ANÍSIO MELLO
(1927-2010)
Anísio Thaumaturgo Soriano Mello, nasceu no Município de Itacoatiara, Amazonas, no dia 21 de junho de 1927, faleceu em 11 de abril de 2010, residia na Avenida Joaquim Nabuco, 1.254, centro antigo de Manaus.
Era polivalente: artista plástico, músico, poeta, professor, escritor, tradutor do Russo, jornalista, dirigiu o Liceu Esther Mello (fundado pela sua mãe), membro da Associação Amazonenses dos Artistas Plásticos -AAMAP, fundador do Clube da Madrugada e membro da Academia Amazonense de Letras(cadeira nº 3, de patrono Gonçalves Dias).
Segundo a Biblioteca Virtual do Estado do Amazonas “Desde pequeno frequentou aulas no curso de Belas Artes na Escola de Artes Cristo Redentor. Cursou Línguas Neolatinas na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Oswaldo Cruz, depois se transferiu para a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Nossa Senhora Medianeira em São Paulo. Dirigiu e fundou jornais e revistas, publicou vários livros tais como: "Estrelas do meu caminho"; "Remanso"; e "Lira Amazônica", dentre outros. A partir de 1985 passou a dirigir o Liceu de Arte do Amazonas Esther Mello (nome da sua genitora), onde desenvolve diversas atividades culturais ligadas às artes plásticas. Participou de diversas exposições, dentre elas: Salão da França (Paris, 1948); I Salão Bancário de Arte (São Paulo, 1958); Arte e pensamento ecológico, no Paço Municipal de São Bernardo do Campo (São Paulo, 1975); I Salão Tiradentes de Artes Plásticas, no Museu Tiradentes (Manaus, 1986) e Exposição Comemorativa aos seus 51 anos de vida artística, na Pinacoteca do Estado do Amazonas (Manaus, 1990). Seu estilo muda de acordo com o momento. Já passou pelo acadêmico, o impressionista e o abstrato”. Fonte: http://jmartinsrocha.blogspot.com.br/
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MELLO, Anisio. Vibrações. Poemas. São Paulo, SP: Editora Vitória Régia, 1977. s.p. 16x21,3 cm. ilus. do autor. “ Anisio Mello “ Ex. bibl. Antonio Miranda
OS JAPÓS
Fala que fala
a voz desse japó
e plena misturação de brado e de silêncio.
É cantiga de canto e de agonia
no abraço da intriga da ave marginal.
Não sacia no canto e ecoa na floresta
o assobio que dança e chora e imita.
A ura só tempo e deus e é demónio
e fala com o mato atormenta a formiga
perturba a todo instante as aves tranquilas
e faz no matagal tremenda promoção.
O caboclo tranquilo o remo companheiro
a igarité parada o rio espelho
desce o barranco calças na canela
anzol caniço samburá surrado
cabocla prenha curumim descalço
indiferente a tudo.
Terra molhada chuvisco de noite
serração da manhã lhe cega os olhos.
Jurupari tesconjuro Deus me tenha
empurra o casco rio abaixo
traz o peixe rio acima
todo dia que Deus manda.
Tudo igual toda manhã
o japó no seu comício
o caboclo na rede que treme de noite
levanta com o japó
e ela só ela na ponta dos pés
sai a procura do balde da cuia pitinga
e repete com prazer o seu bom-dia.
Raimundinho Honorato Zezinho Antoninho
lembranças felizes da beira do rio
das redes e dos japós...
MELLO, Anisio. Sexagesima stella. Poesia. Manaus, AM? Cooper / Coopea Editora Editora Liceu,1982. 46 p. 14x21,5 cm. Capa do autor. Ilustrações: Fang, Plater, Jayme Cortez. “ Anisio Mello “ Ex. bibl. Antonio Miranda
LEMBRANÇAS
Na lembrança ficaste de permeio
a momentos de amor como te vi.
