POETAS DO AMAZONAS
Coordenação: Donaldo Mello e Inês Sarmet
Inês Sarmet
s/ foto constante em
Poesia e Poetas do Amazonas
ANTÍSTHENES PINTO
Antísthenes de Oliveira Pinto, poeta e prosador, membro do Clube da Madrugada e da Academia Amazonense de Letras, nasceu em Manaus, no dia 28 de novembro de 1929. Dedicou boa parte de sua vida ao jornalismo tendo, em função disso, se transferido para o Rio de Janeiro, onde trabalhou na Tribuna da Imprensa e no Jornal do Brasil. Em 1970 retornou a Manaus, cidade em que permaneceu até o seu falecimento, ocorrido no dia 3 de dezembro de 2000. Sua estréia literária aconteceu em 1957, com a publicação do livro de poemas Sombra e Asfalto. Publicou vários outros livros de poesia: Ossuário (1963); Angústia numeral (1976); A rebelião dos bichos (1977) e Curvas do tempo (1984). Foi reconhecido também como importante prosador, tendo publicado romances (Terra firme, 1970; A solidão e os anjos, 1976; Várzea dos afogados, 1982), novelas (Chavascal, 1965; Os agachados, 1985; Porão das almas, 1992), contos (É proibido perturbar os pássaros, 1981; Os suicidas, 1988), crônicas (Quelônios do Carabinani, 1984; Os garis das alturas, 1992) e ensaios (Literatura: novos horizontes (impressões de leitura), 1984; Oito poetas amazonenses, 1992).
Só uma influência pesa sobre este autor: da floresta e dos seus fantasmas; dos rios deslizando mistérios. Por isso a obra de Antísthenes Pinto é pontuada pelo silêncio das matas e a solidão dos igarapés. Na sua escritura há um entretexto marcando um tempo de espera, o acontecer prometido, a expectativa.
JOSÉ LOUZEIRO, Rio de Janeiro
Sua literatura é de primeira. Sua leitura ajudou-me a acreditar ainda mais na poesia, pois já estava me sentindo desorientado, achando que ninguém mais estava escrevendo boa poesia neste Brasil sofrido.
LUIS AVELIMA, São Paulo
A novela Porão das Almas, em tom confessional, é uma beleza. Humaníssima e lírica. As descrições, ao nível impressionista, são notáveis. As figuras vêm ao vivo em contornos nítidos. Uma bela novela, com aquele toque de saudade que enriquece qualquer obra de arte.
CAIO PORFÍRIO CARNEIRO, São Paulo
Escritor de primeira, autor dessa novela impressionante e trágica que é OS AGACHADOS, escrita com dor, delírio, e vida e morte. E parabéns ao Amazonas pelo Autor e pela coragem de assumir a boa literatura. O premiado é o leitor, creia.
STELLA LEONARDOS, Rio de Janeiro
O Brasil é uma caixa de surpresas, às vezes triste. Realmente, a forma como valores altos na província não chegam à "Corte" e nela alcançam o prestígio merecido é de espantar. Um romance como este seu ("Terra Firme") merecia estar sendo comentado e admirado. Depois de Ferreira de Castro, não conheci ninguém que me desse da Amazônia essa impressão de grandeza humana.
NELSON WERNECK SODRÉ, Rio de Janeiro.
Não se sabe, em verdade, em que gênero se realiza melhor, se na obra de ficção, se na poesia. Eu diria que a poesia empurrou o autor para a prosa e para fora do país. Antísthenes Pinto é bom novelista e é bom poeta. E o leitor pode, agora, com a edição de sua "Poesia Reunida" e a novela "Os Agachados", fazer uma avaliação mais objetiva de sua vocação literária, um autor sempre novo, criativo, social e que se inscreve, com muita propriedade, na vanguarda experimental.
