NILTON RESENDE
o poeta, professor, ator e pesquisador alagoano, Nilton Resende, foi premiado no projeto Alagoas Em Cena (2006), na categoria poesia com o livro “O Orvalho e os Dias” (Edufal/Trajes Lunares). Ele atua na companhia teatral Ganymedes, grupo, formado em meados de 2006 que estreou com o espetáculo O Mágico (2007), baseado na obra Mário e o Mágico, de Thomas Mann. Edita o blog www.trajeslunares.wordpress.com, onde podem ser coletadas informações completas sobre o autor.
Página preparada por SALOMÃO SOUSA
RESENDE, Nilton. O orvalho e os dias. Maceió: EDUFAL, 2007. 84 P. 14X21 cm. ISBN 978-85-7177-3202 “Premiado no Projeto Alagoas em Cena 2006”. Col. A.M. (EA)
EsPeLhO
Há duas irmãs mancas:
a que diz e a que é.
Uma clama vir a ser;
outra vive o não saber.
Uma quer a carne da outra,
que deseja o seu sabor.
Uma manca por destino.
Outra manca por fraqueza;
muitas vezes, por desleixo.
São duas irmãs, as mancas,
que dividem lar soturno:
nuvens passam adiante,
gritos ecoam no mundo.
Uma toma a mão da outra;
vem-lhe certa estranheza:
olha fundo em seus olhos,
vê-se neles com justeza.
Eles falam de horrores;
mas é desta a tristeza.
Ei-las: duas irmãs mancas:
se de uma jorra o sangue,
noutra vê-se a sua cor;
uma canta os lamentos,
outra sente a grande dor.
Vejo duas irmãs mancas:
uma é Frágil Gardênia.
Outra é Fingida Flor.
O menino bate a pedra.
O que fazes, ó menino?
Bato a pedra, bato a pedra.
Pra que bates, ó menino?
Farei nela linda flor.
E por que tu tão transido?
Por que choras, meu menino?
Sei que tudo é perdido:
ela não terá odor
O ORVALHO E OS DIAS
Dispo-me
Como quem quer se dar. Desvelando-se,
Expondo as faces, as dobras,
Os caminhos.
Entregando o peito, a nuca.
O calcanhar. Como quem necessita
Ser frágil no braço do outro. Desmaiado
Num colo precioso. Dispo-me
Para ser amado.
Mantendo um véu.
PARA A MATADA (E QUASE MORRIDA) AMADA
Mostra agora o teu rosto
E te aproxima.
Quero Candido
Achegar-me junto a ti;
Um teu cheiro,
Leve, perto aspirar.
Toda tua essência
Integra sentir.
Roça já o teu lado
Em meu lado.
Suga esse adocicado
Que exalo.
Dá-me logo esse teu veludo casto
Que tu tens, tão febril, sofrido assim.
Desses teus olhos ardentes quase brasa
Dá-me logo tuas lágrimas melhores.
E te embebas
Deste meu beijo sincero:
Ele é teu –
O meu impoluto carmim.
Vem inteira, vem materna,
Vem amável.
Dá-me, fêmea, os teus braços.
O teu corpo.
E então também me darei
Inteiro.
Minha carne,
Minha alma para ti.
PROFECIA
Um dia a mulher cobrará o sangue do esposo,
Escorrendo perene.
E ele vai querer saber do cálice, suspenso nas mãos da mulher.
E olhará nos olhos dos que o beberam.
E também nos
Daqueles que cuspiram em seu bojo e o chutaram.
Derramando
Seus rubis.
TEMPOS: NO TEMPO
Mira: à tua frente o nebuloso;
Às costas, o abismo fendido,
Na fronte carregas trouxa pesada.
Das o teu passo adiante
E sempre. O fardo te curva,
O volume recrudesce. Que massa
Imensa essa que te verga.
Não olhes atrás.
Ou o peso da trouxa te lançará
No abismo – abismo de ti.
Mergulha na nuvem
Que é sempre caminho.
Teus cornos perfuram o tecido.
São ocos teus cornos.
E recebem o fluido da trouxa.
Sois um: tu e ela.
Mergulha na nuvem.
Dá o teu passo certo.
Mesmo que duvidoso.
Dá o teu passo sempre.
Até que a boca
Imensa te sugue
Da frente a nevoa.
Abrindo o caminho
Mais claro. E certo.
O PEDIDO DO POETA
Deixe-me vê-la por um instante mais.
Contar-lhe ao ouvido: vai, toma teu melhor vestido.
Coloca-te a melhor seiva, perfuma-te. Calça-te
Com as sandálias guardadas (pensava que as não ia usar).
Arruma o cabelo no ato, mantem o teu pescoço nu,
E põe um sorriso na face – os olhos cercados de azul.
Toma logo a minha mão, cerra os olhos-anil.
Abraça-me
Nas longas noites (eu te aquecendo no frio). Fecha,
Fecha
As pálpebras.
Quando as abrires, será rebatizada;
Eu
Te dizendo: “Laetita”. E tu muito alegrada:
“Não me chamo eu já assim”?
“Queria apenas lembrar que Laetita não nos parecias”.
E darás três saltos de êxtase,
Extremas tuas alegrias.
Deixe-me. Deixe-me vê-la por um instante mais.
Contar-lhe ao ouvido: vai,
Apressa-te, toma teu melhor vestido. Que ao fim
Tudo será baile. Ao fim, tudo será festa, rodeios em danças
Faustosas, na sala dourada os pares, a pleniplural
Multidão
Cantando em plenos ares: é vero o gozo-canção.
Página publicada em setembro de 2012
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