POESIA PARNASIANA - PARNASIANISMO
GOULART DE ANDRADE
(1881-1936)
José Maria Goulart de Andrade ( Maceió, AL, 1881- Rio de Janeiro, RJ,1936).
A PROCELÁRIA
Fontes de Alencar
Lá se encontra na edição inaugural da Revista Americana, vol. I, de 1909, o poema cujo título encima estas notas. Reproduzo-o para os leitores:
Mal do côncavo céu, forrado à cor de chumbo,
Explode, amplo e soturno, um lúgubre retumbo,
E o Mar, fera enjaulada em frente ao domador,
Queda numa ânsia muda e num mudo rancor,
Imóvel, estendido ao longo das enseadas,
Já do seio talvez das nuvens adensadas,
Em corimbos, exaure e desce do rasgão
Que nos cumulos abre o raio, num trovão,
- O gênio do escarcéu, a plúmbea procelária !
Todo o oceano estremece à grita tumultuária
Da tormenta bravia ! A vergastada já
Lhe estala ao dorso azul que, em arrepio, está!
Com mais fúria e mais força o látego do vento
Zurze-lhe o flanco, e ele incha, e raiva, truculento,
Recua e pula, estronda e socava, minaz,
O arrecife que o impede, e, desvairado faz
Arrebentar-se o cais que lhe marca o limite!
Rouco, brama, estouraz! Não há força que o evite:
Alaga tudo, inunda, e cobre com o lençol
Da espuma alva em cachões, duna, forte ou farol,
E desenterra e mina, alui, arromba e lasca!
A ave do excídio então, a filha de borrasca
Entre os abismos voa, e, pairando, triunfal,
De asa espalmada no ar, preside ao temporal!
Agora, ei-la, já fende os elementos soltos,
Com a ponta da asa ameiga os vagalhões revoltos,
E pousa num cachopo, a emergir nu do caos,
- Trono de onde ela assiste à destruição das naus!
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De onde vens, eu não sei, oh! Dúvida cinzenta!
Sei que, quando ao pesar, meu coração rebenta,
Quando às doidas paixões que me estão a ferver
Dentro d’alma, eu me estorço, e, quando ao meu querer,
Feito de insensatez e de esplendores feito,
Se opõe o muro hostil do rijo preconceito;
Sei que, quando deliro e me ponho a chorar,
De ais enchendo o silencio e de suspiros o ar,
E fremente, e convulso, eu desgrenho os cabelos
- Como floresta má de ódios e pesadelos,
E caio e me ergo, e clamo, e arfo, e torno a cair,
Mordendo as mãos, até o sangue surgir,
Tu, como a procelária, apontas misteriosa,
Neste báratro escuro e nesta nebulosa
De tortura moral, de pensamento ruim
Que num eterno giro, existe dentro em mim!
E aqui, no coração, escolho dolorido,
Baixando, vens pousar sobre o ardente brasido
Do Ciúme rubro! E aqui, a asa distenderás
Por que seques de pranto amargo, de que estás
Molhada, desde quando a atra região das queixas
E das mágoas passaste, oh! Mal que me não deixas!
E aqui no coração, implacável e ultriz,
Naufragarem verás o meu sonho feliz,
O meu ideal estranho e as minhas esperanças!
E neste antro infernal, Duvida que não cansas,
Sáfaro, estéril, duro e coberto de pó,
Ficarás sempre só, funebremente só!
Seu autor, José Maria Goulart de Andrade ( Maceió, AL, 1881- Rio de Janeiro, RJ,1936). O corpusda obra literária dele compreende poesia, romance e teatro.
Críticos do seu tempo opuseram ressalvas às produções dramatúrgicas . Mário de Alencar obtemperou-lhe em carta a propósito de Os Inconfidentes: tive a impressão de um formoso poema lírico[...]. Ao poema dramático é peculiar a impessoa- lidade, condição essencial que permite a caracterização de cada figura [...]. Representa- do, eu iria aplaudi-lo[...]; mas estaríamos todos [os espectadores] enlevados da fluência, da música e da riqueza verbal de tão formosos versos. Quanto à emoção dramática, estou que poucos a sentiriam; e é a emoção dramática o fundamento do drama ( RA,vol. VII – 1912); e Almachio Diniz ponderou: Gosto e amo os belos versos de Goulart de Andra- de, como concentrações de belezas; não louvo, entretanto, o seu emprego como processo de dispersão de belezas em obras teatrais ( Meus Ódios e Meus Afetos. São Paulo: Mon- teiro Lobato & Cia, 1922 ). Certo é que ambos os comentadores disseram bem da poética goularteana.