JOSÉ ALCIDES PINTO, Fortaleza/1987
Terra Firme, (...) em terceira edição, totalmente refundido pelo autor, é o livro escolhido para comemorar seus trinta anos de literatura. Romance consagrado pela crítica, dele já se ocuparam os mais argutos estudiosos da ficção brasileira e regional (...).
Escritor de largos recursos linguísticos, sua estréia como poeta, em 1957, com Sombra e Asfalto, marcou época juntamente com a obra de outros membros do Clube da Madrugada (...). São desta fase de maior inquietação os poemas de Ossuário, um verdadeiro documento poético, por assim dizer, de um período realmente forte e decisivo na vida literária do autor desta saga amazônica.
Nestes 30 anos de literatura, portanto, Antísthenes Pinto já conta com uma bagagem de obras sem dúvida apreciável, mas que, pela inquietante procura de uma forma ideal para dar expressão ao mundo de suas angústias e deslumbramentos, constituem o valioso material que há de fundir-se e desdobrar-se, ainda, em novos modelos para comunicar a revolta do homem e a criatividade do artista, ambas comprometidas, ao mesmo tempo, com a defesa dos direitos humanos e a boa qualidade do texto.
JORGE TUFIC, na orelha da 3ª edição de Terra Firme, 1988
Antísthenes Pinto, ficcionista que já incursionou pelo romance, o conto e a novela, lança, agora, esta coletânea de pequenos ensaios sobre escritores brasileiros e estrangeiros (Literatura: novos horizontes)(...). Sem pretender assumir o papel de crítico, seus comentários, na verdade, são mais exercícios de análise, de observação pessoal da elaboração e da técnica literárias em outros autores. A leitura atenta desses escritores, como que o ajuda a manter-se em forma, dentro do seu “metier”, livrando-o dos defeitos de uns (os medíocres) e assenhoreando-o das virtudes de outros (os bons e os consagrados). Como a abelha prudente, que só colhe o pólen que pode garantir-lhe um mel de boa qualidade, Antísthenes Pinto serve-se desse meio para tornar mais eficientes as suas ferramentas de trabalho dentro da área que escolheu para cultivar - a ficção.
(...) Dentro da simplicidade do seu contexto, o leitor encontrará ampla informação acerca dos fatos literários mais atuais e significativos, que vão dos intelectuais amazonenses aos consagrados romancistas do Sul, passando por grandes figuras da literatura universal, como Steinbeck, Hemingway, Faulkner e outros. Num estilo ágil e direto, Antísthenes Pinto fala desses escritores e suas obras com muita segurança e propriedade, dando a posição de cada um dentro do contexto em que estão inseridos.
O autor reserva um capítulo do livro aos escritores latino-americanos, cujas obras têm dominado, nos últimos tempos, uma camada considerável de leitores no mundo todo. Ernesto Sábato, Mário Vargas Llosa, Gabriel Garcia Márquez, Miguel Angel Astúrias, Manuel Scorza, Augusto Roa Bastos e outros grandes nomes das letras hispano-americanas são objeto de estudo do autor, que não lhes regateia aplausos, dedicando-lhes páginas onde lhes põe em relevo não só o talento, o valor e a grandeza dos seus livros, como, também, o predomínio que a sua literatura vem exercendo no âmbito internacional.
Literatura: Novos Horizontes, sem ser um livro de crítica, no sentido da profundidade, da exegese, atinge plenamente o objetivo a que se propõe: informar com honestidade, inteligência e clareza os fatos literários.
ARTHUR ENGRÁCIO, na orelha da 2ª. edição de Literatura: novos horizontes
Recebi, por intermédio do Ulisses Bittencourt, seu livro Literatura: Novos Horizontes. Li-o. Gostei, você é realmente uma expressão muito lúcida e atualizada da inteligência amazonense, portanto brasileira. Seus pronunciamentos são objetivos e realistas. Não pare. Agradeço suas referências a mim, a propósito da nossa Amazônia que tanto precisa ser cuidada pelo bem do Brasil e dos brasileiros. Estou inteiramente de acordo com o que afirmou o Arthur Engrácio.
