GONZAGA LEÃO
Luiz Gonzaga Leão ( Gonzaga Leão) nasceu em União dos Palmares, Alagoas, a 05 de junho de 1929. Estudos primário e secundário no Colégio Guido de Fontgalland. Formado pela Faculdade de Direito de Alagoas. Funcionário aposentado do Banco do Brasil. Membro da Academia Alagoana de Letras e Academia de Letras e Artes do Nordeste Brasileiro.
De
LEÃO, Luiz Gonzaga. Casa somente canto - Casa somente palavra. São Paulo:
Escrituras, 1995. 85 p. Capa e uma sobrecapa de papel manteiga. Formato
18x13 cm
“Eu sei que a casa escutava
eu sei que a casa sentia
pois quando falava a casa
a casa se comovia”
Gonzaga Leão
Um livro fundado no tema proposto: a habitalibilidade da casa, sua interrelação com o ocupante. Unidade perfeita. “Casa somente canto/ Casa somente palavra” é de 19085, que eu descobri na estante de uma livraria de Maceió. Tem algo de João Cabral de Melo Neto, sem a secura do mestre pernambucano; ao contrário, Gonzaga Leão é úmido, não abre mão do lirismo, mas ambos são engrenheiros do verso, compondo sobre um tema obsessivamente. Gonzaga Leão é reiterativo com J.C., pelos meandros do discurso que não abandona a descrição, sem descrever, por circunlóquios verbais: “Partir como sei bem partir de mim”, sem cortar as rimas, que pautam o ritmo. “Mas como pode/ ficar assim/ se a casa existe/ dentro de mim?” ANTONIO MIRANDA
POEMA UM
Se você deseja
com seu coração
ou se é com seu sonho
— sua solidão —
o que mais almeja,
se é com seu corpo
e sua peleja
que realmente quer
fazer sua casa,
não importa a forma
que ela possa ter,
pois a casa é
para ser sentida
para ser vivida
para ser amada
e ser possuída
não para se ver.
(...)
Mas se você quer
se deseja dar-se
por completo à casa
dê primeiramente
todos os seus pertences:
dê sua camisa
quando mais suada
dê os seus sapatos
quando mais usados
e a gravata quando
mais amarrotada
e o seu terno quando
ele mais surrado,
pois nós doamos
se nós nos gastamos
quando as coisas nossas
do cotidiano
junto a nós se gastam.
(,,,)
Para que a casa
tenha nosso jeito
e dos nossos corpos
tenha seus trejeitos
e assim bem a casa
seja com efeito
casa construída
tendo nós por teto
nós por dependências
tendo nós por chão
nós por objeto.
POEMA TRÊS
O que me fascina
numa casa são
suas cumeeiras
e dos seus jardins
quando em floração
suas trepadeiras.
Como nas estradas
o que mais me agrada
são suas ladeiras
— tanto nas subidas
quanto nas descidas
pois é sempre assim
que tem sido a vida
minha vida inteira.
Veja o E-BOOK:
LEÃO, Luiz Gonzaga. Soneto que fala de anjos e cavalos. Jaboatão: Editora Guararapes EGM, 2015. 22 p. ilus. col. 20,5x13 cm. Editor: Edson Guedes de Moraes. Ex. bibl. Antonio Miranda
[ CAVALCANTI, Valdemar, org. ] 14 POETAS ALAGOANOS . POEMAS ESCOLHIDOS. Maceió: Edição do Departamento de Assuntos Culturais da Secretaria de Educação e Cultura, 1974. 44 p. 14 x 20,5 cm.
Ex. doado pelo livreiro José Jorge Leite de Brito
SONETO DE MAR E VOO QUASE PÁSSARO
Possuis provavelmente repetido
da ave o voo nas mãos e nos cabelos;
nos teus lábios maduros e vermelhos
há certamente um pássaro ferido
que se refaz, de voo prometido,
são as asas silenciosas teus artelhos;
e há também um mar que em teus joelhos
repousa, um mar na cor do teu vestido
transparente, finíssimo, de gaze,
quase desfeito ao vento, voando quase;
um mar pousa em ti, calado e breve.
Digo eu que sei que me perdi no mar
que em ti descansa e que aprendi a voar
sem consequências com teu corpo leve.
SONETO LEVE AZUL FEITO DE MAR
Tens, amada, nos olhos exilado
o mar de aéreo azul; o aéreo gosto
de sal nos lábios e manhãs no rosto;
no mapa do teu ventre tatuado
continente do amor inusitado;
esperanças nas mãos; morno sol-posto
nos cabelos que acenam pelo gosto
marítimo do adeus de ser lembrado.
