SEBASTIÃO PASSOS
(1869-1909)
Sebastião Cícero dos Guimarães Passos. Alagoas, já possuindo a glória de ser berço de três dos maiores vultos militares do Brasil — Floriano, Deodoro e Gois Monteiro — também deu luz aos olhos de dois poetas padrões das letras nacionais: Goulart de Andrade e Guimarães Passos.
Vivendo numa época em que a poesia tinha seu trono e seu cetro, como rainha toda poderosa do dia, Guimarães Passos, o emigrado poeta alagoano, ainda na manhã da sua juventude se tornara um de seus requestados vassalos. Fôra um triste sincero ou um pouseur da dor? Guimarães Passos, não há negar, nascera poeta.
Embora vivesse em permanente boêmia, onde esbanjava talento e saúde, a poesia de Guimarães Passos, no melhor da sua inspiração, trai-se constantemente por um doce e sincero lirismo.
Tendo uma vida desordenada, como é sabido, de constantes vexames pecuniários e de noites varadas em claro entre garrafas, orgias e companheiros depravados como ele — não lhe sobrara vagares, já se vê, para forrar o seu belo espírito de sólida cultura — de que tanto precisava. Mas, assim como assim, fizera muito para quem tanto destruirá de si próprio. Sua babagem literária, para o grande nome que conquistara e o talento incomum que possuía, é insignificante; apesar disso, nos dois livros de versos que publicou em datas diferentes — «Versos de um Simples» e «Horas Mortas» — há cintilações de um poeta de raça.
De colaboração com Olavo Bilac, seu dileto amigo, escreveu um «Dicionário de Rimas», que os entendidos reputam o mais completo. Foi jornalista eventual.
Estudou as primeiras letras em Maceió, na escola do célebre educador Manoel Jácome Calheiros; a seguir, cursou as aulas do «Colégio Bom Jesus» do professor Francisco Domingos da Silva, e, finalmente, matriculou-se no Liceu Alagoano, onde concluirá os preparatórios para a matrícula na Escola Naval.
Aos 19 anos, do que se conta entre as mil anedotas e episódios pitorescos ocorridos com o poeta — na despedida de um amigo, no porto de Jaraguá, em que certamente o álcool o fizera perder a bússola da consciência, surpreendera-se já em alto mar e resolvera então seguir viagem para o Rio — para nunca mais retornar à terra natal.
Tendo-se casado em 1890, aos 23 anos de idade, com a filha do Barão de Mamanguape, aderia mais tarde à Revolta de 1893. Perseguido, fugira para Buenos Aires sob o disfarce de uma batina de padre, permanecendo ali 18 meses. A sua conhecida barcarola — «Na casa branca da serra» — fora inspirada no exílio. Colaborou em vários jornais argentinos e do Rio. Na «Gazeta de Notícias» escrevia diariamente com os pseudônimos de Florel, Puck e Fortúnio.
É autor do «Hino do Centenário», que foi musicado e cantado em 1900.
Em dezembro de 1920 a Academia Brasileira de Letras, de que era membro fundador, repatriava seus restos mortais, que hoje repousam no Cemitério de São João Batista.
Sebastião Cícero dos Guimarães Passos nasceu em Maceió, aos 23 de Março de 1867. no bairro de Jaraguá, à rua da Alfândega, e faleceu em Paris a 9 de setembro de 1909, oito dias após ter chegado da Suiça, com o arcabouço de antigo atleta irremediavelmente minado pela tuberculose.
Era filho do tabelião público major Tito Alexandrino Ferreira Passos e de dona Rita Vieira Guimarães Passos.
Publicou: «Versos de um Simples» (1886-1891); «Pimentões» (versos humorísticos, em colaboração com Olavo Bilac). Rio. 1897; «Hipnotismo» (comédia em 1 ato, em verso), Rio, 1900; «Hino do Quarto Centenário do Descobrimento do Brasil», Rio, 1900; «Horas Mortas» (poesias), 1901; «Tratado de Versificação», em colaboração com Bilac.
Extraído de: AVELAR, Romeu de. Coletânea de poetas alagoanos. Rio de Janeiro: Edições Minerva, 1959. 286 p. ilus. 15,5x23 cm.
Cartão postal da época com o final de um soneto de Guimarães Passos.
TEU LENÇO
Êste teu lenço que eu possuo e aperto
De encontro ao peito quando durmo, creio
Que hei de um dia mandar-te, pois roubei-o,
E foi meu crime, em breve, descoberto.
Luto, contudo, a procurar quem certo
Possa nisto servir-me de correio;
Tu nem calculas qual o meu receio,
Se, em caminho, te fosse o lenço aberto. . .
Porém, ó minha vívida quimera!
Fita as bandas que habito, fita e espera,
Que, enfim, verás em trémulos adejos,
Em cada ponta um beija-flor pegando,
Ir o teu lenço pelo espaço voando
Pando, enfunado, côncavo de beijos.
GUARDA E PASSA
Figuremos: tu vais. . . E' curta a viagem;
Tu vais e, de repente, na tortuosa
Estrada vês, sob árvore frondosa,
Alguém dormindo à beira da passagem;
Alguém, cuja fadiga angustiosa
Cedeu ao sono; em meio da ramagem
Exausto dorme. . . Tinhas tu coragem
De acordá-lo? Responde-me, formosa.
Quem dorme, esquece. . . Pode ser medonho
O pesadelo que entre o horror nos fecha,
Mas sofre menos o que sofre em sonho.
Oh! Tu que turvas o palor da neve,
Tu que as estrêlas escureces, deixa
Meu coração dormir. .. Passa de leve.
SABOR DAS LÁGRIMAS
As salsas águas do mar
As fundas feridas curam.
Por isso muitos procuram
Na praia o corpo lavar.
Mas dizem que o sal, batendo
Nas chagas, doi de tal sorte
Que a criatura mais forte
Sempre se cura gemendo.
Por isso eu choro, que as bagas
Do pranto, caindo na alma,
Trazem-me ompós doce calma,
Lavam-me as íntimas chagas,
Mas as lágrimas, que são
Como a água do mar, salgadas,
Curam, porém, desgraçadas,
Causando sempre aflição.
NA CASA BRANCA DA SERRA
Na casa branca da serra,
Que eu fitava horas inteiras,
Entre as esbeltas palmeiras
Ficaste calma e feliz.
Aí teu peito me deste,
Quando pisei tua terra,
Aí de mim esqueceste
Quando deixei meu país.
Nunca te visse eu, formosa,
Nunca contigo falasse!
Antes nunca te encontrasse
Na minha vida enganosa!
Por que os céus não me puniram
Quando meus olhos te viram
Na casa branca da serra?
Olhaste-me um só momento,
E, desde êste triste instante,
Tu me ficaste constante
Na vida e no pensamento.
E, mesmo se não te via,
Eu passava horas inteiras,
Vendo-te a sombra erradia
Entre as esbeltas palmeiras...
Falaste uma vez, e calma,
Tu me escutaste, mas logo
Abrasou-me tua alma ao fogo
Que lavrara na minh'alma,
Transfigurada e feliz.
"Sou tua"! tu me disseste...
Depois... de mim te esqueceste,
Quando deixei meu país.
Embora tudo !. . . Bendigo
Essa ditosa lembrança,
Que, sem me dar esperança,
Une-me ainda contigo...
Bendigo a casa da serra,
Bendigo as horas fagueiras.
Bendigo aquelas palmeiras,
Querida, da tua terra.
Página publicada em janeiro de 2016
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