Você escreve com muita clareza e seus conceitos falam da sua inteligência tão clara. Mais uma vez, os meus cumprimentos e agradecimento. (...)
ARTHUR CEZAR FERREIRA REIS
(em carta ao autor, enviada do Rio, em 21.08.1984,
em papel timbrado do Conselho Federal de Cultura)
Inês Sarmet
s/ foto constante
em Terra Firme
I
Antecipo minhas rugas no espelho.
A sombra hirta que foi vejo curvada.
Piso fundo no chão que silencia
E vou contar estrelas na vidraça.
A ave do desejo pousa em livro.
(Não há no vácuo acústica às palavras)
Liberto já do sonho que não tive
Fujo de mim e só de mim fugindo
Sem dar um passo além do que pensara
Quando fui velho sem chegar a ser.
O meu patético olhar engole o longe:
- Escuro limitando com escuro
E quanto ao perto: cinza no cinzeiro
E o negro cão do tempo me mordendo.
(Poema transcrito de Sombra e asfalto)
21
Dentro do meu relógio,
a minha dor.
As reticências da tarde
são cães esgueirando seus latidos.
Depois irei para o vale de ardências
ver os utensílios da manhã.
Dentro da minha dor
o relógio se apagou
e as estrelas apodreceram
no prato que trago perto,
queixo em minhas mãos.
Dentro de mim começo a sentir
raízes como se eu fosse um muro estatelando.
(Poema transcrito de Angústia numeral)
MORTO VIVO
fronte caída:
lágrima lavrada
no pedestal da fonte.
além o sobreposto
mar de ossos
esgarçando rastros
- fuzis de gritos!
de bruços:
reencontrar a rota
do meu mapa branco.
fazer-me bala,
deslocar-me uníssono
como um cão de aço.
morto
mais vivo. morto pensante
de bruços:
grave loucura clara:
vivo morto morto vivo.
(Poema transcrito de Ossuário)
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Inês Sarmet
s/foto de acervo do escritor Francisco Vasconcelos,
que retrata quatro grandes poetas amazonenses, da esquerda para a direita:
Farias de Carvalho, Jorge Tufic, Antísthenes Pinto e Alencar e Silva
PINTO, Antísthenes. Curvas do tempo. Manaus, AM: Edição do Autor, 1984. 70 p. 14,5x21 cm. Apresentação: Jorge Tufic. Capa: Van Pereira. Ex. Biblioteca Nacional de Brasília, doação da família de Francisco Marques de Vasconcelos Filho.
43
Esse clamor ferrugem
sufocante vindo do poço,
vindo do peço mais fundo do
planeta
por que acontece
à revelia do festival
ruidoso dos peixes?
Pertence à estrutura
dessa cigana-ave
de primevas garras
e fuzis nas asas
e gládio bico?
46
Para Aluísio Sampaio
Eu sou dúctil
e pando nas plenas
águas raras
do Rio Negro — eis
a voz lépida do sol
no tombadilho
dessa canção
de barco mortuário.
Eu sou o turbilhão
de afoitas invectivas
(adoro ossos e ocasos,
a chuva em holocausto
à penúria ante
a visão em blocos
do vento, odiento).
Eu sou dúctil, embora
sob a rampa
haja uma explosão
gélida em minha carranca.
63
Hoje estou intransferivelmente mudo
como o lago farto de águas
ou a sombra em franco repouso.
E a mudez é assim asséptica,
quando o silêncio a enternece
e o vento, recolhido, a reconhece.
PINTO, Antísthenes. Ossuário. Rio de Janeiro: Edições da Madrugada, 1969. 81 p. 16x23 cm. Capa de Anísio Mello. Texto da "orelha" por Jorge Tufic. Ex. Biblioteca Nacional de Brasília, doação da família de Francisco Marques de Vasconcelos Filho.
