;
romances de amor, piegas;
cordões de um ouro ingrato;
frascos de cheiros de mato.
E ainda preso à madeira
um velho Cristo de cera.
As águas caem como dardos
nos olhos dos afogados
e engrossam a margem do rio
arrebentando o plantio.
Deus não quer esta gente
que grita por Deus Clemente!
Talvez com dó de seus pratos
sujos da baba dos ratos,
e das obscenas paredes,
e dos sepultos nas redes.
Que eram já transparentes
para os seus olhos doentes.
Um dia, com as águas vencidas,
e as luzes de Deus distraídas,
todos voltarão meninos
dos becos de um céu sem hinos.
Silentes, refazem as cabanas
no mundo de lodo e lama.
Página publicada em dezembro de 2007
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