Por isso é muito fácil a quem te ama
reivindicar teu mundo e o panorama
frágil de tua carne. Pois não deves
ser mais do que um voo desenhado
no silêncio da praça e no telhado
das casas, feito só de coisas leves.
SONETO DA PINTORA QUASE MARINHEIRA
Não que houvesse do mar se fatigado,
que o mar não cansa nunca nem fatiga,
mas por mudar de cor, da cor antiga
do mar a que se havia habituado,
foi que ela partiu. E, em sossegado
recanto — onde a paisagem verde e amiga
é mansa como o gado que mastiga
o pasto de ócio e sombras no cercado —
fez sua habitação. Mas, lá, sozinhas,
olhando das janelas muto abertas
da casa o campo, se lembrou, depois,
de viver mesmo de pintar marinha,
valendo-se de certos céus e certas
manhãs de certo azul e certos bois.
PEQUENO SONETO
Como bandeira incendiada
os seus cabelos revoltos
acenaram para o mar
a paisagem do seu corpo.
E barcos desceram âncoras,
dos mastros arriaram velas,
pensando terrar estranhas
despertas de suas pernas.
Quieto era o mar. E as gaivotas
desviadas de suas rotas
sobre seu rosto pousaram.
E, na manhã que era dela,
os marinheiros afoitos
nos seus olhos viajaram.
SONETO DA INTEGRAÇÃO
Não só de barro, barro puro e frágil,
mas nele certamente irão seus musgos,
restos de antigo mar e caramujos
de mistura com pedras e com cactos.
E nele irão também cristais de algas
e xique-xiques que seriam búzios
se ele fosse levado a ser marujo
na caatinga sem mar nas suas margens.
E não lhe faltarão entre as bovinas
origens do gibão e da alpercata
a bússola e o sal feitos convite
à viagem: na mão gravado o mapa,
no se chapéu a estrela do destino
e ele, a uma só tempo, mar e barco.
A PONTE
Na ponte além do concreto,
cimento, tijolo e aço;
mais que o suor do operário
brotado do seu cansaço;
mais do que lados opostos
unidos num só abraço;
na ponte há o que antes
dela mesma já havia:
— namorados se beijando
debruçados no vazio:
— foi quando inventaram a ponte
e viram que em vez do rio
era o tempo que corria.
A MORTE DO PASSADO
Voo cego de pássaro no escuro,
de si precipitado, solto no ar,
caindo sobre o chão do bulevar
como um fruto que cai quando maduro.
Suicídio do azul de encontro o muro,
do azul salino que emigrou do mar,
cansado no poder de viajar.
Suicídio do azul tornado impuro.
Tomba o pássaro: a sombra sobre o rio,
as crianças na praça e o casario
que lhe ditavam voo e itinerário.
E o tempo muda, se desfaz a espera,
a noite pinte o mundo e a primavera
inverna em sua cor no calendário.
PRIMEIRO SONETO SOBRE A CASA
No chão, marca de pés sujos de lama;
o alpendre para o sonho e para a rede:
janelas para a fuga; na parede
o salto do telhado; a noite e a cama
com destinos iguais para quem ama
— água e fonte servindo a mesma sede.
A casa em construção ainda, que de
suor e barro se edifica, chama,
para se completar, seus moradores.
Fumo de chaminé nos arredores
da noite terminada. E, no profundo
silêncio com que a vida se cobria,
um galo bate as asas e anuncia
a casa e a manhã dentro do mundo.
SEGUNDO SONETO SOBRE A CASA
Não fosse de barro e presa
aos alicerce, então
não me seria surpresa
ver elevar-se do chão,
como ave ou como avião,
a casa em sua certeza
de cama, e de vinho e pão
sobrando em cima da mesa.
Sua certeza de azul
e de verde ao norte e sul
dos seus domínios. Pois não
sendo somente desnudo
muro, viga e telha, tudo
na casa é levitação.
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[ CAVALCANTI, Valdemar, org. ] 14 POETAS ALAGOANOS . POEMAS ESCOLHIDOS. Maceió: Edição do Departamento de Assuntos Culturais da Secretaria de Educação e Cultura, 1974. 44 p. 14 x 20,5 cm.
Ex. doado pelo livreiro José Jorge Leite de Brito
SONETO DE MAR E VOO QUASE PÁSSARO
Possuis provavelmente repetido
da ave o voo nas mãos e nos cabelos;
nos teus lábios maduros e vermelhos
há certamente um pássaro ferido
que se refaz, de voo prometido,
são as asas silenciosas teus artelhos;
e há também um mar que em teus joelhos
repousa, um mar na cor do teu vestido
transparente, finíssimo, de gaze,
quase desfeito ao vento, voando quase;
um mar pousa em ti, calado e breve.
