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POESIA ALAGOANA

Coordenação de Cármen Lúcia Dantas

 

 

MAURÍCIO DE MACEDO

MAURÍCIO DE MACEDO

 

 

Poeta, médico-auditor e professor universitário, nasceu em Maceió, Alagoas, em 1954.

 

Bibliografia:  Cinzel da Língua (1996), Sínteses da sombra (1997), Aventuras da Negra Fulô (1998), Esfinge Caeté (1999), Onde a vida fere mais fundo (1999), A palavra feito brasa (2000), Canção dos Orixás (2001), A poesia no cordão seguido de Pastoril (2002), A ostra e a pérola (2003), Das Alagoas seguido de Guerreiro (2003), Tear da palavra (2004), Escorial de açúcar (2004), À beira do silêncio (2005), A água e a pedra (2005), Epifania (2006) e À sombra das palavras (2006).

 

 

De
Mauricio de Macedo
Lume
Rio de Janeiro: 7Letras, 2011,   96 p.
  
ISBN 978-85-7577-748-0




AMOR

 

A palavra obsessivo-compulsiva. 

A palavra insone. 

A palavra tiquetaqueando 

nas têmporas,

 

nos pulsos.

A palavra injetando-se

nos vasos dos olhos.

A palavra dervixe

dançando em torno

de si mesma.

 

E os poemas rodopiando,

rodopiando,

arrastados pela força

do sorvedouro.

 

 

CARUNCHO

 

Algo se desfazia

entre mim e você

feito a madeira da ponte

que apodrece.

 

De mim para você,

de você para mim,

a desconfiança se infiltrava

na palavra

feito caruncho no lenho.

 

Perigoso querer atravessar

a ponte agora.

 

 

 

MACEDO, Mauricio de.  Sussurro.  Rio de Janeiro: 7Letras, 2012.  148 p. 
          14x21 cm
  ISBN  978-85-421-0016-7  Capa dura

 

 

Do que falta

 

Nenhuma busca

de tempo perdido.

Nada do que foi

quando as horas pingavam

em círculos

e carregava pedras

como Sísifo.

 

Na lembrança,

a poesia do que falta.

E do silêncio

em que a memória o encara,

vez por outra de uma sombra

releva a palavra

que recolhe e lavra.

 

Língua

 

Sentou-se à mesa,

o livro e um dicionário.

Não esqueceria.

Como um desbravador

- a pé, descalço,

com um macheie na mão,

abrindo caminho mata adentro

no Eldorado -,

conquistaria.

O sonho sobrepunha-se

à memória

feito um mapa.

 

 

Rede

 

A vida inteira debatendo-se

naquela teia de palavras

 

- animalzinho aprisionado

na rede do caçador.

 

A vida inteira debatendo-se,

enredando-se cada vez mais,

enredando-se cada vez mais

 

- braços, pernas, tronco...

a malha apertando-lhe o pescoço.

 

Ah, as palavras

que u'a mãe pronuncia...

 

 

 

 

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De

PALAVRAS TORTAS
Rio de Janeiro: 7 Letras, 2009

 

 

Valhacouto

 

Madrugada.

Você acha bonito a sonata.

(Você não entende de música clássica,

mas acha bonito a sonata.

E lhe agrada escutar - violoncelo e piano

no CD player.)

Sobre a mesa, a biografia

do poeta romântico inglês.

 

Madrugada.

O tempo urge.

Lá fora urna matilha de cães farejadores

aguardam agitados

para se lançarem no seu encalço.

 

 

Flash-back

 

Os fantasmas que a gente foi

entrevistos no claro-escuro,

(Todos tão estranhos agora.)

Como acreditar que a gente esteve

no sono deles,

que desejou os seus desejos?

 

Um mentiroso diz que foram nossos

os mistérios deles.

A gente acredita

e o mentiroso também.

 

 

Palavras tortas

 

O fogo de monturo dos dramas domésticos,

a amargura de urna cidade provinciana,

o ar rarefeito de urna repartição pública

e a pequena poesia que se recolhe

de um mundo tão acanhado,

a pequena poesia que mal expressa

o que se contorce no vácuo

e num enredo de nos cegos.

 

Não deve ter filosofia,

nem sabedoria, ao menos,

mas é com essas palavras tortas

que a gente caminha

como quem se apoia em muletas.

 

==========================================================================

De

DISPNÉIA

Maceió: Editora Catavento, 2008.

ISBN 978 85 7545 –166-3

 

GRANDES E PEQUENOS

 

Há os poemas grandes e belos,

polissêmicos,

configurando sinfonias do pensamento.

Há os pequenos poemas,

nervosos,

oligossêmicos,

chocando-se desesperados

contra as grades do prosaico.

 

Se cantam em liberdade os pássaros,

pousados nos galhos mais altos

ou tecendo guirlandas no ar,

também canta o passarinho

aprisionado na gaiola do alpendres.

 

 

 

DÁDIVA

 

Trazia palavras do mundo

quando voltava para casa

como trazia o gatinho abandonado

ou a mangueira brotando no caroço.

 

E as palavras que trazia

instalavam-se no repertório

do meu silêncio

feito o gatinho dentro de casa

ou a mangueira no quintal.

 

 

EQUUS

 

Exame físico num recrutamento militar.

Um rapaz encolhendo-se num canto da parede

— nu entre outros jovens nus.

Ah, pudesse o rapaz ter arrancado os olhos

do potro selvagem.