Agrippino Grieco, sabidamente o mais acre dos nossos exegetas literários, deitou louvores ao vate de Ocaso. Em Gente Nova do Brasil (Rio: Livraria Jo- sé Olympio Editora, 1935) assim escreveu: Começou o sr. Goulart de Andrade com uma poesia cantante, ora voluntariamente arcaica, ora marcial e discursiva à maneira de Rostand.[...] Bem recortadas as figuras das suas comédias líricas, ainda quando vestis- sem estofos aproveitados do velho guarda-roupa romântico. Malgrado a forma trabalha- da e atormentada, que, às vezes, importava em paralisia da emoção, deixou páginas a serem relidas e deixará por conseguinte um nome .
Em 1916 ingressou na Academia Brasileira de Letras, como suces- sor de Artur Jaceguai, cabendo-lhe a Cadeira n. 6, de que patrono Casimiro de Abreu. As boas-vindas da Casa lhe chegaram pela voz de Alberto de Oliveira. E o autor de Meridionais proclamou: O escritor em vós, Sr. Goulart de Andrade, é primordial e essencialmente o poeta. Outras partes se louvam em vossa pena desde a de autor de composições teatrais às do cronista e romancista, as quais todas vos têm propiciado ocasião a vos re- velardes verdadeiro homem de letras. Aquela, porém, a de poeta, a qualidade apolínea,por excelência, é o título mais belo, o vosso mais alto pregão de escritor.
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XXII
(Rondó)*
De amor e ciúmes desatino,
porque te amar é meu destino,
— causa do gozo e do sofrer! —
Se Vico é para te querer,
mulher, fulgor, perfume ou hino!
O meu desejo, astro divino,
cerca-te o vulto airoso e fino,
como atmosfera, a te envolver,
de amor!
Ilha florida, eu te imagino,
e julgo o ciúme, agro e mofino,
que me transtorna todo o ser,
um bravo mar sempre a gemer,
a uivar, num ímpeto tigrino
de amor!
Esta forma fixa tem duas ordens de rimas e 1 versos (2 quintilhas separadas por um terceto) mais dois versos de refrão (as primeiras palavras do primeiro verso). Péricles Eugênio da Silva Ramos
XIII
(Rondel)*
Meu coração, minha altivez,
ponho a teus pés, musa serena,
— sonho de amor em noite plena
de redolência e languidez!
Tens para mim tanta algidez...
Pobre, que em troca desta pena,
meu coração, minha altivez,
ponho a teus pés, musa serena.
Fraco, a vontade se me esfez
nesta volúpia que envenena...
Queres-me ver de rastro? Ordena,
que eu deporei sob os teus pés
meu coração, minha altivez...
* É um dos tipos de rondel, o de 13 versos, o mais comum na poesia francesa: os dois primeiros versos volta após o 6º, e o 1º remata a composição, como 13º. Péricles Eugênio da Silva Ramos
VILANCETE
Zagala que pastoreias
o rebanho das lembranças,
amar-vos não posso mais.
VOLTAS
Desde a alva ao sol fenecer,
desde a noite à madrugada,
das penas ando a pascer
a numerosa manada.
Zagal, causa dos males
que eu sofro, sem esquivanças,
trazei-me por estes vales
o rebanho das lembranças>
Não temais a confusão
nem as prováveis misturas:
se as lembranças brancas são
as penas serão escuras...
emas de vos não olhar!
Lembranças que me guardais!
Tanto é o penar e o lembrar,
que amar-vos não posso mais.
Neste olhos — duas fontes —
meu rebanho dessedento;
e vou por vales e montes
num profundo desalento...
Alguém dirá deste pranto,
destas saudades mortais:
que e vos amando assim tanto...
amar-vos não posso mais.
*Além de Goulart de Andrade e antes dele, já Guimaraens Passos se havia servido do vilancete. Alberto de Oliveira seria outro parnasiano a usar essa forma fixa de velho prestígio no idioma. Péricles Eugênio da Silva Ramos
SONETOS. v.1.Jaboatão dos Guararapes, PE: Editora Guararapes EGM, s.d. 154 p. 16,5 x 11 cm. ilus. col. Editor: Edson Guedes de Moraes. Inclui 148 sonetos de uma centena de poetas brasileiros e portugueses. Ex. bibl. Antonio Miranda
HADAD, Jamil Almansur, org. História poética do Brasil. Seleção e introdução de Jamil Almansur Hadad. Linóleos de Livrio Abramo, Manuel Martins e Claudio Abramo. São Paulo: Editorial Letras Brasileiras Ltda, 1943. 443 p. ilus. p&b “História do Brasil narrada pelos poetas.
HISTORIA DO BRASIL – POEMAS
PALMARES
I
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Aqui, tens de lavrar esta terra fecunda!
Tudo o que olhos vêem. Tudo o que te circunda,
Sob a dura pressão de um feitor desumano!
Sem que aufiras proveito algum, constantemente,
Trabalharás com o sol, desde o levante ao poente,
Para bem de um senhor estúpido e tirano!
Se paras um momento, o látego retalha
Teu alquebrado corpo!... “— Oh! antes a batalha,
A grita horrenda e rouca, o estrupido da luta,
Do que o labor servil com bárbaro castigo...
