CARLOS MOLITERNO
Poeta, jornalista, crítico literário, foi presidente da Academia Alagoana de Letras por seis mandatos consecutivos, autor dos livros Desencontro, Notas Sobre Poesia Moderna em Alagoas e do festejado A Ilha, considerado um clássico da poesia alagoana. Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, autor da letra do Hino de Maceió, faleceu no dia 19 de maio de 1998, aos 86 anos.
De
MOLITERNO, Carlos
A Ilha. Capa e ilustrações de Hércules.
Maceió, Alagoas: Imprensa Oficial, 1969. 131 p. formato 29x14 cm
Este livro de Carlos Moliterno inclui 8 desenhos de Hércules impresso em folhas separadas do texto sobre papel verde claro.
SONETO N° 37
A Ilha se dilui pelo meu corpo
e em minhas mãos retenho a sucessão
dos litorais que nascem nos meus olhos,
das angras que confinam nas marés.
Ondas intermitentes se deslocam,
projetando uma azul geografia
de águas que são águas e não são,
porque no horizonte se esvaziam.
Agua e céu se confundem em cores várias,
em cores que retenho nos meus dedos,
entre o verde e o azul e o ouro e o chumbo.
Olhos procuradores se inquietam
e se perdem num mapa de água e céu,
um mapa que eu tracei para meu uso.
SONETO N. 6
Debruço-me na tarde sobre a Ilha,
enquanto o sol estanca no vermelho,
e derramo lembranças nas areias
e na relva, nas flores e nos frutos.
A memória na tarde é um calendário
que registra os mais lúcidos instantes
dos meus passos incertos e perdidos
na minha irresponsável geografia.
No silêncio da tarde me absorvo,
perdido nos seus pontos cardiais,
marinheiro sem rumo e sem estrela.
Percorro a Ilha sem mirante e mapas
e céu e terra escapam dos meus dedos,
como fios de luzes intocáveis.
AVELAR, Romeu de. Coletânea de poetas alagoanos. Rio de Janeiro: Edições Minerva, 1959. 286 p. ilus. 15,5x23 cm. Exemplar encadernado. Bibl. Antonio Miranda
CAMÕES
Destemido cantor da gente lusitana,
Que ostentas do passado os louros imortais,
Modelaste no verso a glória que engalana
A nobre tradição de vultos colossais.
Cantaste no teu poema a luta sobre-humana
Da armada que venceu rijos temporais
E rasgou pelo mar, com bravura espartana,
A rota que a levou às Índias Ocidentais.
Vibraste em tua lira, ó grandioso artista,
Um canto sublimado e cheio de grandeza
Que traduz do teu povo as ânsias de conquista.
Revela-se aos clarões do teu poema terso
—Epopéia de amor da gente portuguesa —
A alma de Portugal na música do verso.
PALAVRA DO MESTRE
Na palavra trazia o bem
Que desejava fosse de todos.
Mas o bem da palavra
Perdia-se no abismo
Da indiferença de todos.
Todos escutavam
A palavra que traz o bem
Mas a indiferença era maior do que a palavra.
Por isso a palavra trazia o bem
Anda perdida pelo mundo
No meio da indiferença de todos.
4ª. ELEGIA
São meus longos e tristes pensamentos,
Ecos de vozes que ficaram imersos
Nas extintas manhãs, nas madrugadas,
Nas curvas das estradas percorridas.
São túmulos abertos na memória,
Trazendo a dispersão de imagens mortas,
De imagens sepultadas pelos ventos
Através dos caminhos que me viram.
Acumulam-se em mim, ausência e mágoa,
E um silêncio pesado abafa os ruídos
Da água da fonte das lembranças.
Na paisagem noturna há cruzes vivas,
De minutos e de horas e segundos,
Cobertas pela neve das distâncias.