Pudesse ter esfaqueado o potro

e não jazer ali,

pisoteado pelo animal indomável

— pétalas alvas de jasmim nas coxas,

Pétalas de cravo rubro no coração.

 

 

FELICIDADE

 

Uma casa modesta alugada,

os móveis da cozinha

feitos de caixão.

No fim da tarde, as cigarras cantam

enquanto espero por ele no portão.

Desce pelo outro lado do bonde

às vezes

e me surpreende com um beijo.

É tênue o canto das cigarras...

 

 

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Textos de

FRAGMENTO

(2007)

 

Escolho alguns poemas de Fragmento por serem metapoéticos, uma seara muito trilhada mas que Maurício de Macedo revive e reaviva com maestria e emoção; sou um admirador entusiasmado de sua criação inquieta e, paradoxalmente,também quieta e sublime.” Antonio Miranda
 

olhos d´água

 

O que tenho a dizer

direi aos poucos

feito um gago

tartamudendo palavras de pedra.

Mas direi todo nos pedaços

— reflexo da luz

nas poças das calçadas.

 

Direi aos poucos e sempre

palavras de sístole,

jatos de sangue na artéria.

Direi feito estilhaços

— petardo da poesia

no cerne da vida.

 

Não direi rios

que não sei dizê-los.

Direi olhos d´água,

de vez em quando e sempre.

 

 

ao leitor

 

Sou o poema náufrago.

E peço ao leitor

a respiração boca a boca

que me faça sobreviver.

 

Sou o poema inacabado.

E peço-lhe

que arremate meus versos,

sendo meu co-autor.

 

Sou o poema cego.

E peço-lhe

que me empreste seus olhos

para que eu possa ver.

 

Sou o poema náufrago,

inacabado,

cego,

como todos os poemas

o são. 

 

 

trincheiras

 

Não serás convidado a freqüentar os palácios.

Não terás acesso aos gabinetes do poder.

Não lembrarão que existes

na tua estranheza, na tua solidão,

no teu fracasso.

Não terás nenhuma importância

e nenhuma utilidade.

Mas as palavras que escreves

no silêncio da madrugada,

numa folha qualquer,

serão trincheiras inexpugnáveis.

 

 

por trás do poema

 

As palavras por trás do poema

não voltam o rosto para mim.

Magnetizados pelos olhos

de quem as decifrou,

aguardando o olhar

de quem vai decifrá-las,

as palavras já não olham

para trás.

 

 

POEMAS

extraídos de

À SOMBRA DAS PALAVRAS

Maceió: Edições Catavento, 2006

 

 

                   DESASSOSSEGO

 

                   Há uma palavra radiotiva

                   no fundo da noite

                   Há vozes de estrelas

                   cintilando no silêncio

                   Há verbos mexendo-se no quarto

                   feito caranguejos

                   Há sílabas feito pétalas

                   espalhadas na sala e no corredor

                   Há um barco extasiado e uma sereia muda

                   Na maré dos olhos

                   Há ouriços do mar

                   tocando a pele do sono

                   e uma língua desconhecida ainda

                   que chama não sei de onde,

                   não sei de onde.

 

                  

                   LAPSO

 

                   O mote esquecido bate na minha testa,

                   puxa as minhas pálpebras.

                   Aquele mote que veio me visitar ontem

                   vinga-se agora

                   de minha preguiça e

                   do meu cansaço.

                   O mote me cortejou

                   durante horas,

                   com um sorriso sedutor.

 

                   Algo não sossega no esquecimento recente

                   feito batidas misteriosas na porta do sono.

                   No silêncio se debatem aflitas

                   palavras irreconhecíveis.

 

 

                        O CERCO

 

                   Aqueles dias em que uma draga

                   puxa o velho navio naufragado

                   com uma penca de quinquilharias

                   grudadas no casco.

 

                   O cerco vitorioso das sombras

                   à cidadela das metáforas.

                   A palavra recolhe-se num canto

                   Arrastando as asas quebradas.

 

 

                     PECADO

 

                   Sentado no trono dourado,

                   no palácio suntuoso,

                   faz solene declaração sobre o que é vício,

                   transgressão dos preceitos da religião.

 

                   Em sua boca a palavra pecado prolifera

                   Feito bactéria do mau-hálito.

 

 

                     OS VIRTUOSOS

 

                            “aqueles que se preocupam demais

                            com o destino do homem acabam mais

                            cedo ou mais tarde ficando cruéis.”

                                      (Isaac B. Singer, tradução de

                                      Rubens Siqueira)

 

                   Os virtuosos não sentem culpa.

                   Os virtuosos não têm dúvidas.

                   Os virtuosos não sentem medo.

                   Os virtuosos só têm virtudes.

 

                   Os virtuosos erguem guilhotina

                   em nome da virtude.

 

 

                   POEMA N* 4

                   (de Canções da Maré)

 

                   Agora não é mais o silêncio

                   do cemitério violado

                   — ossário de coral exposto ao sol.

                   Agora já não existe o espanto

                   — hiato árido —

                   entre terra e água.

                   Agora é sim e não,

                   sim e não...

                   — murmúrio de galanteio do mar

                   Depositando o colar de espumas

                   no regaço da areia.

 

 

(Página publicada em agosto 2007.) 


Palavra-chave: Metapoesia
Página republicada em junho 2008; ampliada e republicada em junho 2009




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