À guerra, à guerra, pois!” Zumbi pensa consigo
Pondo a fronte febril em fria pedra bruta!...
E abisma-se a pensar, num silêncio profundo:
— Prefere ao fero jogo a vastidão do mundo,
Errando... E sob o olhar cintilante dos astros,
De catre em catre vai, veloz como uma seta;
E conspira e convence e segreda e projeta
E desliza na sombra a mover-se de rastros.
Arrebenta os grilhões na ânsia de liberdade;
Foge que isso é mister... e de herdade em herdade,
Ei-lo presto a correr, que tempo lhe não resta...
A ideia da revolta em cada peito lança;
E se fôrça lhe falta, ele apenas descansa
Nos torvos socavões ou na espessa floresta!
Foge, que isso é mister. Também ao passarinho
Lhe apraz fugir se alguém o arrebata do ninho.
E ele tinha seu pouso, ele era livre — uma ave!
Prenderam-n´o? Pois bem! Agora correria
Ao seio maternal da floresta sombria
Onde pudesse ter uma existência suave.
Mas vão busca-lo aí para o aviltante açoite:
Pois é um crime viver um homem cor da noite,
Sozinho, para si, livre de férrea liga!
Já lhe mandam seguir a todo o transe a pista
Pelos ínvios sertões; quando, um dia, ele avista
O pináculo azul da Serra da Barriga.
“—Ali, a salvação, o fim dessa jornada!
“Ali, a doce paz, a vida descuidada
“Da paragem natal, encontrará por certo...”
— Pensa, a encosta subindo, o infortunado louco
Chega, dorme e desperta e, grita... e dentro em pouco,
Bandos de negros nus irrompem, no deserto!
E vêm uns... outros mais!. Por toda uma grande área
Começa a agitação, a vida tumultuária!
E Zumbi ordens dá, corre, prepara o abrigo,
Trabalha, fortifica, espia, pensa, vela,
Reza ao céu! Mas o céu pela voz da procela
Iracunda, anuncia um remoto perigo!
Ei-lo, como um condor no fastígio da serra
Que outras serras domina, atalaia de guerra!
Sete léguas ao redor, nada lhe escondem, nada,
Que a sua vista arguta esmerilha incessante:
A espalda a pique, o vale, a floresta distante,
Desde o tombar do sol ao nascer da alvorada!
Cerca de trinta mil fugitivos em coorte,
Congregados ali, às ordens o mais forte,
Sulcam a virgem terra, espalham as sementes
Que mais tarde lhes dão as espigas douradas,
Os frutos tropicais, como nas bem-amadas
Paragens, onde a luz viram, quando, inocentes,
Os olhos para o mundo abriram. A labuta
Da vida pastoril cresce. A ideia da luta
Ora vem, ora vai... Redobra o árduo trabalho;
Fazem valos, leirões; ao riacho o leito mudam;
Ora cortam na mata estratégico atalho!
Quem à plaga natal os levará de novo?
Ninguém. Portanto ali o degredado povo
Deve permanecer: E elevam-se cabanas
Feitas de catolé, cuja palma trançada
O abriga da tormenta e da rija morada...
Dai-lhe refúgio bom, terras americanas!
Mitigai-lhe o penar! Dai-lhe o belo, a fartura,
E sobretudo a paz! Oh! dai-lhe a aragem pura,
O deleitoso mel, as águas cristalinas,
A cantiga o ninho, a frescura da alfombra,
O perfume da flor, as fértiles campinas!
Cansaste do labor? Dormita sem cuidado,
Que não te acordarão o chacal esfaimado,
A hiena carniceira, o tigre bronco e enorme!
Não temas o animal, adormece sem medo,
Se do homem estás longe, o homem falsário e tredo...
Dorme, os astros no céu velam teu sono, dorme!
A caça gorda e sã fornece-te o alimentos;
O fruto da estação, gostoso e suculento,
Refrigério te dá: — Derruba o lesto veado,
Recolhe o sapoti, a cheirosa mangaba,
A pitanga escarlate, a áurea e doce goiaba...
E vive! Sê feliz neste novo Eldorado!
Oh deixam-n´o viver, que esta terra tão vasta
Pode a todos conter! Há muita selva basta
Neste solo nutriz, que, ansiosamente, espera
Quem lhe fecunde o ventre e cultive as pastagens,
Palpitantes de vida, em ímpetos selvagens,
Neste doudo esplendor de eterna primavera!
Já no úmido marnel — a cana reverdece!
Na arenosa charneca — a macaxeira cresce!
Pelas secas rechãs — o milho embalança!
E o machado derruba o matagal maninho,
Para que, em seu lugar, haja uma choça, um ninhos,
PáPágina publicada em abril de 2008; ampliada e republicada em dezembro de 2009.Ampliada eeem julho de 2018
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