JOSÉ SIMPLíCIO DA ROCHA FILHO
Nasceu em Maceió, a 6 de fevereiro de 1908. Fez o curso secundário no antigo Liceu Alagoano e doutorou-se em Medicina na Faculdade da Bahia. Foi diretor do «Asilo Santa Leopoldina» de Maceió. Residiu no Rio, onde atuou como médico psiquiatra.
Obra poética: «Sombras do Meio Dia» (versos, com prefácio de
Carlos Chiacchio) Ed. Artes Gráficas. Salvador. Bahia. 1951.
SEREI UMA SOMBRA
Não te vás ainda,
que eu te quero divertir.
Contar-te-ei velhas histórias.
Antigas e novas lendas aprenderei
para narrar-te.
Não te vás ainda,
que eu desejo seduzir-te.
Farei as maiores proezas,
contanto que não te vás.
Serei ridículo e sublime
como o palhaço do circo.
Andarei de cambalhotas,
imitarei o pregoeiro,
cantarei como os tenores,
falarei como os speakers,
enchendo os ares de erres,
se te agrada.
Irei lutar em New York
com o negro Joe Luís.
Sairei machucado da luta,
mas satisfeito por te amar.
Serei tudo o que quiseres:
soldado, gangster, mujik,
croupier, explorador de mulheres,
cortador de cana nas usinas,
retirante durante as secas,
marinheiro afrontando as ondas,
contanto que não te vás.
Anular-me-ei, se quiseres,
e serei, se te agrada,
uma sombra — a tua sombra,
projetada pelo chão,
te seguindo fielmente.
AUSÊNCIA
Imagino que regressas inesperadamente,
e que eu mesmo em pessoa te vou abrir a porta,
e que entras para o meu quarto,
onde tento, com o auxílio das cortinas,
fazer desabar sobre nós a mais temporã das noites.
Imagino que vens linda, muito mais linda do que és,
e que de ti me aproximo em êxtase,
e te envolvo numa carícia transcendente.
Imagino ainda a posterior e definitiva lassidão que nos
haveria de tomar,
os teus gestos lentos e imprecisos.
a tua palavra doce e abafada
e o fumo do teu cigarro, pondo tons azulados na penumbra
do quarto
Tudo isso imagino, ou talvez recordo,
enquanto, em vão, procuro, com as minhas mãos crispadas.
estrangular o terrível e inerte coração da angústia.
Página publicada em novembro de 2015
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