"Muitos destes poemas já mereceram destacada publicação no Suplemento Dominical de Jornal do Brasil, ao tempo em que AP afiava sua procura de expressões nas referências críticas de um grupo de artistas, detentores da melhor vanguarda brasileira: "Cão de Aço", " O Escape", "Natureza Morta" e outros (...)" JORGE TUFIC
CÃO DE AÇO
cão de aço.
grunhir
esse gesto na
garganta
rasa —
— funda
estende à
tábua do
flanco
(irisado de
pelos
como
roça)
a colisão
de
espanto.
venta no
vento
gravidade
dúbia
pressentir de
rastros:
superfície
branca
dos teus
olhos
turvos
cão
sempre
cão
de
aço.
NATUREZA MORTA
raiz no
vidro dágua
rósea. verde
com listras
brancas: flor
fluente de
seis patas
e tiques
moleduros
de aranha:
viva
natureza amorta.
ESCULTURA
no denso mormaço
a erva no chão
gasta-se
lâmpadas exultam
a queixa uníssona
dormilnga: escuro —
espessa fruta
unilavrada-seda
seca a espinha
sob a geometria
burilando o tosco
onde se retesam
pés de lama
rasteiro rastro
furna clara
boia rota rola
óssea do olho
de osso fosco
faísca de fome
farte. fome morna
urubu de arame
laço do meu cimento
tumba e canto.
*
festivais flores anuais
— jardim de tumbas —
entrai!
as setas mostrarão
os vossos mortos.
PINTO, Antísthenes. Sombra e asfalto. Manaus, AM: Edições Madrugada; Sergio Cardoso & Cia Ltda. (Editores), 1956. 64 p. Texto da "orelha" do livro por Jurandyr Bezerra. Ex. Biblioteca Nacional de Brasília, doação da família de Francisco Marques de Vasconcelos Filho.
SONETOS
I
Antecipo minhas rugas no espelho.
A sombra hirta que foi vejo curvada.
Piso fundo no chão que silencia
E vou contar estrelas na vidraça.
A ave do desejo pouco em livro.
(Não há no vácuo acústica às palavras)
Liberto já do sonho que não tive
Fujo de mim e só de mim fugindo
Sem dar um passo além do que pensara
Quando fui velho sem chegar a ser.
O meu patético olhar engole o longe:
— Escuro limitando com escuro
E quanto ao perto: cinza no cinzeiro
E o negro cão do tempo me mordendo.
POEMAS
III
Rio — Nenhum peixe te sacode o silêncio,
quanto mais este vento maneiroso.
Foste cristal tingido de amarelo
quando a lua era lua, quando a lua era lua
Mera Utopia aos pés do rio:
me vejo peixe e logo após espuma.
PINTO, Antísthenes. Poesia reunida. Cinco livros de poemas de Antísthenes Pinto Manaus, AM: Edições Puxirum, 1987. 210 p. (Coleção Encontro das Águas, volume I) 14x22 cm Capa: Van Pereira. .Apresentação: Jorge Tufic. Inclui textos dos livros: Sombra e asfalto; Ossuário (1963), A Rebelião dos bichos (1977); Curvas do Tempo (1984); Angústia Numeral. Ex. Biblioteca Nacional de Brasília, doação da família de Francisco Marques de Vasconcelos Filho.
Crespas abelhas louras
frangem à proa do barco
arabescos de som e açúcar
e à deriva navego
no rendilhado de ilhas
olvidando outras quilhas.
CURVAS DO TEMPO
A sombra do poeta vai
como as patas do desgosto
dessa aranha alva de penas
na hirta rua de agosto.
Setembro de flores ósseas
esplendem tambores de urtiga<
nessa moita de pássaros
para os dias de novembro.
Que raízes de sombra
em água-de-esterco-pêndulo,
lavram suas mágoas de rubro
na pauta futura do remo.
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