[ CAVALCANTI, Valdemar, org. ] 14 POETAS ALAGOANOS . POEMAS ESCOLHIDOS. Maceió: Edição do Departamento de Assuntos Culturais da Secretaria de Educação e Cultura, 1974. 44 p. 14 x 20,5 cm.
Ex. doado pelo livreiro José Jorge Leite de Brito
SONETOS DA ILHA
I
Entre o mar e a ilha há sol e água
se há o sal que os meus dedos pulverizam.
E em suas praias rosas e lembranças,
areias virgens de presença e fuga.
No seu chão insular rios e pétalas
povoam de alvoradas seus recantos.
E raízes se enterram pelos vales,
onde auroras e raios se conjugam.
E na fonte imprecisa desta tarde
desabo sobre a Ilha. E no silêncio
revivo as suas dunas nos meus olhos.
Dunas de curvas vivas ancoradas,
no mistério do sonho e no mistério
do meu ser que são dois, são três, são quatro.
II
A neblina da tarde cobre a Ilha
e enche o meu olhar de cinza e espantosa,
e o espelho não recria a minha face
na areia exausta onde repousam búzios.
Na água do mar meu rosto não se afoga,
e há passos sem memórias nos caminhos.
As conchas são saudades nas areias,
da Ilha sem penhasco e sem rochedos.
Reinvento um sol cada manhã. E bebo
a aurora do silêncio em que desabo,
do silêncio nascido de água e espuma.
E as areias sugerem geografias,
onde, sozinho, entre o azul e o verde,
recrio estas lembranças insulares.
III
Era uma rosa que boiava aflita
na luz azul-queimado do nascente,
rosa feita de sal no chão da Ilha,
flor de concha e de sol, de areia e água.
Ora rosa, ora peixe, a flor boiava
nas ondas imantadas no meu rosto.
E se era rosa no centro das auroras,
era peixe imaturo no crepúsculo.
Boiava assim a rosa que era peixe,
bem no meio das águas azuladas,
de um golfo manso que fendia a praia.
Se o sol luzia, a flor se abria ao sol,
porém à noite o peixe cintilava,
na alternação de escamas e de pétalas.
IV
No mapa a Ilha e em minhas mãos o mapa
e o ventos empós, um vento que se adensa
e enxuga no meu rosto a água e o tempo
e põe meu signo em quadro de aquarela.
Folhas rebentam no meu corpo impuro,
embora já lavado nas marés;
e raízes e algas também brotam
e dunas e enseadas me recobrem.
E os peixes nos meus dedos distendidos
são vestígios de águas ancestrais
diluídas no fundo das vazantes.
E no cento do mapa a Ilha é um ponto
que vem do fundo de remotas águas
onde lavo e mergulho o corpo impuro.
V
Os dias se desfolham nos meus dedos
e os peixes zodiacais não proliferam,
nem as algas cambiantes se aprofundam,
no aquário suspenso do meu rosto.
Nos meus olhos retenho a Ilha e as águas
e o renovo das folhas e dos frutos.
Retenho em minhas mãos de sol e luas
a linha geométrica do espaço.
Há uma rosa caindo no meu corpo,
rosa de areia e cal, rosa de abismo,
emergindo das ondas espumosas.
Rosa da Ilha presa no horizonte
rosa de sal, de brumas e de espanto
roas das cordilheira intocadas.
VI
Estes frutos, ao sol, coagulados,
frutos à minha Ilha pertencidos,
eu os vejo na vida ultrapassada,
eu os sinto tão longe quando perto
Frutos em cujo sumo a minha boca
não se refresca e nem se purifica.
Frutos de fogo e sal, de água e vento,
por onde me conduzo ao verbo e ao nada.
Frutos por onde bebo o meu orvalho,
inodoro e incolor. E a minha sede
mais aprofunda e estala em sonho e febre.
Há um céu nestes frutos inventados,
de uma astronomia compassiva
que começa no fundo dos meus olhos.
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Página publicada em janeiro de 2022
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Página publicada em junho de 2021
Página publicada em julho de 2011.
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