Foste rosa em meu peito e com receio
a primavera augusta então vivi.
Nos teus lábios agora me tonteio
e na luz dos teus olhos refleti
todo um sonho feliz e agora creio
que o amor é como o beijo que senti.
Este amor que flutua mansamente
e encandece a manhã tão de repente,
mais parece o delírio de um adeus.
Um dia partirei, quem sabe quando?
lembranças levarei sempre cantando,
com teus lábios impressos sobre os meus.
ROSINHA INDO PRO CÉU
Em vida Rosinha passava pela rua
boinha boinha
olhava sempre o amanhã que deveria ser melhor.
Os olhares malandros do rapazil
imaginavam coisa
sonhavam Rosinha nuinha nuinha
gestos lentos,
corpo moreno de amendoim
olhos de amêndoa doce :
lábios com gosto de beijo.
E Rosinha nuinha nuinha
passeava de leve no olhar da matula
que não se cansava de ver Rosinha
—a que morrera ontem—
indo pró céu
tão pura,
tão linda
nuinha nuinha nuinha...
MELLO, Anísio Thaumaturgo Soriano de. Convite à poesia (1961-1985). Manaus, AM: Chá di Armando Edições, 2011. 88 p. 14x20 cm. Imagem da capa: óleo sobre tela de Anísio Mello. Ex. Biblioteca Nacional de Brasília, doação da família Francisco Vasconcelos.
TEMPLO SUBMERSO
Límpidas águas
transparentes águas
do espelho da memória
que se embalam.
A lenda me ensinou o teu encanto
e a beleza que encerras em teu manto,
abriga ao seio mil canções lendárias.
Da mãe-d´água a beleza e o templo submerso
são lembranças felizes do passado-presente.
Náiade cabocla,
o rio é meu,
a terra é minha,
o sonho é meu,
mas tua graça e o teu encantamento
marcaram ternamente a minha fantasia
e tua voz ainda ouço na ribeira,
enlaçando em lianas
as pulsações de hoje,
o amor latente e puro,
que o tempo não levou,
musa encantada do meu templo submerso.
São Paulo, 22 outubro 1964.
IDADE CÓSMICA
As nuvens da razão passam,
transitam e param
para ver a cósmica paisagem.
Rios e íons na lúcida alvorada
afastam-se em face magnética
para não captar o manganês que aflora.
É chão que procura o espaço
e procura ultrapassar o cérebro.
Idade espacial que conquistou o além
e viu a lua,
a Terra azul,
e matou os poetas.
Na idade cósmica que busca o caos
para a infelicidade dos homens.
O tacape, clava primária,
é o início de toda a violência,
do funeral que se anuncia
no voo do pássaro,
do canto morto de todas as idades!...
São Paulo, janeiro 1970.
MELLO, Anísio. Rito selvagem. Manaus, AM: Academia Amazonense de Letras, 2011. 74 p. (Coleção Pensamento Amazônico. Série Violeta Branca, v. 2) ISBN 978-85-64341-02-9. 14x21 cm. Introdução por Almir Diniz. Ex. Biblioteca Nacional de Brasília, doação da família Francisco Vasconcelos.
FRESTA DE LUZ
De uma fresta de luz u canto de cigarra
desliza em meu Verão e vem fazer a aurora
para luzir o dia e começar agora
a marca de quem canta em peito de guitarra.
E boêmia, semeia as notas da algazarra
na tarda luz e vai por este mundo afora;
E volteia e seduz com suas canções de outrora
do cantear volátil de terna fanfarra.
A cigarra cansada para de cantar
mas seu canto ficou no rastro de luar
que a noite esparramou no manto de nanquim.
Também cantei, um dia, para aliviar
as dores do meu peito e sem poder parar
levei o meu martírio, triste, sem ter fim.
Página publicada em julho de 2014; página ampliada e republicada em abril de 2017. |