Digo eu que sei que me perdi no mar
que em ti descansa e que aprendi a voar
sem consequências com teu corpo leve.
SONETO LEVE AZUL FEITO DE MAR
Tens, amada, nos olhos exilado
o mar de aéreo azul; o aéreo gosto
de sal nos lábios e manhãs no rosto;
no mapa do teu ventre tatuado
continente do amor inusitado;
esperanças nas mãos; morno sol-posto
nos cabelos que acenam pelo gosto
marítimo do adeus de ser lembrado.
Por isso é muito fácil a quem te ama
reivindicar teu mundo e o panorama
frágil de tua carne. Pois não deves
ser mais do que um voo desenhado
no silêncio da praça e no telhado
das casas, feito só de coisas leves.
SONETO DA PINTORA QUASE MARINHEIRA
Não que houvesse do mar se fatigado,
que o mar não cansa nunca nem fatiga,
mas por mudar de cor, da cor antiga
do mar a que se havia habituado,
foi que ela partiu. E, em sossegado
recanto — onde a paisagem verde e amiga
é mansa como o gado que mastiga
o pasto de ócio e sombras no cercado —
fez sua habitação. Mas, lá, sozinhas,
olhando das janelas muto abertas
da casa o campo, se lembrou, depois,
de viver mesmo de pintar marinha,
valendo-se de certos céus e certas
manhãs de certo azul e certos bois.
PEQUENO SONETO
Como bandeira incendiada
os seus cabelos revoltos
acenaram para o mar
a paisagem do seu corpo.
E barcos desceram âncoras,
dos mastros arriaram velas,
pensando terrar estranhas
despertas de suas pernas.
Quieto era o mar. E as gaivotas
desviadas de suas rotas
sobre seu rosto pousaram.
E, na manhã que era dela,
os marinheiros afoitos
nos seus olhos viajaram.
SONETO DA INTEGRAÇÃO
Não só de barro, barro puro e frágil,
mas nele certamente irão seus musgos,
restos de antigo mar e caramujos
de mistura com pedras e com cactos.
E nele irão também cristais de algas
e xique-xiques que seriam búzios
se ele fosse levado a ser marujo
na caatinga sem mar nas suas margens.
E não lhe faltarão entre as bovinas
origens do gibão e da alpercata
a bússola e o sal feitos convite
à viagem: na mão gravado o mapa,
no se chapéu a estrela do destino
e ele, a uma só tempo, mar e barco.
A PONTE
Na ponte além do concreto,
cimento, tijolo e aço;
mais que o suor do operário
brotado do seu cansaço;
mais do que lados opostos
unidos num só abraço;
na ponte há o que antes
dela mesma já havia:
— namorados se beijando
debruçados no vazio:
— foi quando inventaram a ponte
e viram que em vez do rio
era o tempo que corria.
A MORTE DO PASSADO
Voo cego de pássaro no escuro,
de si precipitado, solto no ar,
caindo sobre o chão do bulevar
como um fruto que cai quando maduro.
Suicídio do azul de encontro o muro,
do azul salino que emigrou do mar,
cansado no poder de viajar.
Suicídio do azul tornado impuro.
Tomba o pássaro: a sombra sobre o rio,
as crianças na praça e o casario
que lhe ditavam voo e itinerário.
E o tempo muda, se desfaz a espera,
a noite pinte o mundo e a primavera
inverna em sua cor no calendário.
PRIMEIRO SONETO SOBRE A CASA
No chão, marca de pés sujos de lama;
o alpendre para o sonho e para a rede:
janelas para a fuga; na parede
o salto do telhado; a noite e a cama
com destinos iguais para quem ama
— água e fonte servindo a mesma sede.
A casa em construção ainda, que de
suor e barro se edifica, chama,
para se completar, seus moradores.
Fumo de chaminé nos arredores
da noite terminada. E, no profundo
silêncio com que a vida se cobria,
um galo bate as asas e anuncia
a casa e a manhã dentro do mundo.
SEGUNDO SONETO SOBRE A CASA
Não fosse de barro e presa
aos alicerce, então
não me seria surpresa
ver elevar-se do chão,
como ave ou como avião,
a casa em sua certeza
de cama, e de vinho e pão
sobrando em cima da mesa.
Sua certeza de azul
e de verde ao norte e sul
dos seus domínios. Pois não
sendo somente desnudo
muro, viga e telha, tudo
na casa é levitação.
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Página publicada em janeiro de 2022
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